O Relatório sobre a Felicidade Mundial 2025 oferece uma visão alargada sobre o bem-estar global numa altura de profunda transformação social e política. As conclusões deste ano reforçam uma verdade fundamental: a felicidade está profundamente ligada às nossas conexões com os outros – seja através de refeições partilhadas, actos de benevolência ou confiança social. No entanto, as tendências de aumento da solidão, o declínio da confiança e o aumento da polarização política apresentam novos desafios ao bem-estar colectivo
POR HELENA OLIVEIRA

“A felicidade não tem apenas a ver com riqueza ou crescimento – tem a ver com confiança, ligação e saber que as pessoas nos apoiam. Se queremos comunidades e economias mais fortes, temos de investir no que realmente importa: uns nos outros”

Jon Clifton, Director Executivo da Gallup

Como habitualmente, a Gallup publicou o Relatório sobre a Felicidade Mundial 2025, com a edição deste ano a centrar-se no efeito que a solidariedade e a partilha têm na felicidade das pessoas. Paralelamente e, tal como acontece todos os anos, o estudo revela igualmente o ranking dos países mais felizes (e infelizes) do mundo. A Finlândia lidera o ranking mundial de felicidade pelo oitavo ano consecutivo, com os finlandeses a registarem uma pontuação média de 7,736 (em 10) quando lhes é pedido que avaliem as suas vidas, ao passo que o Afeganistão continua a posicionar-se como o país mais infeliz do mundo, em 147 analisados.

Portugal surge em 60º lugar, com uma pontuação de 6,013 e tendo descido cinco posições face ao relatório anterior.

Embora os países europeus dominem o top 20, há algumas excepções. Por exemplo, apesar da guerra com o Hamas, Israel aparece em 8º lugar, a Costa Rica (6º) e o México (10º) entram pela primeira vez no top 10, enquanto países como a Lituânia (16º), a Eslovénia (19º) e a Chéquia (20º) continuam a apresentar tendências ascendentes, o que, e como afirmam os autores do estudo, sublinha a convergência dos níveis de felicidade entre a Europa Oriental, Central e Ocidental.

Já os Estados Unidos (24º) caem para a sua posição mais baixa de sempre – em 2011 ocupavam o 11º lugar – e o Reino Unido (23º) regista a sua avaliação média de vida mais fraca desde o relatório de 2017.

As classificações dos países baseiam-se numa média de três anos da avaliação média da qualidade de vida de cada população. Peritos interdisciplinares das áreas da economia, psicologia, sociologia e outros procuram explicar as variações entre países e ao longo do tempo, utilizando factores como o PIB per capita, a esperança de vida saudável, ter alguém com quem contar, o sentimento de liberdade, a generosidade e as percepções de corrupção.

Estes factores ajudam a explicar as diferenças entre as nações, ao passo que as classificações propriamente ditas se baseiam apenas nas respostas dadas pelas pessoas quando lhes é pedido que classifiquem as suas próprias vidas.

O estudo foi realizado pela empresa de análise Gallup em parceria com o Oxford Wellbeing Research Centre e a Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas e publicado no Dia Internacional da Felicidade, que se celebra a 20 de Março.

Em termos gerais, o relatório revela que numa era de rápidos avanços tecnológicos e de mudanças nas normas sociais, a necessidade humana fundamental de “ligação” continua a ser mais crucial do que sempre. No entanto, em todo o mundo, as fontes tradicionais de apoio social estão a desaparecer. Nos Estados Unidos, há mais pessoas do que nunca a jantar sozinhas e, na Europa, há cada vez mais pessoas a viver sozinhas, ao mesmo tempo que está comprovado de que a vida em comunidade e as refeições partilhadas estão profundamente ligadas à felicidade. Entretanto, o número de jovens adultos que sentem que não têm ninguém em quem confiar aumentou 39% desde 2006, o que aponta para um alargamento preocupante do isolamento social.

Para Lara B. Aknin, professora de psicologia social na Universidade Simon Fraser e editora do Relatório sobre a Felicidade Mundial “a felicidade humana é impulsionada pelas nossas relações com os outros. O investimento em ligações sociais positivas e o envolvimento em acções benevolentes são ambos acompanhados por uma maior felicidade”.

Adicionalmente, a crescente desconexão social tem consequências que vão para além do bem-estar pessoal. Nas sociedades onde os actos de generosidade e a confiança social diminuem, a polarização política e o sentimento anti-establishment aumentam. Ao mesmo tempo, os estudos sugerem que a promoção da comunidade e da benevolência podem ser antídotos poderosos para este fenómeno: os países com taxas mais elevadas de bondade registam menos “mortes por desespero” e algumas organizações de caridade são dramaticamente mais eficazes na melhoria da felicidade por cada dólar gasto.

Segue-se uma análise mais detalhada destes dados.

O poder de cuidar e partilhar e o papel da benevolência

Num mundo que muitas vezes se sente dividido e inseguro, uma verdade permanece consistente: actos de bondade e experiências partilhadas trazem benefícios profundos tanto para quem dá como para quem recebe.

Como refere o relatório, tal como a misericórdia em “O Mercador de Veneza”, de Shakespeare[i], a solidariedade é “duplamente abençoada”, enriquecendo as vidas de quem oferece a generosidade e de quem a recebe. O relatório deste ano explora o impacto da solidariedade e da partilha na felicidade, revelando ideias fundamentais sobre a benevolência humana e o seu papel na formação de uma sociedade mais rica e preenchida.

Apesar das preocupações generalizadas sobre a crescente desconexão social, a investigação mostra que as pessoas subestimam constantemente a bondade dos outros. Num estudo global em que os investigadores deixaram cair carteiras na rua, foram devolvidas muito mais carteiras do que as pessoas previam, demonstrando um sentido de responsabilidade social mais forte do que o esperado. Os países nórdicos que constam no top 10 do ranking dos países mais felizes do mundo – como a Dinamarca, Islândia, Suécia e Noruega – encontram-se também entre os primeiros lugares no que diz respeito à devolução esperada e efectiva de carteiras perdidas.

Além disso, a perceção da benevolência dos outros influencia significativamente o bem-estar: quando os indivíduos acreditam que vivem numa sociedade mais compassiva, tendem a sentir-se mais felizes.

A benevolência não se limita aos actos individuais; desempenha um papel crucial na formação da felicidade social. Os países onde a bondade é mais comum registam um maior bem-estar entre os seus cidadãos menos felizes, o que conduz a uma distribuição mais equitativa da felicidade. É encorajador constatar que a “protuberância da benevolência” global que surgiu durante a pandemia da COVID-19 persistiu, com as doações para fins de caridade, o voluntariado e os actos de bondade a manterem-se cerca de 10% mais elevados do que os níveis anteriores ao surto pandémico.

É igualmente interessante notar que aqueles que se dedicam à solidariedade e à partilha beneficiam tanto como aqueles que ajudam – mas apenas quando a sua motivação é genuinamente altruísta. A dádiva é mais gratificante quando é voluntária, claramente benéfica para quem a recebe e quando não é motivada por interesses próprios.

O papel das refeições e da família no bem-estar

Uma das formas mais universais de nos relacionarmos com os outros é através das refeições partilhadas, que desempenham um papel surpreendentemente significativo na felicidade. As pessoas que jantam regularmente com outras pessoas apresentam níveis mais elevados de bem-estar e, em contrapartida, o aumento do número de pessoas que comem sozinhas – sobretudo nos Estados Unidos – tem contribuído para o declínio dos níveis de felicidade. Impressionante é o facto de o número de pessoas que jantam sozinhas nos Estados Unidos ter aumentado 53% nas últimas duas décadas.

Em todo o mundo, os hábitos de refeição variam drasticamente. Em alguns países, a partilha de refeições é a norma, sendo raro as pessoas jantarem sozinhas. Noutros, comer sozinho tornou-se cada vez mais comum, independentemente da idade, do rendimento e dos níveis de educação. Estas diferenças acentuadas põem em evidência um factor importante, mas muitas vezes ignorado, do bem-estar: a natureza social das refeições.

O relatório mostra que a partilha de refeições tem um efeito profundo no bem-estar subjectivo e que é comparável ao impacto do rendimento ou da situação profissional. Em todos os grupos demográficos, aqueles que comem mais frequentemente com outras pessoas relatam uma maior satisfação com a vida, mais emoções positivas e níveis mais baixos de stress e de emoções negativas.

Esta tendência verifica-se independentemente da idade, género, país ou cultura, reforçando a ideia de que as refeições são mais do que um simples alimento: são uma poderosa fonte de ligação humana.

Para além das refeições partilhadas, as estruturas familiares também proporcionam um apoio crucial ao bem-estar. Os casais que vivem com pelo menos um filho, ou os casais que vivem com vários filhos e membros da sua família alargada, têm uma média de satisfação com a vida especialmente elevada.

As sociedades latino-americanas, conhecidas por fortes laços familiares e agregados familiares mais numerosos, oferecem lições valiosas para promover a felicidade sustentável. A investigação mostra que a felicidade aumenta com a dimensão do agregado familiar até quatro pessoas, mas diminui para além desse limiar (em agregados com menores rendimentos), enquanto as pessoas que vivem sozinhas registam níveis de bem-estar significativamente mais baixos.

Numa altura em que a solidão e a polarização ameaçam a coesão social, estas descobertas realçam uma verdade simples mas poderosa: a bondade, a ligação e as experiências partilhadas são essenciais para a felicidade humana. Reconhecendo e alimentando a benevolência inata nas nossas comunidades, podemos criar um mundo onde as pessoas não só sobrevivem como prosperam verdadeiramente.

Da solidão à conexão e a preocupação com os jovens adultos

As ligações sociais desempenham um papel crucial no bem-estar, actuando como um amortecedor protector contra os efeitos nocivos do stress. Relações fortes proporcionam apoio emocional, reduzem a ansiedade e promovem a resiliência face aos desafios da vida. No entanto, apesar dos benefícios evidentes dos laços sociais, os jovens adultos estão a registar um aumento alarmante da desconexão social.

E, num mundo cada vez mais conectado, surge um paradoxo: os jovens estão a sentir-se mais solitários do que nunca. Em 2023, 19% dos jovens adultos em todo o mundo afirmaram não ter ninguém com quem contar para obter apoio social – um aumento alarmante de 39% desde 2006. No entanto, esta solidão é agravada por uma perceção errada generalizada: muitas pessoas subestimam a bondade dos outros. A investigação sugere que o simples facto de conhecer a benevolência que nos rodeia pode melhorar significativamente o bem-estar. Na Universidade de Stanford, por exemplo, os estudantes que foram expostos a provas da bondade dos seus pares registaram um aumento mensurável da felicidade.

Adicionalmente, esta mesma perceção errada cria um ciclo de evitamento social, em que os indivíduos perdem oportunidades valiosas de estabelecer relações significativas. Se os mais jovens reconhecessem a bondade e a compreensão das pessoas que os rodeiam, talvez estivessem mais dispostos a estabelecer contactos, o que acabaria por melhorar o seu próprio bem-estar.

O relatório sublinha também que as relações que se estabelecem na idade adulta jovem, nomeadamente durante os anos de universidade, têm efeitos a longo prazo no bem-estar. A investigação mostra que as amizades feitas nas primeiras semanas de faculdade aumentam significativamente a probabilidade de se prosperar nos anos seguintes, reduzindo o risco de desenvolvimento de sintomas depressivos. Estas ligações iniciais ajudam a moldar a resiliência emocional, proporcionando um sentimento de pertença que se prolonga até à idade adulta.

Esta descoberta aponta para uma verdade importante: embora a solidão possa estar a aumentar, a esperança não está perdida. A forma como percepcionamos e cultivamos a ligação social pode fazer uma diferença profunda.

A ligação entre benevolência e desespero

A solidão não afecta apenas o bem-estar emocional – pode ter consequências de vida ou de morte. No seu extremo, a ausência de ligação contribui para o que os investigadores chamam de “mortes por desespero” – mortes causadas por suicídio ou abuso de substâncias. Felizmente, na maioria dos países, estas mortes estão a diminuir. No entanto, os Estados Unidos e a Coreia do Sul continuam a ser excepções preocupantes e, em 2019, a Eslovénia tinha o nível mais alto, com mais de 50 mortes por 100.000 habitantes.

Os dados revelam uma correlação impressionante: os países com níveis mais elevados de benevolência – onde mais pessoas declaram fazer donativos para caridade, voluntariado ou ajudar estranhos – têm taxas significativamente mais baixas de mortes por desespero. Este facto sugere que a promoção de uma cultura de bondade e generosidade não é apenas um imperativo moral, mas uma necessidade de saúde pública. Quando as pessoas se sentem apoiadas pelas suas comunidades, têm menos probabilidades de cair no desespero.

Felicidade, confiança e o aumento da polarização política

A análise política tradicional centra-se frequentemente na ideologia, na luta de classes e nas condições económicas como factores determinantes do comportamento eleitoral. No entanto, descobertas recentes sugerem que as experiências subjectivas – como a satisfação com a vida e a confiança – desempenham um papel muito mais importante na formação dos valores e decisões políticas do que se pensava anteriormente. Tanto na Europa como nos Estados Unidos, o declínio da felicidade e a erosão da confiança social estão a alimentar a polarização política e a aumentar o apoio a movimentos anti-sistema.

Os estudos sugerem que os movimentos populistas ganham frequentemente ímpeto em sociedades que vivem uma infelicidade generalizada. Mas a direccção do populismo – seja ele de esquerda ou de direita – depende em grande medida da confiança.

Nas sociedades em que as pessoas confiam umas nas outras, a insatisfação tende a alimentar os movimentos populistas de esquerda. Nas sociedades em que a confiança é baixa, a infelicidade empurra as pessoas para os movimentos populistas de direita.

Esta dinâmica realça a importância de se fomentar a confiança e a coesão social. Uma sociedade que cultiva a benevolência não só promove a felicidade como também reduz a polarização e a instabilidade que frequentemente acompanham o descontentamento generalizado.

Um apelo à acção: construir uma cultura de ligação

Os dados contidos na 13ª edição do Relatório sobre a Felicidade Mundial contam uma história clara: a conexão é crucial. A solidão e o desespero não são tendências inevitáveis; são desafios que podem ser enfrentados através dos laços existentes na comunidade, bem como da confiança e de actos de bondade. Para contrariar o aumento da solidão e as suas consequências, há que cultivar activamente uma cultura de benevolência – uma cultura que encoraje as pessoas a apoiarem-se umas às outras, a desafiarem as percepções erradas da bondade e a reforçarem os laços sociais.

Num mundo onde a solidão está a aumentar, a benevolência oferece um poderoso antídoto. Reconhecendo a bondade que já existe e trabalhando para a expandir, podemos criar sociedades onde as pessoas se sintam apoiadas, valorizadas e – acima de tudo – menos sozinhas.

Imagem: © Pixabay

[i] “A qualidade da misericórdia é que não se impõe,
Caindo como a doce chuva do céu
Sobre a terra em baixo dela. É duplamente abençoada:
Abençoa quem a concede e quem a recebe”

Excerto de O Mercador de Veneza, de William Shakespeare

Editora Executiva

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