Cansado de ouvir os arautos da desgraça a anunciarem o colapso da Europa, o fundador e presidente do Fórum Económico Mundial, Klaus Schwab, lançou, em Dezembro último, o livro The Re-emergence of Europe. Partindo de uma análise multidisciplinar, o economista alemão defende que é necessário adicionar à união monetária outras uniões – fiscal, bancária e política – e extirpar o maior cancro que existe no coração da sua economia: o desemprego jovem
POR HELENA OLIVEIRA

Lançado em Dezembro último, o e-book The Re-emergence of Europe, analisa as principais temáticas que contribuíram para a actual crise de liderança que se vive na Europa. A novidade é que foi escrito pelo presidente do Fórum Económico Mundial (FEM), Klaus Schwab que, em 97 páginas, explora as opções e recomendações políticas vindas da União Europeia, através de “lentes” sociais, políticas e económicas, analisa as perspectivas possíveis para que esta consiga ultrapassar os seus desafios mais prementes e aborda uma estratégia futura para que o Velho Continente se liberte de tão apertadas amarras. E se é daqueles leitores que procura o final do livro antes de o começar a ler, é possível adiantar que a Europa sobreviverá. Pelo menos na visão optimista do fundador do FEM.

Renascimento europeu dentro de uma década?
A Europa atingiu um ponto de viragem irreversível que a obriga a enfrentar uma de duas situações: ou a desintegração em conjunto com o colapso ou uma maior integração que a fará emergir das cinzas, tal Fénix renascida, de uma forma muito mais forte. Para Schwab e no actual momento, o projecto de integração europeu encontra-se no meio de uma encruzilhada: entre a velha colecção de estados-nação e uma união política europeia total. E, nos anos vindouros, espera-se uma multitude de cenários e variações, sendo que são muitos os arautos da desgraça que profetizam já o seu fim. Todavia, e como escreve na introdução do seu livro, mesmo no mais negro dos cenários, a “Europa” e as instituições que a ela dizem respeito, a “União Europeia”, permanecerão. A previsão “previdente”, como o próprio Schwab a denomina, é a de que a Europa irá conseguir ultrapassar a tempestade, com o euro intacto, mesmo que um ou dois países abandonem a zona euro. Mas e de qualquer das formas, Klaus Schwab acredita veementemente que a zona euro não sofrerá nenhuma “fuga”, pois o preço da partida, seja para que país for, é demasiado elevado.

O também economista recorda o dia 6 de Setembro último – no qual Mario Draghi anunciou que Banco Central Europeu iria comprar, de forma ilimitada, títulos de dívida pública – como aquele em que o continente atravessou a ponte para o seu futuro, mas deixa um recado para os líderes, recordando-lhes que é sua missão não se esquecerem de que uma ponte levadiça foi erguida para eles a ultrapassarem e que não devem despir as armaduras se pretendem ganhar a batalha. Com base na análise que apresenta no seu livro, o professor diz acreditar, de forma optimista, que assim que a crise amenizar, o que pode levar uma década, a Europa irá reganhar o seu momentum, estimulado por um sentimento renovado de missão entre os políticos e os decisores no sentido de reafirmarem este projecto, já com várias décadas de vida, conduzindo-o para um futuro mais próspero.

Apesar da incerteza actual, existem dois aspectos que, para Schwab, permanecem para além de qualquer tipo de dúvida: o primeiro reza que o problema não tem um conserto rápido nem uma solução fácil, sendo que o segundo está relacionado com o facto de, enquanto maior economia mundial em termos de PIB, o que quer que aconteça na zona euro interessa, de forma significativa, ao resto do mundo. Ou, por outras palavras, que a crise europeia irá, em maior ou menos escala, dominar a agenda global nos anos que se seguem.

No interior da Europa, clama o presidente do FEM, os decisores políticos e os opinion-makers encontram-se profundamente divididos no que respeita ao futuro do continente e, fora da Europa – em particular nos Estados Unidos e na Ásia -, o consenso generalizado é o de que o euro irá colapsar e que a Europa se irá “desintegrar”, apesar do significado deste termo permanecer vago. Para Schwab, aqueles que professam estas previsões não percebem os motivos que levaram à criação do euro nem as razões devido às quais a moeda foi idealizada. E, acusando os media em particular, afirma que o pessimismo que existe é baseado em falta de informação e ausência de uma apreciação correcta da História (à qual dedica um capítulo no livro), bem como numa fixação inquietante com o sensacionalismo das más notícias que esta infeliz situação sugere.

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E este foi um dos motivos que o levou a escrever este livro: fornecer o contexto necessário para remediar esta ausência de compreensão. The Re-emergence of Europe tem, assim, dois objectivos por excelência: explicar, de forma simples, o que se está a passar na Europa, em conjunto com tudo o que está em causa e revisitar e abordar algumas opções políticas para solucionar a crise. Schwab recorda ainda que muitas das opções políticas em causa têm como base projectos e iniciativas decorrentes do próprio Fórum Económico Mundial e que serão questões que continuarão a ser debatidas em Davos, a estância nos Alpes suíços que acolhe, todos os anos, a reunião de líderes mundiais. Mais ainda, Schwab afirma que o livro também tomou forma a partir das conversas públicas e privadas que, ao longo dos anos, tem mantido com os mais diferentes líderes e decisores mundiais, não só políticos mas também da sociedade civil e cujas visões contribuíram para moldar a Europa de hoje e continuarão a contribuir para a reconstrução da Europa do amanhã. Com uma abordagem multifacetada e multidimensional, o presidente do FEM afirma ter adoptado uma visão holística para a escrita deste livro, combinando a economia, a sociologia, os negócios estrangeiros, a história e até a ética, devido a dois conjuntos de razões:

  • Desde o seu início, em 2009, que a crise da zona euro tem passado por diferentes mutações. Aquilo que começou como uma crise financeira causada pelo endividamento da Grécia, cedo se alastrou a outros países, o que contribuiu para a acumulação de diversas “camadas” de problemas adicionais. Agora, todo o continente europeu enfrenta uma crise financeira, económica, bancária, política, institucional, social e moral. E devido ao facto de todas elas estarem intrincadamente ligadas, estes problemas adicionais colocam desafios extremamente complexos que exigem, em simultâneo, uma liderança política forte, propostas e soluções políticas originais e um conjunto de alterações institucionais. À luz de tudo isto, torna-se difícil discordar com a noção de que a zona euro é singular na história recente, tanto no que respeita à sua profundidade como complexidade. É igualmente única em termos da sua dimensão, enquanto união monetária, na medida em que exige uma coordenação constante por parte de 17 países, todos diferentes entre si, que compõem a zona euro. E mais frequentemente do que seria desejável, as negociações têm também de envolver os 27 estados-membros, o que, como é sabido, complica ainda mais o processo, pois quanto mais partes negociantes existem, maior a complexidade.
  • Nenhuma da panóplia de ideias que estão actualmente em discussão, para resolver o problema da Europa pode, na opinião de Schwab, ser considerada isoladamente, sem se ter em conta uma perspectiva mais alargada que dite o que é fazível ou não. E, para ilustrar este ponto em particular, o autor recorre a alguns exemplos:  inúmeras colunas de opinião que têm aparecido nos media internacionais sugeriram que a Grécia deveria vender algumas das suas ilhas a certos compradores estrangeiros como forma de reduzir a sua dívida soberana. Esta proposta, diz, poderia fazer sentido economicamente, mas não em termos políticos ou sociais, pois tal seria uma violação da própria soberania grega; outros propuseram que a UE deveria implementar, o mais rapidamente possível, uma constituição similar à dos Estados Unidos, com a existência de uma entidade “supranacional” responsável pela colecta fiscal dos países que a integram. Mais uma vez, a proposta faria sentido em termos económicos, mas não institucional ou politicamente. De forma inversa, existem também propostas que são politicamente apelativas, mas economicamente irrealistas. Serem os credores privados, e não os contribuintes que vivem nos países endividados, a suportar sozinhos o risco de default, é uma dessas propostas.

União monetária deverá ser acompanhada por mais “uniões”
Mas e então, que soluções oferece Klaus Schwab para o reerguer europeu?
Mais importante que tudo, diz, é o facto de os líderes europeus terem de reconhecer que, para o projecto europeu ser bem-sucedido, a união monetária deverá ser acompanhada de quatro outras uniões: uma união bancária, uma união fiscal, uma união de “competitividade” ou convergência e, por último, mas não menos importante, uma união política. Adicionalmente, para ser sustentável a longo prazo, a política económica do continente tem de ser capaz de reintegrar os seus jovens e de apresentar um ideal pelo qual valha a pena lutar.

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Para Klaus Schwab, esta poderá ser considerada uma longa lista de ambições mas, argumenta, quanto mais profundamente se pensa sobre a situação europeia, mais inevitáveis estas conclusões se tornam. E o autor afirma ainda que não é possível imaginar a história da Europa sem o desenvolvimento de instituições concebidas para unir os países europeus sob um conjunto de valores partilhados e de ideais comuns.

No que respeita ao próprio euro, Schwab recorda as suas principais recompensas: a eliminação dos riscos do câmbio, a diminuição da inflação, o aumento das trocas comerciais no interior da zona euro e a integração, de forma mais rigorosa, dos mercados financeiros europeus. Mais ainda, a moeda única contribuiu para uma cultura de estabilidade e previsibilidade monetária na zona euro, um ponto crítico que, de acordo com o presidente do FEM, é hoje muitas vezes esquecido.

Mas e de regresso às diferentes “uniões” defendidas pelo fundador do FEM, este afirma também que a crise fez vir ao de cima falhas críticas na estrutura da zona euro: a inexistência de uma política fiscal comum; a divergência em termos de competitividade entre as economias do norte e do sul que criou um risco de default não previsto nem reconhecido; e, por último, a ausência de uma união bancária que foi responsável pela criação de riscos sistémicos intoleráveis. Para lançar mais achas para a fogueira, escreve Schwab, a complexidade das instituições políticas europeias e o aumento do défice de democracia tal como é encarado pela opinião pública, deram origem ao que o economista alemão denomina como “défice executivo” ou, por outras palavras, uma incapacidade para se tomar decisões reais.

O que é claro, defende Schwab, é o facto de que o euro tem de sobreviver de uma forma mais ou menos similar à da actualidade, sendo que as deficiências nas instituições que o rodeiam têm, obrigatoriamente, que ser abordadas. A primeira diz respeito à união bancária, o que representa um pré-requisito absoluto para que a união monetária seja bem-sucedida. Uma união bancária robusta tem de ter uma supervisão bancária partilhada, um mecanismo de recapitalização bancário e garantias de depósitos bancários também partilhados. A boa notícia é que a 12 de Setembro último foi dado o primeiro passo para um mecanismo de supervisão único sob a alçada do BCE. E, como Schwab acredita, os outros seguir-se-ão, sem esquecer que, na Europa, as negociações são sempre complexas e podem levar anos a ser resolvidas.

O prolongamento das conversas sobre a união bancária conduzirá, inevitavelmente, à discussão de uma união fiscal, na medida em que ambas estão interligadas e se complementam entre si, pois a ideia de uma união bancária sem medidas fiscais faz muito pouco sentido.

Por outro lado, a reforma da governança financeira europeia é uma condição necessária mas não suficiente para o sucesso, pois não disfarça nem resolve a questão central da crise: o fosso de competitividade existente entre o norte e o sul da Europa. Consertar o sistema bancário da UE e recuperar a sua estabilidade macroeconómica ajudará significativamente os países do sul a aumentarem a sua produtividade mas, mais importante que isso, estes países precisarão de se envolver num projecto de longo prazo para aumentar a flexibilidade do seu mercado de trabalho, ampliar a competição e a competitividade e levar a cabo mais e melhores investimentos em áreas como a educação, a tecnologia e a inovação.

E, uma consequência crucial de todas estas reformas terá de ser a injecção de energia empreendedora na “geração perdida” do continente. O desemprego jovem é um cancro no coração da economia europeia, roubando o seu futuro e minando o seu potencial de crescimento nas décadas vindouras.

Para o presidente do FEM, todavia, a boa notícia é que as reformas estão a caminho. Apesar da sua lenta implementação, a estratégia “Europa 2020” está concebida para dar o pontapé de saída para a competitividade na região. E Schwab acredita que o optimismo no continente fortalecer-se-á a partir do momento em que os líderes reconhecerem que ou a Europa se mantém unida ou perecerá. Não existe nenhum país no continente que esteja imune às dores da crise. E o que é crucial é que a política do continente seja capaz de visionar os ganhos que emergirão da dor e que os consiga articular de uma forma que abra caminho para um futuro mais próspero e de partilha.

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