Os grandes desafios demográficos da actualidade estiveram em análise numa conferência realizada a 6 de Abril na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa. Perante a constatação de que Portugal não renova as suas gerações há 28 anos, vários especialistas nas áreas económica e demográfica defenderam a adopção urgente de medidas capazes de contrariar o impacto negativo do envelhecimento na economia nacional. Portugal apresenta actualmente um défice de 1,2 milhões de crianças e jovens e, em crise, a quebra da natalidade só pode agravar-se
POR GABRIELA COSTA

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© Victor Machado/OJE
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A Saúde, a Segurança Social e o mercado de trabalho, concretamente ao nível da empregabilidade, são as três áreas mais afectadas pela evolução demográfica em Portugal nas últimas décadas, concluíram os especialistas, perante as dezenas de participantes na conferência “Economia, Demografia e Sustentabilidade”, organizada pela Associação Portuguesa de Famílias Numerosas, em colaboração com o OJE. O economista Fernando Ribeiro Mendes, o ex-ministro das Finanças, Luís Campos e Cunha e o presidente do ISEG, João Duque, foram alguns dos convidados a debaterem os efeitos do (des)incentivo à natalidade em Portugal, analisando as actuais políticas locais e nacionais, face ao progressivo envelhecimento da população. Um número redondo reforçou a importância desta reflexão, muitas vezes desvalorizada por não parecer visível no curto prazo: Portugal não pratica a renovação das suas gerações há 28 anos.

Primeiro filho cada vez mais adiado
As alterações na estrutura demográfica são hoje uma questão complexa que depende de várias dinâmicas, e não apenas das três variáveis básicas: fecundidade/natalidade; mortalidade e migrações. Para Cristina Sousa Gomes e Maria Luís Rocha Pinto, docentes na área de Ciências Sociais, Jurídicas e Políticas da Universidade de Aveiro, apesar de se perspectivar um crescimento populacional nos países menos desenvolvidos, “o século XXI será de envelhecimento”. Para as duas especialistas em Demografia, “procurar evitar o declínio da população é uma questão eminentemente política”.

O maior impacto demográfico incide no género feminino, dizem, e Portugal não é excepção: as mulheres portuguesas têm vindo, progressivamente, a adiar o nascimento do primeiro filho e, de acordo com dados de 2011 do INE, a descendência média diminuiu no país de 2.99, em 1971, para 1.32 filhos por mulher, em 2009.

A partir de vários dados compilados pelo Eurostat (relativos aos 27 de UE), pelo Eurobarómetro e pelo INE, as demógrafas concluem que o emprego feminino em Portugal (20-64 anos) era superior (66.1%) ao da EU (62.5%); e que o emprego de mulheres (25-54 anos) com pelo menos um filho, no nosso país, (75.2%) ultrapassava também a média europeia (68.2%). Já o emprego feminino em part-time era inferior em Portugal (15.2%), face à UE (31.4%).

Numa análise por escalões etários, verifica-se que o emprego feminino aos 65-69 anos era, em 2009, mais elevado em Portugal (21.8% ) que na UE (7.4%); tal como aos 60-64 anos (33.8%, contra os 22.8% da UE); e aos 55-64 anos, escalão em que atingia, no nosso país, os 42.7.8%, enquanto a média europeia se situava nos 37.8%.

Note-se que o número médio de horas de trabalho semanal era também superior em Portugal (36 horas), relativamente à UE (33 horas). E que as mulheres portuguesas abandonam o mercado de trabalho, em média, mais tarde (62.3 anos) que as da UE (60.8 anos), tendo por base os dados de 2009.

Por outro lado, o apoio social a crianças até aos dois anos de idade era superior em Portugal (33%) em relação ao da EU (28%), mas esse mesmo apoio, quando atribuído a crianças desde os três anos até ao final da escolaridade obrigatória, era inferior em Portugal (78%) face à EU (83%).

Quanto a formação, o abandono feminino precoce do ensino (18-24 anos) era mais intenso em Portugal (26.1%) que na UE (12.5%); e a percentagem de mulheres, entre os trinta e os 34 anos, com nível de formação superior era significativamente menor em Portugal (24.8%) que na UE (35.7%).

Conciliar família e trabalho é essencial
Perante esta conjuntura pouco favorável, os principais motivos para os casais não desejarem ter mais filhos prendem-se com os entraves que as mulheres sentem em conseguir integrar o mercado de trabalho; com as dificuldades na conciliação família-trabalho; com os custos associados ao crescimento das crianças; e com as dificuldades relacionadas com a sua educação. Problemas de saúde, na gravidez, parto e cuidados infantis são outros factores mencionados.

É fácil perceber que à medida que a esperança de vida continua a aumentar, o envelhecimento tenderá a acentuar-se. Apesar de 2009 ter trazido “um ligeiro crescimento da fecundidade no contexto europeu, continua, globalmente longe de assegurar a substituição de gerações”, alertam as docentes da Universidade de Aveiro.

No nosso país, “as mudanças na sociedade foram rápidas e abruptas” e, em 2009, continuou a verificar-se o declínio da fecundidade, “com uma expressão diferenciada no território”.
Segundo Maria Rocha Pinto e Maria Cristina Gomes, “têm havido tentativas europeias no sentido harmonizar e incentivar as actuações dos Estados, junto da população”, mas a diversidade de realidades é acentuada, em função das políticas sociais de cada país.

Num contexto de crise que “pode criar alguma retracção” na evolução positiva da estrutura demográfica nacional, importa questionar até que ponto as medidas tomadas não são avulso e integram uma política de fundo e em que medida existe uma continuidade e articulação dessas políticas no campo social.

Considerando que a substituição de gerações está comprometida, as políticas locais a favor da natalidade são cada vez mais importantes. Mas “ainda não há noção do seu verdadeiro impacto porque tal não está estudado cientificamente”, acusam as demógrafas: “seria extremamente caro, mas era muito importante que Portugal tivesse um estudo científico sobre fecundidade, percebendo, por exemplo, o impacto das políticas já implementadas pelas autarquias, ao nível local. Mas até agora não foi possível perceber com clareza o impacto dessas medidas”, avançou Maria Rocha Pinto.

Em Portugal, e face à tendência que dita que as mulheres têm menos filhos do que os que desejariam – particularmente aquelas que não têm qualquer criança ou apenas uma -, “importa concretamente pensar na resposta aos anseios de fecundidade”. Importa ainda “compreender os padrões e tendências da fecundidade, de forma a adequar as políticas garantindo os seus efeitos, sobretudo “quando se atende às dificuldades e aos contrastes sociais que nos distanciam da média europeia”.

© Victor Machado/OJE

Portugal precisa de empreendedores
Defendendo políticas urgentes de incentivo à natalidade, o presidente do ISEG, considera que uma população envelhecida tem um perfil “menos empreendedor e menor propensão para o risco e para a inovação”. Embora contrária às necessidades do País, esta realidade requer que a sociedade se adapte, alterando as suas ofertas de consumo, por exemplo, no sector do turismo, sugere João Duque.
Por outro lado, a população mais idosa enfrenta maiores exigências ao nível da adaptação à tecnologia e “para os mais jovens haverá mais competitividade”, conclui o economista.

“Hoje estamos mais velhos e, sobretudo, mais sozinhos”, acrescenta Ribeiro Mendes, recordando os elevados índices de doença crónica e dependência que se registam no País.

Portugal construiu “direitos para o futuro que não podem ser garantidos” e tem hoje um modelo de segurança social “baseado na dívida”, que “não é sustentável: os direitos futuros dos pensionistas vão vencer algum dia e não haverá dinheiro para todos”, critica.

Sumarizando as diferentes funções que a segurança social conjuga – é “um mealheiro para poupança, é um seguro para eventualidades futuras e é um mecanismo de correcção de desigualdades”, o economista considerou que a correcção de desigualdades sociais, levada a cabo por “uma obsessão pela convergência com o salário mínimo” antes de ter sido criado o Indexante de Apoios Sociais, foi exagerada. Ribeiro Mendes defendeu mesmo que a idade mínima para a reforma poderia ser aumentada. Esta alteração, provavelmente dos actuais 65 anos para os 67 anos, deverá constituir uma das soluções para garantir a sustentabilidade do nosso sistema de segurança social, sustentou.

Sem uma “almofada colectiva para segurar o sistema de pensões”, as empresas devem reforçar o seu compromisso com a RS, dando mais benefícios sociais, disse ainda o professor universitário especialista em responsabilidade social das organizações: “temos de pedir mais compromissos às empresas em matéria de responsabilidade social”, paralelamente à participação pública, que deve ser mantida, e á responsabilidade individual, que tem de ser reforçada, defende Ribeiro Mendes.

Mas, num país que não renova as suas gerações há quase três décadas onde a população activa está necessária e progressivamente mais envelhecida, as empresas enfrentam dificuldades acrescidas “na aquisição de novos conhecimentos”, afirma, por sua vez, Luís Campos e Cunha. Para o ex-ministro das finanças, parte do défice público “está relacionado com o envelhecimento” e os reformados podiam ter um papel mais activo nas empresas. “O aumento da despesa pública na Saúde e na Segurança Social têm forte impacto nas Finanças Públicas”, recorda.

Sublinhando que os desafios da demografia se colocam a longo prazo, Campos e Cunha acredita que “a democracia está pouco preparada para lidar” com esta situação, já que “os Governos duram quatro anos, e as alterações demográficas podem demorar quarenta.” Ao contrário de antigamente, em que ao número de filhos correspondia força de trabalho na família, “hoje quer-se dar uma boa educação aos filhos e uma boa preparação para a vida”. Consequentemente, “as famílias com mais filhos são mais pobres, porque investem na educação dos filhos e estes são um encargo até aos vinte ou trinta anos”.

Jovens e idosos devem trabalhar juntos
Já para Pedro Pita Barros, professor de Economia e especialista em Economia da Saúde, “o envelhecimento não é o principal causador do aumento da despesa na Saúde”.

Na sua opinião, o principal desafio nesta área reside em encontrar respostas para as diferentes necessidades, que melhorem a utilização dos mecanismos actualmente existentes. Segundo Pita Barros, o envelhecimento explica apenas treze a quinze por cento do aumento da despesa pública com a saúde. O crescimento do rendimento médio dos portugueses nas últimas décadas e a imparável inovação tecnológica aplicada à área da medicina são os grandes drivers desse aumento da despesa. Esta teoria de Pita Barros assenta numa leitura correcta das estatísticas, que “têm servido para demonstrar que a despesa com saúde cresce a partir dos 65 anos, mas isso só acontece porque antes a esperança de vida terminava aos 65 anos e as despesas eram feitas antes dessa idade”, explica. Com o aumento da esperança de vida, “as despesas tendem a avolumar-se após essa idade, já que tradicionalmente se gasta mais nos últimos dois anos de vida”, o que significa que “apenas foram transferidas para mais tarde”.

Em todos os casos, “faltam ainda muitas respostas para um envelhecimento saudável, em que os cuidados sejam menos prestados pelos hospitais e mais pela sociedade”, adverte.
Mas não é só na saúde que é necessário reequacionar políticas. Em matéria de recursos humanos, e como sugere Rita Campos e Cunha, as empresas “têm de apostar em políticas que passam pela compatibilização entre trabalho e família, pela melhor integração entre colaboradores jovens e velhos, para transmissão de conhecimentos, e pela motivação dos mais novos, que vêem as suas expectativas de carreira afectadas pela presença dos colaboradores mais velhos até mais tarde”. Para a professora de Gestão de Recursos Humanos, é também necessário “reformular as políticas de Reforma, evitando a estagnação dos mais velhos”.

Concretamente para esta faixa etária, Rita Campos e Cunha sustenta a introdução de novos métodos de formação, de competências e de mecanismos de avaliação do desempenho nas empresas e propõe a criação de pacotes de benefícios sociais para os colaboradores mais velhos, a par da atribuição de funções menos stressantes, da flexibilização do horário de trabalho e da contratação de reformados. Para os colaboradores jovens, a especialista defende que parte do seu trabalho pode ser realizado em regime de teletrabalho ou em part-time, com horários flexíveis. Os jovens devem ter a possibilidade de coordenar as suas tarefas com as férias escolares e têm direito a baixas de parto mais flexíveis, defende ainda.

Os imigrantes são outro grupo para o qual devem ser melhoradas as políticas de apoio ao emprego, já que representam um segmento “que continuará a compensar o decréscimo natural de portugueses”, acredita Rita Campos e Cunha: a esse nível, “serão necessárias políticas de gestão da diversidade, que passam pela não discriminação salarial, pelo acesso a um emprego ajustado às competências do colaborador, por uma cultura de aceitação das diferenças e pelo apoio à integração cultural e educacional dos filhos dos colaboradores”, conclui.

A curto prazo, as empresas terão trabalhadores mais velhos e um segmento
menor de jovens adultos, enquanto a médio prazo, sofrerão mesmo “com a perda de
competências críticas e com a escassez de talento”, defende a também psicóloga. Neste contexto, a “escassez do talento mais jovem irá sentir-se” no mercado empresarial, conclui Rita Campos e Cunha.

Uma tendência que só pode ser invertida aumentando a descendência média em Portugal que, como foi referido, se cifra em apenas 1,32 filhos por mulher, em 2009. Mas desenvolver políticas de natalidade requer uma melhor conciliação entre emprego e família e a criação de incentivos para as famílias, muito concretamente na área da educação. Ou seja, implica percorrer um caminho que Portugal precisa de atravessar urgentemente mas que, em conjuntura de crise económica e social aguda, não deverá iniciar tão cedo. Comprometendo ainda mais a substituição das gerações no País.

Portugueses trabalham mais horas, principalmente as mulheres
Portugal é o país europeu da OCDE onde se trabalha mais horas por dia, com e sem vencimento. Em média, os portugueses trabalham cerca de 8 horas e 79 minutos diariamente, revela um estudo da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico divulgado esta Segunda-feira, que envolve 26 países dos seus 34 membros. Apenas os mexicanos (9,9 horas por dia) e os japoneses (9 horas por dia) trabalham mais do que os colaboradores em Portugal. A média total da OCDE situa-se nas oito horas diárias.Ainda a nível europeu, note-se que os portugueses são também os que mais horas diárias trabalham sem vencimento (sendo que o trabalho não remunerado inclui tarefas domésticas como cozinhar, fazer limpezas ou ir às compras): cerca de três horas e 53 minutos, um volume de trabalho que representa 53% do PIB nacional e que nos coloca em quarto lugar na tabela da OCDE (depois do México, com 4,2 horas/dia; a Turquia, com 4,1 horas/dia e a Austrália, com 4,05 horas/dia).Das conclusões do relatório ‘Society at a Glance 2011′, destaque ainda para o facto de Portugal ser um dos países onde há mais diferenças de género no que concerne a divisão das tarefas domésticas. Em 29 países analisados (26 da OCDE, China, Índia e África do Sul), Portugal é o quarto onde a diferença entre mulheres e homens é mais gritante, quando se analisa trabalho não pago. Só na Índia, no México e na Turquia é que esta diferença é maior, conclui o estudo da OCDE. Quando a análise reúne trabalho pago e não pago, Portugal passa a ser o segundo país, a seguir à Índia, onde a disparidade é maior entre homens e mulheres. Em ambos os casos, são sempre as mulheres quem mais trabalha: regista-se no nosso país uma diferença de 232 minutos por dia, o que significa que as mulheres passam quase quatro horas a mais do que os homens em trabalho não pago. Já estes não gastam mais do que uma hora e meia por dia nesse tipo de tarefas.

Jornalista