Entre as várias mensagens constantes no discurso endereçado pelo Papa aos mais de 800 participantes que se reuniram em Roma a propósito do XXVII Congresso da UNIAPAC, Francisco apelou aos gestores e empresários presentes que já não é suficiente reflectir sobre a proposta de uma nova economia para o bem comum, sendo ao invés urgente começar a colocá-la em prática. E, para tal, convidou-os a considerarem uma nova aliança com os mais de mil jovens que estiveram presentes no Encontro de Assis, em Setembro último, tendo em conta o “Pacto” que estes redigiram e com o qual se comprometeram, a fim de, em conjunto, colocarem em marcha a nova “Economia do Evangelho”
POR HELENA OLIVEIRA

Sob o mote “Coragem para Mudar: a criação de uma nova economia para o bem comum”, a Associação Mundial de Empresários Cristãos (UNIAPAC) realizou, no passado fim-de-semana e em Roma, o seu XXVII Congresso. Depois de uma audiência prévia com o Santo Padre, Bruno Bobone, entrevistado pelo VER a propósito do mesmo, afirmou que, depois de três anos em que a pandemia impediu que gestores e empresários de todo o mundo se reunissem neste formato já habitual, considerava este congresso, bem como o sítio onde o mesmo teve lugar, um momento simbólico para um recomeço, ainda mais inspirado pelo desafio proposto por Francisco, o qual serviu como motor para a discussão e criação de um mundo melhor.

Complementarmente, e como também já é habitual, o próprio Papa Francisco endereçou um discurso aos participantes do Congresso, exortando-os, em primeiro lugar a usarem os seus dons oferecidos por Deus para trabalharem em prol de uma economia mais solidária e inclusiva, mensagem que tem continuamente salientado ao longo dos últimos anos.

Relembrando que uma das missões dos membros da UNIAPAC é reflectir e reforçar o seu compromisso enquanto empresários para que a sua actividade seja uma “nobre vocação”, e que todas as suas competências, incluindo o sucesso nos negócios, devem ser “claramente orientadas para o desenvolvimento dos outros e para a eliminação da pobreza, especialmente através da criação de oportunidades de emprego diversificadas”, o Papa referiu-se ainda ao lema escolhido para este congresso – a coragem – como indispensável à necessidade de mudança de que o mundo tanto precisa, declarando ainda que “a verdadeira coragem também exige que sejamos capazes de reconhecer a graça divina na nossa vida“. Ainda nas suas palavras iniciais, referiu igualmente a importância da graça e sabedoria de Deus nas vidas destes gestores e empresários, pedindo a Sua orientação nos relacionamentos no mundo dos negócios e com todos aqueles com quem trabalham. Citando a importância da “amizade social” e afirmando que “somos chamados a ser criativos ao fazer o bem, […] usando os bens deste mundo – não apenas os materiais, mas todos os dons que recebemos do Senhor – não para nos enriquecermos, mas para gerar amor fraterno e amizade social” (Angelus, 18 de Setembro de 2022), o Sumo Pontífice sublinhou ainda o enorme desafio que o tema do congresso em causa representa para os diversos actores do universo empresarial, ou seja, a criação de uma nova economia para o bem comum, de “uma economia diferente, que nos faça viver e não mate, inclua e não exclua, humanize e não desumanize, cuide da criação e não a deprecie”[1].

Todavia, alerta também que não basta apenas reflectir sobre esta nova economia, mas sim começar a pô-la em prática, sem esquecer que a mesma deverá ter “todos os homens e todos os povos como seu sujeito. Todos têm o direito de participar na vida económica e o dever de contribuir, de acordo com as suas capacidades, para o progresso do seu país e de toda a família humana […]; é um dever de solidariedade e de justiça, mas é também a melhor forma de fazer avançar toda a humanidade”[2], sublinhou.

Por conseguinte, afirmou, que qualquer “nova economia para o bem comum” deve ser inclusiva, relembrando igualmente que, com demasiada frequência o slogan “não deixar ninguém para trás” é proferido sem intenção de oferecer o sacrifício e o esforço de transformar verdadeiramente estas palavras em realidade.

“Ajudar os pobres com dinheiro deve ser sempre um remédio temporário para lidar com as emergências. O verdadeiro objectivo deve ser o de lhes permitir uma vida digna através do trabalho”

Recordando São Paulo VI e a sua encíclica Populorum progressio – “O desenvolvimento não se reduz ao simples crescimento económico. Para ser um desenvolvimento autêntico, deve ser integral, o que significa que visa a promoção de cada homem e do homem inteiro”(n. 14) – , o Papa não deixou de recordar aos participantes que, na sua profissão enquanto empresários, são “chamados a agir como fermento para assegurar que o desenvolvimento chegue a todas as pessoas, mas sobretudo às mais marginalizadas, às mais necessitadas, para que a economia possa sempre contribuir para o crescimento humano integral”, ao mesmo tempo que apelou para não nos esquecermos do contributo oferecido pelo sector informal durante a pandemia, em particular na altura em que a maior parte da população estava “encerrada”. Ao longo deste período, foram os trabalhadores informais que “asseguraram o fornecimento e entrega dos bens necessários à vida diária e aos cuidados dos nossos entes queridos mais frágeis, e mantiveram actividades económicas básicas, apesar da perturbação de muitas actividades formais”, declarou.

De facto, e como Francisco nunca se esquece de relembrar “somos chamados a dar prioridade à nossa resposta aos trabalhadores que estão à margem do mercado de trabalho, […] trabalhadores pouco qualificados, operários, trabalhadores do sector informal, trabalhadores migrantes e refugiados, ou todos aqueles que fazem o que habitualmente se chama ‘o trabalho das três dimensões’: perigoso, sujo e degradante, e a lista poderia continuar” [3].

Citando a encíclica Laudato si’, na qual o Papa critica expressamente a ideia de que a inclusão dos pobres e marginalizados pode ser satisfeita apenas por esforços de assistência financeira e material – e a qual, sublinha, tem de ser posta de lado –

o sucessor de Pedro salientou que “ajudar os pobres com dinheiro deve ser sempre um remédio temporário para lidar com as emergências. O verdadeiro objectivo deve ser o de lhes permitir uma vida digna através do trabalho”(n. 128)”. Ou, como refere com veemência, “a porta para a dignidade de um homem é o trabalho. Não basta trazer o pão para casa, é necessário ganhar o pão que levo para casa”.

Um trabalho que não cuida, que destrói a criação, que põe em perigo a sobrevivência das gerações futuras e que não respeita a dignidade dos trabalhadores não pode ser considerado digno”

Perante a plateia de mais de 800 empresários e gestores reunidos em Roma, o Sumo Pontífice frisou também que o trabalho deve ser compreendido e respeitado como um processo que vai muito além da troca comercial entre empregador e empregado. Antes de mais, diz, “[o trabalho] faz parte do sentido da vida nesta terra, sendo uma forma de maturação, desenvolvimento humano e realização pessoal” (ibid.). E, acrescenta, “é uma expressão do nosso ser criado à imagem e semelhança de Deus, o trabalhador (cf. Gen 2: 3). […] Temos sido chamados a trabalhar desde a nossa criação”, [4] imitando Deus, que é o primeiro trabalhador”.

Tal como tem vindo igualmente a defender em muitos dos seus escritos e discursos, Francisco salientou uma vez mais que o trabalho deve ser integrado na denominada “economia do cuidado”, a qual pode ser entendida como o cuidar das pessoas e da natureza, oferecendo produtos e serviços para o crescimento do bem comum. Mas não só. Como também declara, o mais importante é que esta “economia que cuida” crie oportunidades de trabalho “que não explorem o trabalhador através de condições degradantes e de horários exaustivos” [5], sublinhando igualmente e uma vez mais que não se está a referir, neste caso, ao trabalho assistencial.

Para o Papa, este “cuidado” tem de ir muito mais longe e ser considerado como uma dimensão de todos os [tipos de] trabalhos. “Um trabalho que não cuida, que destrói a criação, que põe em perigo a sobrevivência das gerações futuras e que não respeita a dignidade dos trabalhadores não pode ser considerado digno”, acrescentando que, pelo contrário, “o trabalho do cuidado contribui para a restauração plena da dignidade humana e ajudará a assegurar um futuro sustentável para as gerações futuras. E nesta dimensão do cuidado, os trabalhadores estão em primeiro lugar”. [6]

Papa também quis partilhar “uma boa nova”

Foi em jeito de conclusão que o Santo Padre partilhou com a audiência o facto de, e recentemente, cerca de mil jovens economistas e empreendedores, terem-se reunido na cidade de Assis, “onde São Francisco e os primeiros frades abraçaram a pobreza e propuseram uma nova economia radical aos líderes económicos do seu tempo”, para reflectirem sobre a criação de uma nova economia, tendo igualmente redigido e assinado um “Pacto” para reformar o sistema económico global, com o intuito de melhorar a vida de todas as pessoas.

Desta forma, fez saber que gostaria de partilhar com os gestores e empresários presentes alguns dos pontos principais deste denominado Encontro de Assis, enumerando duas razões por excelência: a primeira relacionada com o facto de os jovens serem também eles alvo de exclusão e o segundo porque a criatividade e o “novo” pensamento vêm muitas vezes dos próprios jovens, devendo os mais seniores ter a coragem de parar e de os escutar, e vice-versa.

Assim, e para esta nova economia do bem comum e nas palavras do Papa, estes jovens propuseram uma “Economia do Evangelho”, a qual, entre outras coisas, inclui:

  • Uma economia de paz e não de guerra – pensemos no quanto é gasto no fabrico de armas;
  • Uma economia que cuida da criação e não a saqueia – consideremos a desflorestação;
  • Uma economia ao serviço da pessoa, da família e da vida, respeitadora de todas as mulheres, homens, crianças, idosos e, sobretudo, dos mais frágeis e vulneráveis;
  • Uma economia na qual os cuidados substituem o desperdício e a indiferença;
  • Uma economia que não deixa ninguém para trás, para construir uma sociedade em que as pedras descartadas pela mentalidade dominante se tornem pedras angulares;
  • Uma economia que reconhece e protege o trabalho decente e seguro para todos;
  • Uma economia em que as finanças são amigas e aliadas da economia real e do trabalho, e não contra elas [7].

Depois de elencar alguns dos objectivos desta “Economia do Evangelho”, já chamada também de “economia profética”, o Papa sublinhou ainda o facto de, actualmente, existirem centenas, milhares, milhões e possivelmente milhares de milhões de jovens a lutar para aceder aos sistemas económicos formais, ou mesmo apenas para ter acesso ao seu primeiro emprego remunerado, no qual possam pôr em prática os seus conhecimentos académicos, competências, energia e entusiasmo.

E foi com um apelo de encorajamento aos gestores e empresários mais velhos e bem-sucedidos presentes que Francisco terminou o seu discurso dedicado ao XXVII Congresso da UNIAPAC, pedindo-lhes para considerarem uma nova aliança com estes jovens que deram origem e se comprometeram com este “Pacto”. Mesmo que aos jovens se associe um conjunto de problemas, “eles têm a frontalidade para mostrar o verdadeiro caminho’, afirmou também.

Assim, o apelo é “para caminhar com eles, ensiná-los e aprender com eles; e, juntos, dar forma a ‘uma nova economia para o bem comum’”, rematou.


1] Mensagem aos participantes na “Economia de Francisco”, 1 de Maio de 2019.

[2] Compêndio da Doutrina Social da Igreja, n. 333.

[3] Mensagem em vídeo por ocasião da 109ª Reunião da Conferência da Organização Internacional do Trabalho (OIT), 17 de Junho de 2021.

[4] Mensagem aos participantes na 108ª sessão da Conferência Internacional do Trabalho, 10-21 de Junho de 2019.

[5] Mensagem em vídeo para o 7º dia mundial de oração e reflexão contra o tráfico de seres humanos, 8 de Fevereiro de 2021.

[6] Mensagem aos participantes na 109ª sessão da Conferência Internacional do Trabalho, 17 de Junho de 2021.

[7] Pacto para a economia dos participantes na Economia de Francisco, Assis, 24 de Setembro de 2022.

NOTA: Tradução livre do discurso do Papa Francisco

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