O ainda recente conceito de empresas net positive, o qual assenta numa filosofia empresarial emergente que vai para além das noções tradicionais de responsabilidade social das empresas para se concentrar, de forma genuína, no impacto positivo que estas têm no ambiente e na sociedade, está a ganhar novos adeptos. Nenhuma empresa atingiu ainda o ambicioso objectivo de “dar mais do que recebe”, mas um número crescente já começou a jornada, desbloqueando maior valor, ao mesmo tempo que ajuda a resolver problemas globais para benefício de todos
POR HELENA OLIVEIRA
Como todos sabemos e testemunhamos, as expectativas da sociedade em relação aos negócios/empresas mudaram mais nos últimos dois anos do que nos 20 anos anteriores. E tanto a nível prático como moral, os líderes empresariais já não podem ficar à margem das grandes mudanças sociais ou tratar as questões humanas e planetárias como “isso não é problema meu”. Para o seu próprio bem, as empresas devem desempenhar um papel activo na resolução dos nossos maiores desafios comuns, na medida em que a economia não prosperará se as pessoas e o planeta não prosperarem também.
Desta forma, surge assim o ainda novo conceito de empresas net positive, o qual assenta numa filosofia empresarial emergente que vai para além das noções tradicionais de responsabilidade social das empresas para se concentrar, de forma genuína, no impacto positivo que estas têm no ambiente e na sociedade.
Em termos muito gerais, o net positive ocorre quando uma entidade tem um impacto mais positivo do que negativo em geral, geralmente num domínio específico, podendo aplicar-se a várias entidade, e a vários domínios, tais como o ambiente e as relações sociais.
Esta nova filosofia é criteriosamente explicada no livro “Net Positive:Diferença positiva: empresas corajosas dão mais do que tiram”, já traduzido para português e escrito pelo antigo CEO da Unilever Paul Polman e o guru dos negócios sustentáveis Andrew Winston, no qual exploram cinquenta anos de doutrina empresarial chegando aos dias de hoje. Pela primeira vez, são igualmente descortinadas lições chave da Unilever – reconhecida pelas suas políticas de sustentabilidade e responsabilidade social – e de outras empresas pioneiras em todo o mundo sobre os caminhos que trilham com o objectivo de alcançar lucros ao mesmo tempo que resolvem, ou pelo menos, tentam mitigar, os desafios globais, em vez de os criar. Para prosperar hoje e amanhã, argumentam os autores, as empresas devem tornar-se “líquidas positivas”, dando mais ao mundo do que o que tiram.
No seu novo livro, com o título original “Net Positive: How Courageous Companies Thrive by Giving More Than They Take”, são apresentadas quatro dimensões por excelência para que um negócio consiga desbloquear um valor duradouro e crescer enquanto em simultâneo ajuda o mundo a prosperar. Os autores definem a empresa net positiv como aquela que “melhora o bem-estar de todos os que sofrem com o seu impacto e em todas as escalas – cada produto, cada operação, cada região e país, e para todos as partes interessadas, incluindo empregados, fornecedores, comunidades, clientes, sem esquecer as gerações futuras e o próprio planeta”.
As organizações que adoptam uma abordagem net positive partilham a ambição de fazer crescer a sua marca, têm um forte desempenho financeiro e atraem os melhores talentos. Espalhadas pelos sectores privado, público e sem fins lucrativos, estas organizações reconhecem que o negócio é uma maratona, não um sprint, que percorre novas rotas que ainda estão a surgir. O destino de cada uma delas é o mesmo: transformarem-se em organizações que proporcionam benefícios que se estendem muito para além das fronteiras organizacionais tradicionais.
O conceito tem já alguns anos, mas só recentemente saltou para as luzes da ribalta como consequência dos eventos “extremos e inimagináveis” que inesperadamente “caíram que nem um relâmpago no mundo inteiro, tendo também como base um manifesto ousado decorrente do livro acima mencionado.
Em 2013, este conceito teve como “berço” o Forum for the Future que, em parceria com o The Climate Group e o World Wide Fund, criou o Net Positive Group (NPG) – uma colaboração de diferentes organizações unidas pelo objectivo comum de terem um impacto positivo e um compromisso para aumentar o número de empresas que fazem e cumprem estas promessas ambiciosas. Na altura, este grupo incluía alguns pesos pesados do universo empresarial como a BT, a Capgemini, a Dell, a Ikea, a Pepsico, a SKF, a The Crown Estate e o TUI Group, que se juntaram num ambiente colaborativo para partilhar conhecimentos e experiências com vista a desenvolver uma compreensão mútua do conceito net positive.
Uma década mais tarde, surge o livro de Paul Polman e Andrew Winston, que funciona como um manifesto para esta ainda nova filosofia de negócios. Com base em 12 princípios por excelência desta nova premissa empresarial (v. CAIXA), o VER apresenta de seguida o essencial da mensagem dos defensores da abordagem net positive, desenvolvendo alguns dos seus aspectos mais importantes.
O Manifesto, por Paul Polman e Andrew Winston
Neste manifesto ousado e transformado em livro, o consultor e autor Andrew Winston e o antigo CEO da Unilever Paul Polman descrevem a sua visão de uma empresa “net positive” – ou aquela que floresce ajudando o mundo a florescer. Com base em exemplos da Unilever e de outras empresas líderes de mercado, os autores traçam quatro caminhos críticos que as empresas podem seguir para prosperar hoje e vencer no futuro: operar primeiro ao serviço dos seus múltiplos stakeholders, – o que depois beneficia os investidores (em vez de colocar os accionistas acima de todos os outros); assumir a plena responsabilidade de todos os impactos da empresa; abraçar parcerias profundas, mesmo com os grupos que são mais críticos e, por fim, enfrentar os desafios sistémicos repensando a advocacy e a relação com os governos.
Os autores começam por sublinhar que as empresas que adoptaram acções no que respeita a questões ambientais, sociais e de governance [ESG, na sigla em inglês] estão a superar os seus concorrentes, com mais de 80% dos fundos do ESG a ultrapassarem os seus valores de referência em 2020. Apesar do preço das acções não ser um indicador perfeito do sucesso empresarial, a verdade é que os bons retornos financeiros demonstram que a sustentabilidade não é uma “conspiração anti-negócios” para minar os mercados livres (uma visão antiga e ultrapassada).
De salientar igualmente que os investidores constituem um novo aditamento à lista de stakeholders que pressionam as empresas para agir tendo em conta o seu comportamento face ao ambiente que as rodeia. Por seu turno, os reguladores financeiros estão a exigir mais divulgação e transparência, os clientes empresariais estão a estabelecer objectivos climáticos e de diversidade não negociáveis para os fornecedores e os intervenientes mais poderosos de todos podem ser os empregados – especialmente os Millennials e os Gen Zers [as duas mais recentes gerações e entrar no mercado de trabalho] que procuram empregadores que partilhem os seus valores. Caso estes não os satisfaçam, dizem os autores, fazem greve ou criticam as acções dos empregadores no que respeita a questões sociais (como metade dos Millennials dos EUA afirmam já ter feito, por exemplo).
Certo é que as empresas que prosperam neste novo ambiente terão um aspecto diferente das do passado. A tradicional responsabilidade social das empresas e a filantropia são inadequadas para o nosso tempo, garantem os autores. Os líderes devem repensar o que é um negócio, como cresce e lucra, qual é o seu objectivo, e como impulsiona a mudança no mundo.
Quando se sabe por que razão um negócio existe e quando esse propósito reflecte os seus valores, tornar-se positivo em “termos líquidos” é um passo natural e até inevitável. Rumar em direcção a este objectivo não significa ser perfeito ou fazer tudo ao mesmo tempo. Haverá compromissos de curto prazo que estarão ao serviço de objectivos maiores. Os desafios do mundo são colossais e não podem ser resolvidos sem se aproveitar os vastos recursos humanos, financeiros e inovadores das empresas. É imprescindível ter força de vontade para mudar a forma como os negócios são conduzidos e para escolher proactivamente o que pode melhorar o bem-estar de todos. O modelo “positivo líquido” permite que as empresas prosperem devido aos seus esforços para servir o mundo. Os líderes empresariais enfrentam hoje uma questão essencial: Estará o mundo melhor porque estamos a fazer algo por ele?
Servir primeiro os stakeholders e depois os accionistas. O economista Milton Friedman escreveu que o principal objectivo do negócio era gerar valor para os accionistas. Durante 50 anos esta doutrina deu origem a um tremendo crescimento no bem-estar material, mas com custos severos para a igualdade e para o planeta.
Para se avançar para algo melhor é possível tirar partido do passado. Antes da era da obsessão accionista, as empresas eram, por natureza, multistakeholders. Um dos exemplos que consta no livro remonta a 1943, ano em que a Johnson & Johnson publicou o seu Credo e colocou os doentes, médicos e enfermeiros em primeiro lugar, seguidos pelas mães e pais, parceiros de negócios, empregados e comunidades. Só depois o gigante empresarial se comprometia a servir os seus accionistas, mas com um “retorno justo” e sem prometer o máximo retorno possível.
Desta forma, uma empresa net positiv recompensa os investidores, mas como resultado da gestão de um negócio que serve outros e não como o seu objectivo principal. Essa mudança de enfoque pode criar tensão com os accionistas tradicionais de curto prazo. Na Unilever, a solução de Paul Paulman foi dizer aos investidores que já não forneceria relatórios ou orientações trimestrais. A empresa perseguiria um valor a longo prazo, mantendo ao mesmo tempo uma disciplina empresarial intensa. Se os investidores não gostassem, poderiam levar o seu dinheiro para outro lado.
Assumir a responsabilidade de todos os impactos da empresa. Há muito que são incontáveis as empresas que operam com pouca ou nenhuma consideração pelas consequências sociais e ambientais das suas acções, especialmente aquelas que consideram estar fora do seu controlo. Não só externalizam as suas cadeias de abastecimento, logística e investimentos, mas também o seu sentido de responsabilidade. Desta forma, o seu foco assenta na externalização dos custos e na internalização dos lucros.
Cada sector tem consequências e “efeitos-cascata” próprios da sua actividade e os líderes empresariais ou optam ou por enfrentá-los ou por os ignorarem. Por exemplo, as empresas de tecnologia ligam milhares de milhões de pessoas entre si, disponibilizando um gigantesco conhecimento humano e com as novas tecnologias a desempenharem um papel de liderança na resolução dos maiores desafios que assolam o planeta. Mas esses benefícios têm tido um grande custo. A desinformação propagou-se através dos meios de comunicação social como uma faúlha que está a provocar incêndios difíceis de controlar, minando a verdade, a ciência, e os laços humanos, o que tem abrandado as lutas contra a pandemia e as alterações climáticas.
As mentiras e a informação inexacta têm-se difundido através do Facebook e de outras plataformas, o que ajuda a subverter a democracia em muitos locais, ao mesmo que integram opiniões extremistas e conteúdos radicais. Os gigantes da tecnologia, substancialmente lucrativos, são-no em parte porque os seus produtos criam divisões. São várias as pesquisas que demonstram que os algoritmos colocam propositadamente histórias “inflamatórias” à frente das pessoas para as enfurecer, o que propicia o “clicar” e o perpetuar das notícias falsas.
Uma outra orientação constante no livro de Polman e Winston é a de que as empresas devem estabelecer parcerias que tornem todos os parceiros eficientes e sustentáveis, criando assim espaço para enfrentar problemas mais difíceis e mais sistémicos. Por exemplo, todos os sectores dependem de combustíveis fósseis baratos, mas ninguém paga pelos impactos das suas emissões de carbono. Da mesma forma, as empresas em muitos sectores recorrem a mão-de-obra barata – mesmo a mão-de-obra escrava – nas cadeias de abastecimento de todo o mundo.
Assumir a plena responsabilidade de todos os seus impactos é um acto revolucionário, mas uma visão alargada desta responsabilização tem vindo a ser construída há anos. Após incidentes de grande visibilidade do trabalho infantil nas cadeias de abastecimento, por exemplo, muitos sectores implementaram códigos de conduta que abordam parcialmente a questão. Subsistem problemas graves, mas os dias de fingir que estes problemas não existem acabaram.
Como se pode ler no livro e a título de exemplo, sob a liderança de Paul Paulman, a Unilever abriu o seu negócio vietnamita a uma auditoria da Oxfam com vista a avaliar os direitos humanos. A empresa convidou a organização sem fins lucrativos para aceder às suas instalações, sem restrições, e permitiu que esta emitisse um relatório independente sobre as suas conclusões. É sabido que respeitar os direitos humanos é mais do que uma questão de fazer o que é moral, na medida em que o enfoque nas pessoas e no seu bem-estar também protege contra riscos de reputação e operacionais potencialmente dispendiosos. O relatório em causa ajudou os executivos a identificar formas de melhorar o desempenho da empresa em matéria de direitos humanos, os quais não tinham sido previamente pensados ou abordados. A resolução conjunta de questões difíceis cria confiança e fomenta a parceria. E é decerto mais sensato ter críticos no interior da empresa, a trabalhar de forma produtiva, do que fora das suas fronteiras, a realizar manifestações e a ostentar faixas de protesto, garantem Polman e Winston.
As parcerias acima mencionadas resolvem geralmente problemas dentro do sistema vigentes. Mas para enfrentar os maiores desafios da humanidade e desbloquear um maior valor material e social, é necessário mudar o sistema para se trabalhar “sobre a floresta e não no interior da floresta”. Para esse esforço, os três pilares do “banco societal” – o sector com fins lucrativos, a sociedade civil (tais como consumidores, ONG e outros grupos de defesa/activismo), e o governo – terão de estar sentados à mesma mesa.
A verdade é que as relações tradicionais destes grupos têm de evoluir. Há muito que as empresas vêem as “relações governamentais” como uma forma de resistir à regulamentação ou como uma luta por reduções fiscais e outros tratamentos especiais. Em vez disso, a proposta de Paul Polman e Andrew Winston é a de que as empresas abordem os governos de forma aberta e transparente, para melhorar as regras, ajudar os decisores políticos a alcançar os seus objectivos e resolver problemas maiores para benefício de todos.
Por vezes, as grandes empresas podem promover a mudança sistémica apostando em acções ousadas. Por exemplo, a Microsoft comprometeu-se a ser carbono zero em 2030, o que significa que “removerá” pelo menos tanto carbono da atmosfera como aquele que emite. A empresa irá também, até 2050, remover carbono suficiente para compensar todas as suas emissões desde a sua fundação, em 1975. A sua promessa retroactiva para atingir a neutralidade carbónica – a primeira de que há notícia – incentivou-a a investir em projectos de sequestro de carbono, através de uma tecnologia que enterra o elemento em formações geológicas muito subterrâneas. A captura de carbono é uma indústria nascente, mas tem o potencial para fazer uma verdadeira mudança positiva nos esforços para se atingir os objectivos climáticos. Adicionalmente, o gigante do software está a impulsionar a mudança sistémica, pesquisando e investindo em novas tecnologias que ajudarão a aumentar a escala das suas acções.
Por seu turno, a Google está a atacar o problema de um ângulo diferente, tendo estabelecido um objectivo “24/7” invulgar. Até 2030 quer estar a operar sem carbono “a cada hora” – não compensando as emissões através da construção de energias renováveis numa parte diferente da rede, como fazem muitas empresas, mas operando verdadeiramente sem carbono. Tal significa utilizar apenas energias renováveis e armazenamento de energia no local; se a empresa se ligar a uma rede, essa rede terá de ser limpa. Em vez de ser “apenas” 100% renovável – um compromisso que centenas de empresas já assumiram – a Google está à procura também de uma mudança sistémica..
Em suma, as empresas net positive propõem soluções em vez de esperarem (ou queixarem-se) por regulamentos que lhes digam o que devem fazer. Defendem respostas amplas a problemas partilhados, colhendo os benefícios juntamente com todos os outros. O sistema é mais saudável e mais forte dado o esforço para se encontrar uma solução conjunta.
Os 12 princípios das organizações net postive
Propósito: A empresa tem um objectivo claro e convincente que está alinhado com a criação de impacto social e ambiental positivo.
Envolvimento com as partes interessadas: A empresa envolve-se com os seus diferentes stakeholders (incluindo clientes, empregados, fornecedores, comunidades, e investidores) para compreender as suas necessidades, preocupações e aspirações, e incorpora o seu contributo na tomada de decisões.
Liderança Colaborativa: Os líderes da empresa demonstram uma liderança colaborativa ao promover uma cultura de abertura, confiança e respeito mútuo, e ao capacitar os funcionários a contribuir para o seu impacto positivo.
Pensamento holístico: A empresa adopta uma abordagem holística da sustentabilidade, considerando a interligação dos sistemas ambientais, sociais e económicos, ao mesmo tempo que trabalha para optimizar os impactos positivos em todo o seu sistema.
Inovação: A empresa fomenta uma cultura de inovação e melhoria contínua, procurando e implementando soluções novas e criativas para os desafios sociais e ambientais.
Gestão da Cadeia de Valor: A empresa assume a responsabilidade pelos impactos sociais e ambientais de toda a sua cadeia de valor, incluindo fornecedores, parceiros e clientes, e trabalha em colaboração com eles para conduzir uma mudança positiva.
Produtos e Serviços net positive: A empresa cria produtos e serviços que têm um impacto positivo sobre o ambiente e a sociedade, e trabalha para minimizar ou eliminar quaisquer impactos negativos.
Regeneração de Recursos: A empresa procura regenerar os recursos naturais e ecossistemas, e minimizar o desperdício e a poluição, através de práticas sustentáveis de produção e consumo.
Impacto Social Positivo: A empresa trabalha para criar impacto social positivo, através da criação de emprego, desenvolvimento comunitário e inclusão social.
Impacto Ambiental Positivo: A empresa trabalha para criar um impacto ambiental positivo, através da mitigação dos desafios climáticos, conservação da biodiversidade, e utilização sustentável dos recursos.
Sustentabilidade Financeira: A empresa consegue atingir sustentabilidade financeira através de práticas comerciais sólidas que se alinham com a sua missão social e ambiental.
Transparência e Relatórios: A empresa é transparente quanto ao seu desempenho social e ambiental, e reporta regularmente sobre o seu progresso em direcção aos seus objectivos “positivos líquidos”.
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