Representam o sistema nervoso central da economia moderna global e já não conseguiríamos viver sem elas: estamos a falar das empresas que integram o sector das TI e que permitem a cidadãos e empresas estarem ligados àquela que é, para muitos, a maior invenção do ser humano. A Internet é sinónimo da ausência de barreiras, de democratização e, essencialmente, de “transparência”. Mas no que respeita ao seu impacto ambiental, a ética da transparência desaparece quase por completo num verdadeiro mar de sujidade. A Greenpeace elabora, anualmente e desde 2009, uma espécie de ranking da “vergonha”, denunciando os ainda parcos esforços feitos pelo sector para ser mais ambientalmente responsável. Finalmente, parece existir alguma limpeza no meio de tanta lama
POR
MÁRIA POMBO

Considerada, por muitos, como a maior invenção do ser humano, a Internet é, e sem dúvida alguma, não só “o sistema nervoso central da economia moderna global”, como o “pão para a boca” para mais de metade da população mundial. Mas e como em quase tudo o que é essencial, tem também um enorme reverso da medalha, em muito contribuindo para não honrar o sector que a “detém”: o consumo gigantesco de energia, quer em termos de utilização “comum” pelos cibernautas, quer nas centrais de dados que armazenam fluxos de informação inimagináveis e, é claro, tendo em conta as infra-estruturas que são necessárias para que a mesma possa existir e chegar a todos os incontáveis dispositivos que dela se “alimentam”.

Assim, o sector das TI, responsável actualmente por cerca de sete por cento do consumo global de electricidade e, dado que se antecipa a triplicação do tráfego mundial na internet até 2020, aumentará o tamanho já impressionante da sua pegada de carbono, estimulada tanto pelo aumento do consumo individual de dados como pela disseminação da era digital para mais mil milhões de pessoas “adicionais” (de três mil milhões na actualidade para cerca de para quatro mil milhões da população mundial a breve prazo).

Em termos ambientais e, em particular, no que respeita ao impacto das alterações climáticas, o sector das TI carrega nos ombros um peso pesado e, perante este cenário, é crucial abordar – efectiva e globalmente – a transição para as energias renováveis e limpas. Complementarmente, é necessário questionar se esta transição será feita a tempo de travar o tão temido e perigoso aquecimento global e todos os danos que lhe estão associados.

De acordo com o mais recente relatório da Greenpeace sobre a utilização, por parte das empresas de TI, de uma internet que seja – idealmente – amiga do ambiente, a resposta a esta questão poderia ser relativamente simples: “se os centros de dados e outras infra-estruturas digitais fossem movidos a energias 100% renováveis, a nossa dependência crescente na internet poderia, de facto, acelerar a transição para uma economia mais eficiente em termos ambientais”. No mesmo documento, é explicado que “em última análise, serão os ‘maiores’ deste sector que irão decidir se a nossa pegada digital será alimentada por energias limpas ou por combustíveis fósseis antiquados”, ao mesmo tempo que alerta que, caso o crescimento digital siga a direcção oposta, exigindo a crescente utilização de carvão e outras fontes poluentes de energia, “alcançar uma economia movida a energia renovável será muito mais dispendioso e demorará demasiado tempo”.

A organização ambientalista sabe bem do que fala. Desde 2009 que avalia o desempenho energético das empresas de TI e não tem poupado esforços nas denúncias que faz no que respeita aos vergonhosos baixos níveis de responsabilidade ambiental e à ausência de transparência que continuam a dominar – e a contaminar – o sector.

O ranking – no qual as empresas surgem por ordem alfabética e organizadas por áreas de actuação (desde as empresas de internet globais, passando pelas de streaming, ou pelas plataformas que sustentam as redes sociais e os blogues, entre várias outras) – avalia o sector das TI de acordo com vários itens e não só em termos da percentagem de utilização de energias limpas, nuclear, gás natural e carvão: à transparência, aos níveis de eficiência energética, à sensibilização para a sustentabilidade e à mitigação dos riscos ambientais são igualmente conferidas notas “qualitativas” que ajudam a apurar, por fim, a sua “média final”.

Entre esforços de melhoria de reputação e resultados vergonhosos, a verdade é que este benchmarking anual tem servido, pelo menos, para obrigar as empresas a encetarem algumas maiorias nas suas políticas de ética ambiental, nem que seja para ficarem bem na fotografia.

E, pelo menos no que respeita a gigantes da tecnologia como a Apple, a Google e o Facebook –a pressão exercida por este “policiamento ambiental” tem surtido alguns resultados, apesar de muito aquém do que seria desejável.

A corrida para a construção de uma internet “movida” a energias renováveis foi iniciada pelos três players por excelência acima mencionados, os quais se comprometeram, há quatro anos, a atingir o objectivo “100% de energias renováveis” a longo prazo – resta saber quando – ao qual se juntaram, recentemente, mais 20 empresas do sector, possivelmente mais preocupadas em limpar a sua imagem junto da opinião pública do que propriamente em contribuir para a limpeza do ambiente. Todavia, seja por que motivo for, este primeiro passo constitui um bom prenúncio mesmo que, e como denuncia a Greenpeace, os mesmos compromissos continuem a estar mais relacionados com questões de status quo e menos com uma verdadeira vontade transformacional.

TI: o bom, o mau e o incompreensível

As exigências dos consumidores em termos de utilização de fontes limpas de energia, a crescente competitividade relativamente aos custos das energias renováveis (que, através de contratos de longo prazo, garantem preços competitivos durante mais tempo), e a concorrência entre as empresas de TI que têm preocupações em termos da utilização destes recursos (revelando aos consumidores o seu interesse em relação às questões ambientais e a sua preocupação no que respeita às alterações climáticas) são os principais motivos pelos quais muitas destas empresas se encontram empenhadas na construção de uma “internet verde”.

Contudo, muitas são ainda aquelas – como a LG, o Twitter e o Pinterest – que preferem continuar a apostar na utilização das energias tradicionais poluentes, a não se preocupar minimamente com o futuro do planeta e a não disponibilizar informação acerca desta matéria.

Nesta corrida pela utilização de energias limpas, a Apple – a qual e de acordo com os critérios ecológicos e de impacto ambiental da Greenpeace viu serem chumbados, por várias vezes, os seus servidores que alimentam os serviços na nuvem – tem vindo a encetar esforços por excelência nesta matéria ocupando, agora e pelo terceiro ano consecutivo, o pódio das tecnológicas mais ambientalmente responsáveis.

Tanto a empresa de Tim Cook como a Google são, actualmente, um exemplo a seguir em termos de eficiência energética, fazendo corresponder à sua elevada performance de negócio um igualmente notório crescimento no que respeita à utilização de energias limpas, influenciando governos e outras organizações do mesmo sector a seguir a mesma via e diminuindo consideravelmente a sua pegada ecológica.

Uma agradável surpresa chega por parte da Switch, cujo core business é exactamente o design, construção e operacionalização de centros de dados ultra-sofisticados, estreando-se “em grande” neste ranking. Na verdade, a empresa atinge os 100% no índice de energias limpas – face a 83% da Apple, 67% do Facebook, 56% da Google e 32% da Microsoft – batendo todos os recordes face às suas congéneres mais mediáticas e poderosas.

Pelo contrário, a Amazon Web Services (AWS) – que prometeu dar passos importantes no que respeita à utilização de energias limpas nos seus centros de dados, criando algumas (falsas) expectativas – acabou por surpreender pela negativa, devido à sua falta de transparência e à contínua preferência pelas energias poluentes (a empresa pertencente ao domínio gigantesco de Jeff Bezos não vai além dos 17% de utilização de energias limpas).

De facto, e como sabemos, o armazenamento de informação em nuvem requer a existência de centrais de dados com capacidades astronómicas, principalmente porque esta é uma ferramenta cada vez mais popular e utilizada por cidadãos e empresas a nível mundial. Contudo, e já que este parece mesmo ser o futuro, ao invés de este indicador se assumir como uma “boa desculpa” para que as empresas utilizem carvão e energia nuclear, deveria ser um bom pretexto para que estas assumissem, de uma vez por todas, o compromisso de utilizar energias 100% renováveis, pois é também – e passemos a repetição – o futuro que está em causa.


Empresas de TI necessitam de ser ambientalmente mais ambiciosas

Devido à dificuldade de acesso a energias renováveis (e aos custos que as mesmas ainda podem ter, em particular nas fases iniciais), são ainda muitas as empresas a “fazer batota” e procurar “atalhos”, tentando fazer crer aos consumidores que utilizam 100% de energia renovável. Ou seja, o truque é publicitarem a (efectiva) utilização de energias limpas em algumas regiões do planeta, ao mesmo tempo que mantêm, em grande escala, o consumo de energias poluentes noutras tantas. Esta falta de transparência não passa, contudo, no crivo da Greenpeace.

De facto, e de acordo com a organização ambientalista, “a contínua falta de transparência de muitas empresas em relação à sua procura de energia e consequente oferta para os seus centros de dados continua a ser uma ameaça significativa para a sustentabilidade do sector a longo prazo”. A AWS, a Tencent, a LG e a Baidu são exemplos de empresas que apresentam elevados níveis de falta de transparência – uma situação que se afigura incompreensível, dado o peso que têm nos mercados onde exercem actividade e na medida em que as suas más práticas são flagrantes e facilmente detectáveis.

Em suma, o estudo da Greenpeace alerta para o facto de as empresas do sector das TI terem, mesmo, de ser mais ambiciosas no que respeita ao compromisso com uma economia ecologicamente mais sustentável. No geral, os objectivos destas devem passar por desenvolver tecnologias inovadoras que lhes permitam aliar o crescimento dos negócios à maior aposta em soluções sustentáveis e ao recurso a energias renováveis – o que, em muitos casos e como se pode comprovar no ranking em causa, não está a acontecer.

Na medida em que a transição para as energias renováveis é urgente e deveria ser a principal aposta das organizações que dominam a Internet e face ao enorme peso que representam no consumo global de energia, saber que o sector das TI tem nas mãos este compromisso, mas o está a adiar continuamente, não pode ser motivo de regozijo para ninguém. Afinal, e constituindo a internet também a “coluna vertebral “ da economia digital, as empresas que a representam deveriam, no mínimo, ter também a “coluna vertebral” adequada para levarem a sério as suas políticas ambientais e de sustentabilidade.



Apple: exigir menos ao planeta, exigindo mais a si própria?

Com o objectivo de melhorar a sua reputação e diminuir a pegada ecológica, a Apple tem vindo a apostar, de forma crescente, na utilização de materiais reciclados, os quais são aproveitados para a produção de novos – e mais amigos do ambiente – produtos. Esta é uma estratégia que não só permite ganhar novos clientes e ajudar o planeta, como auxilia também este gigante da tecnologia a poupar alguns milhões de dólares, que outrora seriam literalmente deitados ao lixo.

Aquela que foi, não há muitos anos, alvo de duras críticas e acesas manifestações devido às suas estratégias pouco ortodoxas no que respeita à utilização de energias poluentes (e não só) – revelando um fraco interesse em proteger o ambiente e evitar as alterações climáticas – é agora uma organização que serve de exemplo para tantas outras e que pretende deixar a sua (boa) marca em áreas como o fabrico, a utilização de materiais, recursos, transporte e reciclagem.

No seu mais recente relatório sobre responsabilidade ambiental, referente ao ano de 2016 – a Apple assume estar empenhada em exigir “menos ao planeta, exigindo mais a si própria”. Este claim assume-se como uma espécie de compromisso com o ambiente que a organização faz, enfatizando a sua aposta na utilização de energias limpas e materiais reciclados, e diminuindo, como consequência, a sua pegada ambiental, e levando-a a seguir, o mais possível, uma política de “carbon-free”.

Apesar dos seus esforços, a Apple continua, no entanto, a ser alvo de duras críticas, as quais salientam, entre outras coisas, que esta sua preocupação ambiental não é mais que uma lavagem de imagem, uma estratégia de marketing e um caminho a partir do qual a organização poderá dominar o mercado energético (tal como faz com o mercado da tecnologia). Mas, e em alguns casos, e mesmo que a principal preocupação esteja relacionada com questões reputacionais, que a culpa e a vergonha sirvam para alguma coisa.


Jornalista