Em novembro passado, o Papa Francisco reuniu economistas de todo o mundo para pensarem e refletirem como a economia pode e deve mudar para dar lugar a uma atitude de maior proximidade com os trabalhadores, a sociedade e o planeta. Já há empresas que o fazem há muitos anos, e nunca deixaram de ter lucro por causa disso, e foi essa realidade que fomos conhecer
POR RICARDO PERNA
Ninguém questiona que há empresários que são mais bondosos, que se preocupam mais com os trabalhadores, com as suas famílias, ou com o meio ambiente e a sociedade. Não são a maioria, nem de perto, e foi isso que motivou o Papa Francisco a criar um evento no qual propunha estar com economistas jovens de todo o mundo para, em conjunto, pensarem um mundo empresarial diferente do atual, alicerçado na ideia de que é possível que o modelo económico de cada país tenha, no seu centro, a preocupação com o ser humano, a pessoa, trabalhadora, cliente, ou simplesmente cidadã do mesmo país.
A ideia parecia ambiciosa e utópica, sobretudo se pensarmos que muitos consideram que, para se ter sucesso e lucro, não há hipótese de sermos muito benevolentes com os nossos trabalhadores ou com os nossos clientes. Mas nada podia estar mais errado, e por isso a FAMÍLIA CRISTÃ foi à procura de empresas que já procuram cumprir os princípios enunciados pelo Papa Francisco e pelos participantes no encontro da «Economia de Francisco».
Desde logo, a Bluepharma, empresa do ramo farmacêutico. Há 20 anos que a empresa trabalha neste ramo, e sempre com objetivos claros, traçados desde o início. «O primeiro objetivo era chegar à população com medicamentos acessíveis, o segundo era colaborar com o Estado para reduzir a despesa pública, o terceiro objetivo era criar postos de trabalho, e o quarto era investir em investigação e desenvolvimento», conta-nos Paulo Barradas, CEO [diretor executivo] da empresa que celebra este ano 20 anos de atividade.
Tudo começou com a aquisição de uma fábrica propriedade da Bayer. «De 58 pessoas que a Bayer empregava na unidade industrial que adquirimos [em 1991], hoje temos um grupo de 20 empresas, na área da saúde, que empregam 750 pessoas, maioritariamente em Coimbra e no Porto, onde temos uma empresa que emprega 150 pessoas. Temos cumprido com a nossa responsabilidade, e somos um grande empregador», conta-nos, visivelmente satisfeito que as premissas iniciais ainda hoje se mantenham.
Grande impulsionador dos medicamentos genéricos, Paulo Barradas explica que desde o início procurou certificações em qualidade, ambiente, saúde ocupacional e segurança, certificações que não eram obrigatórias, e que implicaram custos-extras de implementação, mas que são chave para ele. «A certificação integrada é de nossa vontade, mas foi uma nota que demos à sociedade, que éramos pessoas que queríamos trazer qualidade, respeitando os valores do meio ambiente e os colaboradores que trabalham connosco», sustenta.
Além disso, a empresa, além de distribuir todos os anos parte dos lucros pelos trabalhadores, gasta 15% do seu volume de faturação só em investigação e desenvolvimento de projetos na área da saúde, e tem muitas parcerias com instituições particulares de solidariedade social locais da zona de Coimbra, que apoiam em dinheiro ou bens, conforme as necessidades detetadas.
Além das iniciativas para fora, há um cuidado com os trabalhadores expresso, por exemplo, em «bolsas de estudo que são dadas enquanto os filhos dos funcionários estão na escola» e um «seguro de saúde para os funcionários que é extensível ao resto do agregado familiar».
Sempre com o lucro em vista, porque nenhuma empresa sobrevive sem a procura do lucro financeiro, conforme nos explica Acácio Faria Lopes, empresário de Felgueiras e dono de uma das fábricas de formas de plástico para calçado mais antigas ainda em funcionamento. «Uma empresa tem como objetivo primeiro a criação de valor. Na criação de valor está incluído o lucro, mas também a dignidade dos seus trabalhadores, a criação de postos de trabalho, pagamentos de impostos, relacionamentos sociais cordiais e sustentáveis, a inovação, produção de bens úteis», entre outros, afirma este empresário, que reforça que «o lucro é importante, de tal modo que sem ele a empresa não pode sobreviver».
A questão é que, e aqui reside o ponto principal, é essencial que a procura do lucro se faça acompanhar com estes cuidados e gestos para com os outros. «Aliás, na pior visão do assunto, é até uma perspetiva interesseira, porque o que queremos é desenvolver a nossa empresa, e essa estratégia passar por agarrar as melhores pessoas, não as deixar sair do país, e são tantos os talentos que aqui temos, cuidar dos meus trabalhadores, fazê-las sentir-se felizes de trabalhar em equipa», reafirma Paulo Barradas, da Bluepharma.
Portanto, chega a ser imperioso, para garantir o desenvolvimento saudável e eficiente da empresa, que os seus responsáveis tenham em linha de conta os trabalhadores, as suas situações, e a sociedade na qual a empresa está inserida. «Na nossa empresa procuramos atuar no nosso dia a dia conforme este novo paradigma, porque entendemos que é o único caminho de a tornar competitiva e sustentável», defende Acácio Faria Lopes. Até porque, tendo trabalhadores mais contentes e motivados, «a empresa é mais produtiva, por isso cria mais valor, produz produtos de maior valor acrescentado, nomeadamente qualidade», defende.
É por isso que, conta, cria, «através dos bons relacionamentos, fidelidade dos clientes, e quando há dificuldades com mais facilidade são resolvidas», e também tem uma atenção «aos nossos funcionários e famílias, nomeadamente saúde, educação e dificuldade financeiras». «Procuramos conhecer bem a família daqueles que colaboram connosco», aponta, indicando, por exemplo, que «quando algum familiar está doente, o funcionário tem a liberdade de cuidar e assistir no que é necessário». O objetivo é «fazer das nossas empresas comunidades onde todos se sintam bem».
Isto parece claro, mas há ainda um grande número de empresas, maiores e mais pequenas, que não têm este objetivo no seu horizonte. «Empresa que não tenha a capacidade de mobilizar as pessoas, de as motivar através de boas ações, sentindo que todos contribuem muito para esse bem comum, é uma empresa muito pobre de recursos humanos, e não tem futuro no longo prazo. Para ter futuro no longo prazo e para termos empresários que tenham a capacidade de visão a longo prazo é fundamental envolver as pessoas, e elas sentem-se envolvidas nestas pequenas coisas», considera este responsável. Acácio Faria Lopes concorda e acrescenta que «não valorizar as pessoas é desprezar a própria empresa».
Acácio Faria Lopes e Paulo Barradas são ambos católicos, membros da Associação Cristã de Empresários e Gestores (ACEGE). Mas isso não significa, nem implica, que construir e liderar empresas seguindo o modelo de economia centrado no ser humano proposto pelo Papa Francisco seja algo exclusivo de católicos. «Nada tem que ver com a religião», afirma Paulo Barradas, reafirmando que procurar este caminho é encontrar uma forma de «desenvolver a empresa» e, por conseguinte, aumentar os seus lucros.
Já Acácio Faria Lopes concorda e afirma que este modelo «começa a inspirar muitas empresas», embora reconheça que, «nas empresas PME [Pequenas e Médias Empresas], sobretudo familiares, é mais difícil, uma vez que se confunde a “carteira” da família com a “carteira” da empresa», conclui.
Desafio «Pagar a horas, fazer crescer Portugal»
A ACEGE tem com uma das suas bandeiras há alguns anos um projeto que visa acabar com o atraso no pagamento a fornecedores, o que muitas vezes coloca a corda na garganta a empresas mais pequenas, mas não só. Neste sentido, e pedindo um esforço de todos, elaboraram uma campanha com base neste pressuposto, que entretanto já está a ser seguida, segundo a página da organização, por mais de 1600 organizações, entre empresas, ordens profissionais, universidades e associações empresariais.
Os princípios subjacentes a este modelo recordam que o pagamento no prazo acordado aos fornecedores constitui uma obrigação de cada líder e é uma boa prática de gestão que deve ser impulsionada para o crescimento das empresas e do país. O movimento apela igualmente ao cumprimento da legislação sobre pagamentos pontuais, combatendo, desta forma, a ideia de que esta é mais uma lei para não ser cumprida, exortando, igualmente, que também as grandes empresas e o Estado cumpram com diligência a lei e assumam um papel exemplar para as restantes organizações. Promovido, há quase uma década, pela ACEGE, em conjunto com a CIP, o IAPMEI e a APIFARMA, o Compromisso Pagamento Pontual conta agora com novos parceiros de que são exemplo a Informa D&B, a Ordem dos Contabilistas Certificados (OCC) e também a Caixa Geral de Depósitos
Nota: Artigo originalmente publicado na edição de Fevereiro de 2021 da revista Família Cristã. Republicado com permissão.
jornalista na Revista Família Cristã