Opinar sobre sustentabilidade em abordagens diferentes do tanto que já foi dito, não se prova tarefa fácil. Mas, talvez por isso mesmo, me desafio a uma reflexão um pouco mais crítica sobre o estado da arte neste nosso país que, apesar dos seus parcos noventa e dois mil e duzentos quilómetros quadrados em território continental e insular, tão diferente se revela de região para região
POR CONCEIÇÃO ZAGALO

Quando há cerca de três décadas, então no mundo corporativo, me lancei no tema da sustentabilidade, pouco mais se falava do que de ações filantrópicas levadas a exercício de forma razoavelmente circunstanciada e um pouco deixadas à mercê de um escasso número de decisores mais atentos aos desequilíbrios que iam acontecendo nas suas comunidades.

 De então para cá muito se evoluiu, muito se fez, muitas mentes se abriram à necessidade de destrinçar com clareza conceitos como donativo ou investimento, voluntarismo ou voluntariado, altruísmo ou interesse, assistencialismo ou empoderamento, obrigação ou estratégia. E, claro está, como que numa perspetiva causa-efeito imposta pelo rigor na análise de fim de linha, emergiu a necessidade de medição de impacto, também porque a gestão de stakeholders, encabeçada por acionistas e investidores cada vez mais zelosos do seu dinheiro, revelavam tudo menos complacência com aplicações financeiras menos criteriosas e menos consequentes. 

Era, assim, algo comum equacionarem-se questões sobre o retorno de cada ação, sobre o efeito distrativo decorrente de iniciativas de voluntariado, sobre abordagens dicotómicas entre marketing e solidariedade. Ambiente era essa coisa da preservação do Parque Natural da Peneda Gerês ou da salvaguarda dos Roazes no Estuário do Sado. Coisas que até ficavam bem na fotografia e não implicavam grandes desembolsos em montante, digamos assim. 

Cultura, género, deficiência, equilíbrio de vida pessoal e profissional, respeito pela diversidade, isso já eram modernices que tendiam a empatar as pessoas e a pôr em causa os índices de produtividade que as organizações tinham de cumprir com padrões acima dos da concorrência.   

Pois bem, ditou o mundo e a evolução tecnológica que a viragem acontecesse muito rapidamente. Até porque o salto operado pelo acesso à informação em tempo real num quadro de mudança do analógico para o digital, não nos deixavam estar afastados do que ia acontecendo no planeta, nalguns casos a quilómetros luz de distância do que se passava aqui neste nosso canto do mundo.

Muito mudou de então para cá, sublinho. E estaremos no bom caminho. Mas será que não nos cabe uma radiografia mais precisa, uma atitude mais corajosa, uma intervenção de maior rasgo?

Até porque, não sendo pessimista nem querendo parecer catastrófica, o país não se resume a Lisboa, Porto, Braga, Coimbra ou Faro para referir apenas alguns dos grandes centros urbanos. Há lugares e aldeias onde o isolamento é quase total. Onde o ensino não chega, as escolas primárias foram encerradas e até estão candidatas a capela mortuária, a saúde mora a quilómetros de distância, as estradas vêm-se e desejam-se para servir os propósitos de quem lá vive, as comunicações ainda não refletem todo o potencial dos emissores que lhe estiveram na origem. 

Será que nesse Portugal profundo, nesses locais mais recônditos do país, se debatem objetivos de desenvolvimento sustentável? As pessoas têm a noção de que, para além do que cultivam para uso doméstico, existe toda uma cadeia de produção que impõe princípios de sustentabilidade? Separaram-se lixos, evitam-se plásticos, dá-se o correto tratamento ao vidro ou aos óleos?

No entanto, ali por perto existirão empresas de todas as dimensões e variados setores de atividade que buscam mais espaço por menos dinheiro e com mão de obra mais em conta. E algumas delas, nem sempre micro, não estão nem aí sobre o que são ODS, ESG, e muito menos taxonomia.

Vamos lá pensar nas pessoas. Nas que escolhem não contribuir para a sedentarização do país, nas que vivem nos arredores, nas que têm uma enorme capacidade de resiliência e, não abandonando o seu berço, mas não sendo abandonadas no acelerador da evolução, tanto podem contribuir para o bem da nação.

Muitas gotas fazem um oceano, sim. E é aí que estruturas como a BSN [Business and Science Neetwork] podem fazer a diferença e, levando informação e formação aos locais mais castigados pela ausência de elevador social, idealmente de mãos dadas com o poder e as organizações de base local, podem alavancar a cultura e o conhecimento capazes de evidenciarem que há prosperidade para além do tradicional limite do horizonte. E que é mesmo lá que os mais simples recursos podem tornar-se verdadeiros “pormaiores”. 

Nesse dia, o S de Social cumprirá o seu grande desiderato por se ter superado e ter sido capaz de se fazer à vida com visão, ou melhor, com a ousadia de se atirar para o país e exercer o seu grande papel, ou seja, chegar às pessoas que personificam o real fulcro entre ambiente e economia.

E é também nesse dia que poderemos acordar mais felizes por termos dormido embalados pela certeza de que encerraremos em nós o verdadeiro paradigma da sustentabilidade, ou seja, o de que interiorizámos tanto do que colhemos do passado e, com valor que acrescentemos, deixamos um legado de que nos orgulhemos para alimentar a engrenagem que caberá aos nossos filhos olearem para as gerações que lhes sucedam.

CONCEIÇÃO ZAGALO

Desenvolveu, da base até ao topo, a sua carreira na IBM ao longo de quase 4 décadas. Tendo realizado diversas missões de cooperação no Vietname, em Moçambique e em 6 ilhas do arquipélago de Cabo Verde, dedica os seus dias à gestão associativa, a atividades docentes, à consultoria em organizações do terceiro setor, às causas, aos temas de género, ao empreendedorismo social e aos quatro netos. Recebeu diversas distinções ao longo da sua vida, como três Prémios Carreira, com especial relevância para o que lhe foi atribuído pela Amnistia Internacional pela sua especial dedicação às causas sociais

1 COMENTÁRIO

  1. Concordo plenamente, temos de descobrir amis as realidades contextualizando no tempo no passado e no presenrte seguirmos uma linha de OUVIR as PESSOAS no terreno e depois decidir.

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