Muitos países, como Portugal, “fazem depender o trabalho de conservação e gestão da rede Natura 2000 dos fundos comunitários disponíveis”. A BirdLife International avaliou os progressos que a UE está a fazer face aos objectivos traçados na sua Estratégia de Biodiversidade, e concluiu que a falta de recursos financeiros põe em risco o cumprimento das metas na Europa. Para o director executivo da SPEA, os governos “terão que interiorizar que as áreas protegidas são base da economia e que merecem um investimento maior e mais urgente”
POR GABRIELA COSTA

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A BirdLife International (Divisão Europeia) divulgou recentemente os resultados do relatório “On the Road to Recovery”. O documento constitui, segundo a organização, a única avaliação global sobre os progressos que a União Europeia está a fazer face aos objectivos traçados na sua Estratégia de Biodiversidade, a qual visa travar a perda de biodiversidade e dos serviços de ecossistemas na EU, até 2020.

Feita a análise em função das seis metas estabelecidas em 2010 pela EU para a conservação da natureza (ver Caixa), a BirdLife Europa conclui que “a menos que os subsídios nefastos da UE para a agricultura, pescas, transportes e energia cheguem ao fim e o financiamento para a conservação da natureza aumente, os governos europeus arriscam-se a não cumprir o que se encontra na estratégia”.

Em entrevista ao VER, Luís Costa, director executivo da SPEA – Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (que representa em Portugal esta aliança de organizações de conservação da natureza), comenta as principais conclusões a retirar do documento, ao nível dos progressos e constrangimentos encontrados pela BirdLife Europe na execução da estratégia europeia para a Biodiversidade.

Nas suas palavras, a organização “calcula que seja necessária uma verba bem maior para conseguir gerir eficazmente toda a rede Natura 2000”. A Estratégia de Biodiversidade da EU “é ambiciosa mas tem sido posta em prática de forma relativamente lenta”, afirma.

A respeito das medidas mais urgentes recomendadas pela BirdLife International para atingir as metas delineadas, Luís Costa sublinha que nos próximos dezoito meses é necessário que os regulamentos que aplicam os fundos comunitários para o período 2014-2020 “o façam de um modo eficaz e com consequências a favor da biodiversidade e de uma Europa mais sustentável”.

“É preciso parar de dar ouvidos a grupos lobistas”
Já Ariel Brunner, Head of Policy da BirdLife Europa defende mesmo que “os governos europeus precisam de começar a investir no meio ambiente de imediato e parar de dar ouvidos a grupos lobistas obstrutivos.” Na sua opinião, “tomar decisões erradas acerca do orçamento da UE e da reforma agrícola nas negociações actuais” significa que esta está “em risco de falhar os objectivos da Estratégia.”

A BirdLife Europa propõe uma solução que inclui a reforma da Política Comum das Pescas (PCP) e da Política Agrícola Comum (PAC). Na perspectiva da organização, “a seguir à PAC, o PCP é a outra grande razão do colapso da biodiversidade”. E garante: 75% dos stocks de peixes da Europa são alvo de sobrepesca e a indústria de pesca infringe danos colaterais nos ecossistemas marinhos, como é o caso das aves e da vida selvagem marinha. “Propostas de reforma progressistas encontram resistência que ignoram que o futuro do sector depende de mares saudáveis”, divulga a SPEA, em comunicado.

Já ao nível da PAC, a agricultura intensiva e a reconversão do uso do solo são duas das principais razões de perda de biodiversidade na Europa, adianta a organização, explicando: habitats e espécies “encontram-se numa situação alarmante e continuam a deteriorar-se de dia para dia – e com eles solos, água e clima, os pré-requisitos para a segurança alimentar e para o bem-estar humano”. Segundo o comunicado, mais de cinquenta mil milhões de euros arrecadados do dinheiro dos contribuintes são gastos anualmente, na sua maioria, em “subsídios agrícolas prejudiciais, apesar da crise de orçamento público”.

Para a SPEA, “é provável” que a actual reforma da PAC “seja a última oportunidade para justificar os subsídios agrícolas, reorientando-os para o fornecimento de bens públicos, incluindo a conservação da biodiversidade”.

Por outro lado, a solução para atingir os objectivos estipulados na Estratégia de Biodiversidade europeia passa, inevitavelmente, por “direccionar as actuais negociações do orçamento da UE para o período 2014-2020 para investimentos em biodiversidade e ecossistemas”, defende a BirLife.

É que se a estratégia da UE “identificou correctamente as acções que são necessárias para travar a perda de biodiversidade” no velho continente, certo é que “o tempo se está a esgotar e as decisões tomadas pela UE durante os próximos dezoito meses serão cruciais”, conclui.

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Para Portugal “este desafio é particularmente importante”, sublinha Luís Costa, exemplificando: “o momento de crise torna crucial a utilização de fundos dedicados à conservação da natureza, para manter resultados tão importantes como a conservação do priolo, nos Açores, ou do francelho ou da abetarda, no Alentejo”. Afinal, estes são “marcos de sucesso a nível europeu”, sobre os quais “é imprescindível” que sejam atingidas as metas de conservação da biodiversidade e bem canalizados os financiamentos europeus, “para acções locais”.

Quais são as principais conclusões que retira do relatório “On the Road to Recovery”, nomeadamente ao nível dos subsídios da EU para a agricultura, pescas, transportes e energia, e dos fundos para a conservação da natureza?
A grande fatia dos orçamentos de fundos estruturais e comunitários apoiam actividades e projectos que muitas vezes provam ser prejudiciais para a conservação da biodiversidade. O programa LIFE e outros programas de apoio à gestão de biodiversidade e das áreas da rede Natura 2000 acabam por ser bastante eficazes, mas a uma escala reduzida quando comparada com os anteriores. A BirdLife calcula que seja necessária uma verba bem maior para conseguir gerir eficazmente toda a rede Natura 2000. Está provado que as áreas naturais protegidas fornecem serviços e valores que são fundamentais para toda a economia, portanto os fundos no seu todo devem prever uma parte considerável para gestão de valores naturais e biodiversidade.

Que progressos fez a União Europeia face aos objectivos traçados para a Estratégia de Biodiversidade? E que progressos já deveriam ter sido alcançados, nesta matéria?
A Estratégia é ambiciosa mas tem sido posta em prática de forma relativamente lenta. Tem-se verificado uma melhoria pontual mas muito significativa no trabalho de conservação de espécies em vias de extinção, que são apoiadas por fundos específicos e têm tido óptimos resultados, como é o caso flagrante do priolo nos Açores. Mas as áreas da rede Natura 2000 são claramente insuficientemente geridas e faltam os recursos necessários para que possam garantir a sustentabilidade dos seus valores.

“As áreas da rede Natura 2000 são insuficientemente geridas e faltam recursos para que possam garantir a sustentabilidade dos seus valores” .
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Quais são os principais constrangimentos à execução desta Estratégia, que levam a BirdLife Europa a concluir que os governos europeus se arriscam a não cumprir as metas estabelecidas, e a caminhar “na direcção do desastre ambiental”?
O principal constrangimento é a falta de recursos financeiros próprios e em montante suficiente, como referi. Muitos governos e países, como Portugal, fazem depender o trabalho de conservação e gestão da rede Natura 2000 dos fundos comunitários disponíveis. Terão que interiorizar que as áreas protegidas são base da economia e que merecem um investimento maior e mais urgente, para que seja eficaz.


Que relevo adquire a BirdLife International, ao disponibilizar, através da sua Divisão Europeia, a única avaliação global sobre os progressos alcançados nesta Estratégia de Biodiversidade?

A BirdLife International trabalha com outras entidades e ONG europeias para que as decisões da União Europeia sejam tomadas com o máximo de informação credível. Para isso reúnem muitos dados de Censos e indicadores ambientais que são recolhidos por milhares de investigadores e de voluntários em cada país, e resultados de projectos de conservação que são monitorizados regularmente. Estes dados são importantes para mostrar que muito há por fazer, conforme é revelado no relatório. A força de cada parceiro e a soma de todos os resultados, assim como a capacidade da divisão europeia da BirdLife e o intenso trabalho em Bruxelas tornam esta organização muito importante na defesa dos valores da biodiversidade no território.

Quais são as recomendações da BirdLife Europa no seguimento deste relatório, incluindo ao nível da reforma da Política Comum das Pescas e da Política Agrícola Comum, e dos investimentos em biodiversidade e ecossistemas a incluir no orçamento da UE para 2014-2020?
Até agora é já consensual, nos princípios que vão orientar os fundos comunitários para o Quadro de 2014-2020, que os principais programas de pescas, agricultura, estruturais, etc., devem contribuir para a sua sustentabilidade e prever verbas para acções importantes como a prevenção de capturas acidentais de espécies protegidas na pesca ou nas medidas agro-ambientais, por exemplo.

No entanto, a fase mais importante e prática apenas vem agora: nos próximos dezoito meses é necessário que os regulamentos que aplicam esses fundos o façam de um modo eficaz e com consequências a favor da biodiversidade e de uma Europa mais natural, saudável e sustentável.

Metas…
A Estratégia de Biodiversidade da EU, aprovada em 2010 pelos Chefes de Estado europeus na sequência do reconhecimento da relevância dos ecossistemas e da urgência da sua protecção, estabelece seis metas para a conservação da natureza na EU, até 2020:

  1. Implementar plenamente as Directivas para as espécies e para os habitats, no âmbito da rede Natura 2000;
  2. Manter e restaurar os ecossistemas e os seus serviços;
  3. Aumentar a contribuição da agricultura e da silvicultura para manter e melhorar a biodiversidade;
  4. Assegurar o uso sustentável dos recursos pesqueiros;
  5. Ajudar a combater espécies exóticas invasoras;
  6. Ajudar a evitar a perda da biodiversidade global.

Para mais informações, consulte a estratégia ambiental no site da Comissão Europeia.

…E recomendações
No seguimento das principais conclusões do relatório “On the Road to Recovery”, a BirdLife Europe recomenda o aumento dos fundos para a conservação da natureza, como condição essencial para uma política sustentável nesta matéria:

• Aumentar o orçamento do fundo para a conservação da natureza – o LIFE – de 0,23% para 1% do orçamento total da EU (cerca de 2,5 mil milhões por ano);

• Equilibrar os dois pilares da Política Agrícola Comum (PAC) e garantir que 50% do seu orçamento total vai de encontro ao Programa de Desenvolvimento Rural;

• Assegurar que 20% do orçamento da UE é investido na acção climática, especialmente através de estratégias de mitigação das alterações climáticas no âmbito da Política de Coesão;

• Estabelecer um sistema de rastreio que documente os efeitos positivos e negativos de fundos da EU para o clima e biodiversidade.

Fonte: SPEA

Jornalista