Vivemos tempos estranhos. Numa altura em que os dados estatísticos e os sinais dos limites das atuais políticas e modelos de negócio são cada vez mais óbvios, esperava-se um reforço do consenso entre políticos e lideres das empresas sobre a necessidade da mudança de paradigma, com o acelerar da transição para políticas e modelos mais sustentáveis. Pois bem, vivemos o oposto. E os argumentos não são iguais em cada lado do Atlântico
POR BRUNO PROENÇA
Vivemos tempos paradoxais. O último Verão foi dos mais quentes desde que há dados e é hoje certo (cientificamente) que os fenómenos climáticos extremos vão ser cada vez mais frequentes. Estamos a viver uma seca (severa) que já obrigou ao racionamento do uso de água em algumas localidades de Portugal e em outros países. A infeliz guerra na Ucrânia, provocada pelo ataque injustificado da Rússia, aprofundou uma crise energética, que neste momento atinge proporções ao nível do que foi vivido nos anos setenta do século passado, com os preços dos combustíveis fósseis (petróleo e gás) a atingirem preços incomportáveis para muitos países e economias.
Ainda assim, basta abrir os jornais para verificar como, neste ambiente de crise, nunca as políticas ESG foram tão atacadas. Aliás, há quem decrete a morte do ESG – as políticas de sustentabilidade ligadas aos três pilares: ambiental, social e governance. Vivemos tempos estranhos. Numa altura em que os dados estatísticos e os sinais dos limites das atuais políticas e modelos de negócio são cada vez mais óbvios, esperava-se um reforço do consenso entre políticos e lideres das empresas sobre a necessidade da mudança de paradigma, com o acelerar da transição para políticas e modelos mais sustentáveis. Pois bem, vivemos o oposto. Os argumentos não são iguais em cada lado do Atlântico.
Nos Estados Unidos, uma sociedade cada vez mais polarizada, o ESG é usado como arma de arremesso político entre o Partido Republicano e o Partido Democrata. Os republicanos fazem do anti-ESG uma bandeira contra os democratas, acusando as políticas de sustentabilidade de colocarem em causa setores da economia norte-americana ligados aos combustíveis fósseis. Alguns estados, governados por republicanos, têm proibido os negócios de instituições públicas com as instituições financeiras que privilegiam os “investimentos verdes”, pois acusam estes bancos de prejudicarem os investimentos em projetos ligados ao oil and gas.
Na Europa, o retrocesso está ligado com a guerra na Ucrânia, que parece ter mudado as prioridades dos governos. A segurança energética aparece agora nos primeiros lugares das preocupações dos países. Ou seja, com as redes de fornecimento de combustível em xeque, os governos estão focados em garantirem os mínimos de fornecimento de energia para o funcionamento das empresas e para o consumo das famílias, nomeadamente para o aquecimento durante o Inverno. Como as energias renováveis ainda não conseguem desempenhar este papel, os países europeus, como a Alemanha e a Itália, procuram alternativas ao gás e ao petróleo que antes chegava abundante a barato da Rússia. Assim, mantêm o paradigma dos combustíveis fósseis, negoceiam com fornecedores alternativos e recuperam centrais de produção de energia a carvão que estavam em processo de encerramento precisamente pelos elevados efeitos nefastos para o ambiente, como as emissões de CO2.
O recuo no ESG não se fica pelas macropolíticas. Também muitos gestores parecem estar a perder o ímpeto na adoção de modelos de negócio mais sustentáveis. Num recente trabalho, a consultora Mckinsey identificava as quatro criticas mais habituais ao ESG.
- Por serem tão abrangentes, as políticas ESG acabam por ser uma distração para as equipas de gestão das empresas, que deviam estar focadas em melhorarem a produtividade e rentabilidade da sua organização para melhor remunerarem o acionista. Para quem acredita nesta critica, o ESG não passa de uma estratégia de marketing que faz sentido em alguns negócios.
- O ESG não é concretizável porque é intrinsecamente impossível. Como quer atender às necessidades e pretensões dos diferentes stakeholders, as políticas ESG acabam por mergulhar as organizações em trade-offs que são impossíveis de resolver, acabando por bloquear as empresas.
- A terceira crítica reside em que as medidas ESG não são mensuráveis, pelo menos num nível prático. Na verdade, hoje ainda não existem standards de divulgação de informação não financeira por parte das empresas. Diferentes organizações apresentam diversos modelos e indicadores e as empresas podem escolher os que preferem. Isto acarreta problemas de comparabilidade, uma grande confusão no mercado sobre a atribuição de ratings de investimento a ativos “verdes” e muitos fenómenos de greenwashing. A SEC nos EUA e a Comissão Europeia estão a trabalhar nestes referenciais mais ainda não estão aprovados, nem em vigor.
- Por fim, muitos gestores dizem que, mesmo que o ESG fosse mensurável, é difícil ligar esses indicadores com a performance financeira da organização. Por outras palavras, é difícil explicar o sucesso ou insucesso financeiro de um investimento ou de uma empresa pelas suas políticas ESG.
Perante tudo isto, este não tem sido um bom ano para o ESG. Os governos estão a gastar mais em combustíveis fósseis para garantirem a segurança energética e menos na transição para as energias renováveis. E, no sector privado, em 2022 registou-se, para já, uma desaceleração nos ganhos com investimentos em ativos green, o que também é explicado pelo mau momento dos mercados financeiros. Desta forma, há quem decrete o fim do ESG. Porém, eu arrisco dizer que as notícias sobre a morte das políticas (públicas e privadas) sobre Sustentabilidade são manifestamente exageradas.
Até aceito que o acrónimo ESG venha a ser substituído por outro. Na verdade, ao longo das últimas décadas, o tema da Sustentabilidade foi sendo falado e debatido debaixo de diferentes conceitos: desde o “desenvolvimento sustentável”, depois a “responsabilidade social corporativa” (CSR), agora o ESG, entre outros. Mas a relevância do tema e a adesão dos cidadãos, políticos, empresas, instituições internacionais e organizações não governamentais registou um crescimento permanente. Segundo dados divulgados pela Mckinsey, 90% das empresas do índice S&P 500 reportam hoje indicadores ESG e, em 2021, o investimento em fundos sustentáveis atingiu os 70 mil milhões de dólares, o que compara com os cinco mil milhões em 2018. Além disto, não há hoje reunião internacional que não tenha pelo menos um painel dedicado a estes assuntos e todos os dias podemos ler na imprensa artigos sobre o tema.
Não é uma moda. É um assunto que veio para ficar e estará cada vez mais presente nas agendas dos cidadãos, dos decisores políticos e dos dirigentes empresariais. E porquê? A pressão do contexto exterior (em mudança) sobre as organizações será cada vez maior. Os efeitos das alterações climáticas vão ser cada vez mais visíveis, obrigando os estados e as empresas a adotarem medidas que reforcem a gestão dos riscos e a sua resiliência. E os stakeholders vão ser cada vez menos tolerantes com práticas de maus tratos dos trabalhadores e medidas de legalidade duvidosa ao nível da gestão apenas para conseguirem melhores resultados no curto prazo.
As empresas com modelos de negócio mais sustentáveis já conseguem hoje financiamento mais barato e atraem melhor capital humano, por outras palavras, mais talento. Algumas empresas vão mudar por convicção dos gestores, outras por pressão dos seus mercados, mas a transição para modelos de negócio mais sustentáveis já começou. Obviamente que não vai ser um passeio no parque e os resultados ainda são hoje claramente insuficientes. Vai ser um caminho difícil e tortuoso, pois vai obrigar a reinventar muitos produtos e serviços. Ou seja, vai obrigar a uma nova vaga de inovação. Mas a história mostra-nos que o modelo capitalista já foi capaz de se reinventar várias vezes.
Os conceitos básicos das organizações estão a mudar. Hoje, não basta a uma empresa criar valor, tem que criar valor sustentável e social. Tem de ter uma perspetiva de longo prazo e de retribuição à sociedade e a todos os seus stakeholders. Para terem sucesso, as empresas precisam cada vez mais de uma espécie de licença social que lhes é “atribuída” por todos os stakeholders. Hoje já temos exemplos de empresas que adotaram modelos de negócio mais sustentáveis e que apresentam melhores resultados do que os seus concorrentes.
O ESG pode estar debaixo de fogo, mas a Sustentabilidade veio para ficar.
Professor de Política de Empresa e Prof. Responsável do Short Program
“Sustentabilidade: implementar ESG nas empresas”