Tudo o que vemos é luz. Mas hoje a sua existência, imprescindível à própria vida, traz ao complexo mundo globalizado uma nova claridade sobre os grandes desafios globais: o potencial das aplicações das tecnologias baseadas em luz traduz-se em verdadeiros fios condutores para a sustentabilidade das gerações futuras. Se as aplicações forem bem aplicadas. O IYL 2015 quer iluminar consciências
POR GABRIELA COSTA

“Todos sabemos que a luz viaja mais velozmente que o som. É por isso que algumas pessoas parecem ser inteligentes, até as ouvirmos falar” – Albert Einstein

A escuridão é a ausência de luz. Mas a presença de luz em quase tudo o que fazemos é tão constante e automática, que o papel essencial que ela desempenha nas nossas vidas se torna facilmente invisível, no olhar desatento do quotidiano.

Cem anos depois da publicação da teoria da Relatividade Geral, que apresenta a “luz no espaço e no tempo”, e cinquenta passados sobre a descoberta da radiação cósmica de fundo, “a luz mais antiga do Universo”, emitida no Big Bang há 13,7 mil milhões de anos, o potencial revolucionário das tecnologias da luz é tido como uma das mais promissoras soluções para os desafios mundiais do desenvolvimento sustentável.

O efeito da luz sobre a humanidade é claro em infinitas dimensões. O seu estudo liga-se a todas as áreas do conhecimento. Com a ciência, as aplicações da luz criaram tecnologias revolucionárias que melhoraram radicalmente a qualidade de vida a nível mundial. Num passo de gigante, a tecnologia baseada em luz torna-se no maior motor económico da actualidade.

Tal como a electrónica dominou no século passado, hoje as aplicações desta tecnologia na economia, na agricultura, na saúde, na educação, nas infra-estruturas básicas e comunicações, na energia, no ambiente, em toda a sociedade, são não só imprescindíveis no mundo moderno e globalizado, como possíveis fios condutores para a sustentabilidade das gerações que se seguem. Se as aplicações forem bem aplicadas.

Porque, como também disse Einstein, “só duas coisas são infinitas, o universo e a estupidez humana, e sobre o universo ainda não tenho a certeza”.

© Offenburg University / IYL 2015
© Offenburg University / IYL 2015

Tecnologia da luz é a luz ao fundo do túnel

O sol é origem e símbolo universal da vida. No logótipo do Ano Internacional da Luz e das Tecnologias baseadas em Luz (IYL 2015), representa a sustentabilidade do planeta e das pessoas, e a sua educação e cultura. As bandeiras, nascidas dos raios do deus imortal, na Antiguidade, ou “imagem do Bem”, segundo Platão, remetem para a inclusão e internacionalidade da iniciativa. Já as cores que as preenchem significam o espectro da luz, nas suas múltiplas aplicações à ciência e às artes e cultura.

De acordo com o presidente da comissão organizadora do Ano Internacional da Luz, John Dudley, este Ano representa “uma oportunidade extraordinária para garantir que os decisores políticos tomam consciência do potencial que a tecnologia da luz tem para resolver os problemas”.

[pull_quote_left]A tecnologia baseada na luz é o maior motor económico da actualidade[/pull_quote_left]

Proclamado a 25 de Novembro de 2013, na 68ª sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, o IYL 2015 é uma iniciativa global da UNESCO que envolve mais de cem parceiros de 85 países. O projecto, educativo e de divulgação científica multidisciplinar, tem como grande objectivo consciencializar os cidadãos “para a importância da luz e das tecnologias ópticas nas suas vidas, no seu futuro e no desenvolvimento da sociedade”. Trata-se “de uma oportunidade única para inspirar, educar, e conectar à escala global”, divulga a Comissão organizadora deste Ano.

Através de inúmeras actividades de carácter educativo e lúdico que irão ter lugar um pouco por todo o mundo, a nível local, regional e internacional, envolvendo instituições científicas, entidades educativas, organizações sem fins lucrativos e empresas privadas, o IYL 2015 vai divulgar conhecimento sobre “o potencial revolucionário” que as tecnologias baseadas em luz oferecem, ao nível de soluções para o desenvolvimento sustentável.

O tema permite trabalhar um Programa Nacional de Actividades, “baseado em tópicos claros, actividades transversais e comunicação com o público” e, em Portugal, através da Ciência Viva, da Sociedade Portuguesa de Física e da Comissão Nacional da UNESCO, este Programa Nacional pretende explorar quatro dimensões da Luz: Ciência, Tecnologia, Natureza e Cultura.

Integrando o programa mundial do Ano Internacional da Luz, o projecto tem como principais objectivos promover as tecnologias da luz como factor de melhoria de qualidade de vida no mundo; reduzir a poluição luminosa e o desperdício de energia; promover o envolvimento dos jovens na ciência; promover a educação entre os jovens; e promover o desenvolvimento sustentável.

© Offenburg University / IYL 2015 (Oliver König)
© Offenburg University / IYL 2015 (Oliver König)

Portugal focado no IYL 2015

Segundo a Comissão Nacional coordenada por Carlos Fiolhais, da Universidade de Coimbra, o conceito de dinamização do IYL 2015 terá em conta uma contextualização baseada em desenvolvimento e sustentabilidade, educação e história, através de uma programação criada de modo a abranger diversas áreas do conhecimento. O desafio passa por promover o contacto directo com o público (geral e jovem, em particular), pelo que a proposta para o Programa Nacional de Actividades “pretende funcionar como programação base de implementação integrada a nível nacional, sincronizada entre vários parceiros do continente e ilhas”.

Em curso estão várias ideias de iniciativas científicas, educativas e culturais a desenvolver ao longo do ano, algumas das quais já com data marcada. É o caso da Feira de Ciências “À Descoberta da Luz”, concurso lançado em Setembro e que se estende até Maio de 2016, e cujos trabalhos ficarão disponíveis online, prevendo-se a realização da 1ª primeira edição de uma Feira de Ciências no final de Maio deste ano. Aberto à participação de alunos, professores e escolas de todos os níveis de ensino, o projecto acolhe inúmeras iniciativas, como experiências hands-on, demonstrações experimentais, palestras e expressões artísticas (dramatizações, pinturas, esculturas, poemas, etc.), sobre as propriedades físicas e as múltiplas aplicações da luz, mas também sobre a sua representação no domínio do sonho.

Uma exposição itinerante baseada em conteúdos visuais com recurso a suporte áudio, e dedicada ao conceito da luz e às suas aplicações em quatro dimensões – ciência, tecnologia, natureza e arte -, irá circular ao longo de 2015 em centros Ciência Viva e museus de ciência, em Lisboa, Coimbra, Lagos, Bragança, Aveiro e Vila do Conde.

[pull_quote_left]1,5 mil milhões de pessoas ainda vivem sem electricidade[/pull_quote_left]

Outra exposição, mas de hologramas artísticos, explora imagens 3D com luz, envolvendo actividades científicas de divulgação desta tecnologia, um conjunto de módulos interactivos e um laboratório portátil, graças ao qual o público pode experimentar técnicas holográficas e gravar um holograma de reflexão.

Por sua vez, concursos de fotografia e de vídeo artísticos de conteúdo científico, dedicados às quatro dimensões da luz eleitas para o Ano em Portugal, e destinados aos alunos dos ensinos Básico e Secundário mas também ao público em geral, deverão resultar numa exposição que será acolhida em mais de vinte localidades do País.

Outras ideias a concretizar são uma Conferência Nacional dedicada ao IYL 2015, que terá como convidado um Prémio Nobel, e cujo programa e detalhes serão conhecidos brevemente; a iniciativa “12 meses 12 highlights”, que reúne num mesmo dia e à mesma hora, em vários locais públicos de Portugal, uma “actividade highlight” (astronomia, show laser ou de luz, etc.); a Noite Europeia dos Investigadores, em Setembro, este ano alargada a 20 Centros de Ciência Viva e dois Museus de Ciência para celebrar o IYL 2015; uma edição especial da Gazeta da Física dedicada à luz; “A Luz nos Media”, projecto que visa dinamizar a divulgação do tema na imprensa, televisão, rádio e internet; a peça de teatro para “comunicar ciência” Viagens no Tempo, que aborda a Teoria da Relatividade de Einstein – um dos vários aniversários de datas científicas relevantes celebradas no Ano Internacional da Luz; palestras e cafés de ciência; um Encontro de Telescópios, Astrofesta, observações do céu nocturno e do Sol, também em várias cidades, para explorar “A luz da noite”; a distinção do “cientista do mês” nas descobertas científicas na área da luz; e, finalmente, um Festival de Ciência e de Arte a realizar no final deste Ano Internacional, no Pavilhão do Conhecimento – Ciência Viva (Lisboa) que irá encerrar e apresentar todo o trabalho desenvolvido no âmbito do IYL 2015.

© Offenburg University / IYL 2015 (Jung Florian)
© Offenburg University / IYL 2015 (Jung Florian)

Iluminar consciências

Com a proclamação de um Ano Internacional dedicado ao tema da ciência da luz, as Nações Unidas reconheceram a importância de impulsionar uma “consciência global sobre como as tecnologias baseadas na luz promovem o desenvolvimento sustentável e possibilitam soluções para os desafios globais na energia, educação, agricultura e saúde”, entre tantas outras áreas de interacção com esta disciplina transversal. E este é o grande desafio que a comunidade científica e educativa envolvida no IYL terá de alcançar entre os líderes globais, os governos, os decisores políticos e económicos, os líderes empresariais.

Para os cidadãos de todo o mundo, a mensagem do vasto consórcio de entidades da ciência, educação, tecnologia, gestão e sociedade civil aderentes à iniciativa da UNESCO é a da percepção (quase invisível no dia-a-dia, como referido) do papel vital que a luz desempenha na vida humana e na sociedade globalizada, enquanto ciência imperativa no século XXI.

Entre tantos expoentes da luz, há que não esquecer o da energia eléctrica, sector que ainda não abastece 20% da população mundial, segundo as Nações Unidas, pelo que “1,5 mil milhões de pessoas são obrigadas a viver uma vida de “pobreza energética”. Isto, ao mesmo tempo que muitas outras, nos países desenvolvidos, desperdiçam diariamente electricidade, ignorando os hábitos de consumo sustentável.

Como sublinhou o secretário-geral da ONU no discurso de abertura das cerimónias de inauguração do Ano Internacional da Luz, realizadas a 19 e 20 de Janeiro na sede da UNESCO, em Paris, “enquanto lutamos para erradicar a pobreza e promover uma prosperidade partilhada, as tecnologias da luz podem oferecer soluções práticas para desafios globais” e ajudar a comunidade internacional a enfrentá-los”. Estas tecnologias revestem-se “de particular importância para o progresso dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, para alcançar o desenvolvimento sustentável e na abordagem às alterações climáticas”, acredita Ban Ki-moon.

Neste contexto, o IYL 2015 deve servir “para que o mundo possa expandir a cooperação científica, especialmente nos países em desenvolvimento, melhorar a educação em ciências e envolver jovens talentos nos esforços de construção de um futuro de dignidade para todos”, concluiu Ban, para quem a luz “é um símbolo unificador que significa sabedoria”.

Que este seja, pois, ”um ano de luz”, como desejou. Que contribuamos todos, líderes mundiais, governos, empresas, organizações, cidadãos, para o iluminar um pouco, com alguma inteligência e nenhuma estupidez.

Jornalista