Foi num auditório lotado que 37 empresas, de várias dimensões, sectores e geografias, receberam o seu certificado enquanto empresas familiarmente responsáveis (efr), um programa criado pela Fundación Másfamilia, ao qual a ACEGE se associou há já alguns anos, com o objectivo de melhorar a sociedade através da gestão da conciliação. No evento foram discutidas várias e diferentes medidas sobre o necessário equilíbrio entre vida profissional e vida pessoal/familiar, com a certeza de que quando estes planos se reforçam mutuamente e estão em harmonia, todos ganham. As pessoas, as famílias e as empresas
POR HELENA OLIVEIRA

Dar ou não dar o dia de aniversário aos colaboradores? Este pequeno “presente” consta de um conjunto de medidas “amigas” dos empregados e foi a que mais humor reuniu no evento de entrega de “diplomas” a 37 empresas portuguesas certificadas como empresas familiarmente responsáveis (efr). É que a EDP – a maior empresa do mundo a ser certificada a nível global em 24 países onde opera – oferece o dito dia, mas Rui Diniz, anfitrião desta cerimónia que teve lugar no auditório do Hospital CUF Tejo, não concorda.

Como afirmou em tom jocoso, “para quê dar-se o dia de aniversário a alguém cujo marido ou mulher está a trabalhar e os filhos estão na escola?”, questionou, recebendo uma gargalhada geral da sala repleta de CEOs, gestores de RH, responsáveis pela implementação do programa efr e, é claro, por representantes das entidades que optaram por se dedicar à conciliação entre a vida familiar/pessoal e a vida profissional, ou seja, a ACEGE e a espanhola Fundación Másfamilia, esta última nascida em 2003 com o objectivo de melhorar a sociedade através da gestão da conciliação.

Este é apenas um episódio que espelha a boa disposição reinante no evento, a qual assenta também no orgulho que estas 37 entidades demonstram por serem oficialmente reconhecidas e certificadas como empresas familiarmente responsáveis.

As boas-vindas foram dadas por Rui Diniz, presidente da Comissão Executiva e CEO da CUF, que relembrou que a família é a célula fundamental da vida em sociedade e que a empresa não pode ter apenas uma utilidade económica. Como afirmou também, esta conciliação torna o ambiente de trabalho não só mais saudável, como também mais atractivo. Adicionalmente, o CEO da CUF sublinhou também que estas duas dimensões não devem ser contraditórias, reforçando-se, ao invés, mutuamente. Caracterizando-a como uma “mudança cultural”, é certo que uma vida equilibrada produz melhor trabalho e vice-versa e que esta certificação reconhece o impacto positivo destas empresas na vida pessoal, familiar e profissional dos colaboradores. E como também não poderia deixar de ser, garantiu que a CUF, e desde o seu início, sempre teve preocupação com os seus empregados e respectivas famílias e que esta certificação serve como reforço do seu compromisso, valores, missão e propósito.

Rafael Fuertes, director-geral da Fundación Másfamilia, recordou também todo o trabalho realizado nos últimos anos que tem como base a ideia que os trabalhadores não são recursos humanos, mas sim pessoas, afirmando igualmente que, no total, existem 978 empresas certificadas. Chamando também a atenção para o problema da natalidade e para a não substituição de gerações, que deve ser tida em conta pelas empresas, Fuertes alerta também para a importância da faixa etária dos colaboradores com mais de 45 anos que, a seu ver, deve ser também “reformada”. Melhor sociedade, melhores empresas, melhores pessoas é a palavra de ordem da Fundación Másfamilia e do seu director geral.

Seguidamente, a abertura esteve a cargo de Jorge Líbano Monteiro, secretário-geral da ACEGE, e um grande entusiasta do programa desde o seu início, que recordou que há quatro anos – a última vez que um evento desta natureza tinha tido lugar – eram apenas 11 as entidades a receberem a certificação, a qual na actualidade abrange e no total mais de 50 mil trabalhadores, de organizações de diferentes dimensões, sectores e geografias. Com um “estamos em família” e “só juntos é que podemos ir em frente”, o secretário-geral da ACEGE passou então para um debate com alguns responsáveis de empresas certificadas.

A conciliação em debate

CUF Tejo Universidade Nova, Acege EFR, Diplomas

João Bento, dos CTT, Paula Carneiro, da EDP, Rui Diniz, da CUF, Carlos Miranda, da Fidelidade Assistance e Martim Guedes, da Aveleda, foram os convidados para um debate, moderado por Jorge Líbano Monteiro, em torno de algumas questões obviamente relacionadas com a certificação efr.

A primeira pergunta – a importância das medidas de conciliação para as empresas em causa, com uma ligeira diferença para Paula Carneiro que foi questionada sobre “o que é ser a maior empresa efr do mundo – foi inicialmente respondida pela responsável da EDP. A Head of Global People & Organizational Development do Grupo EDP sublinhou que, com esta certificação global e pioneira, e para além do reconhecimento, advêm uma enorme responsabilidade a par de uma significativa humildade no que respeita ao relacionamento com as “suas” pessoas e respectivas famílias. Mas recorda também que a EDP tem práticas de apoio aos seus colaboradores com mais de 40 anos, dando o exemplo da construção das barragens, que foram sempre acompanhas por casas, escolas, igrejas, etc., ou seja, com a preocupação de bem acomodar os residentes locais. Assim e depois de reconhecer a importância das lideranças e das equipas, frisa também que a responsabilidade da EDP no que a estas matérias diz respeito a antecedeu e continuará o seu caminho depois de si mesma. Uma das preocupações de Paula Carneiro, e dando como exemplo a entrada do gigante eléctrico em nove países asiáticos, é encontrar e implementar a coerência das suas boas práticas em todas as geografias. Este será, para já, um grande desafio para a EDP.

Já João Bento explica que a certificação e as medidas que dela fazem parte têm uma importância substantiva e formal para a sua organização. O CEO dos CTT explica que no primeiro caso, é extremamente importante sentirmo-nos bem no local onde trabalhamos e na medida em a maior parte da nossa vida é ali passada, sendo a promoção da conciliação nada mais que um imperativo. Já no que respeita à importância formal, João Bento afirma que os CTT competem pelas melhores pessoas e pela sua retenção e que esta certificação é (também) uma forma de melhoramento e de conferir uma maior visibilidade à marca que representa. Para João Bento, a equação é simples: empresas melhores e mais produtivas servem melhor os seus clientes.

Para o presidente da Comissão Executiva da Fidelidade Assistance, especializada em serviços de assistência e protecção jurídica, a aposta nesta certificação é extremamente relevante, em particular porque a seguradora trabalha 24 horas por dia, por turnos, dando o exemplo que quando acontece um acidente no período nocturno, os clientes ficam muito mais ansiosos, sendo imperativo que as pessoas que as estão a acompanhar tenham uma enorme necessidade de um equilíbrio entre a vida pessoal e a empresa. Para Carlos Miranda, a certificação é um modelo de gestão com cerca de 100 medidas, que assentam também na proactividade e que conta com o gestor efr para identificar a necessidade de algum trabalhador, acompanhando-o e sinalizando as lideranças para o que não está bem, de que é exemplo o caso de uma colaboradora cuja mãe necessitava de cuidados permanentes e que, enquanto cuidadora informal, teve de ser deslocada para o Alentejo onde continuou a trabalhar. Ou seja, existe uma cultura efr dentro da empresa ou uma cultura de ajuda para os seus trabalhadores.

O co-CEO da Aveleda, Martim Guedes, cuja empresa familiar vai já na 5ª geração, afirmou sentir uma enorme proximidade com o programa efr, na medida em que nas 11 quintas que gere existe um enorme sentimento de “família alargada”, O gestor contou ainda que existem famílias que, há três gerações, trabalham na Aveleda, e que os valores que preconiza são os mesmos que constam no programa em causa.

Para Rui Diniz, a CUF tem algumas medidas que, entre tantas outras, considera emblemáticas. Mas começa por dizer que esta certificação efr cria uma enorme responsabilidade, em particular às lideranças. Chamando ao seu departamento de RH “grilo falante”, na medida em que este alerta continuamente para a cultura e lógica de equilíbrio que o gigante da saúde tem de manter, sublinha também que ambas constituem critérios para a tomada de decisão e que existem várias medidas que funcionam como um trade-off económico. Por exemplo, em reuniões habituais que reuniam cerca de 800 colaboradores e eram realizadas aos sábados, o “grilo falante” alertou para o facto de que as mesmas deviam ser feitas às sextas-feiras, enquanto medida efr, dia em que a CUF gera menos receitas. Uma outra medida muito apreciada pelos empregados é a sexta ou a segunda-feira que lhes e concedida caso o Natal calhe a um Domingo. Mais uma vez, e quanto ao dia de aniversário, recordou, com um sorriso, que esta medida “não estava no orçamento”. E, mais uma vez, chama a atenção para o facto de a conciliação constituir um trade-off económico a médio e longo prazo.

E que exemplos de medidas de conciliação trabalho-família foram eleitas pelos oradores?

Ao contrário de Rui Diniz e entre as mais de 150 medidas implementadas pela EDP, a oferta do dia de aniversário aos 13 mil colaboradores da empresa que, e obviamente, custa dinheiro, passou a ser uma realidade desde 2020. Mas não foi de todo esse o tema que Paula Carneiro quis destacar. A EDP encontra-se agora a debater os prós e os contras do trabalho híbrido, mas e enquanto medida “particularmente querida que queremos implementar” , afirma a responsável, está a questão da resposta da empresa em termos de natalidade e parentalidade. Com a taxa de natalidade em valores muitos baixos e com as mulheres a ocuparem ainda poucas posições de liderança, há que encontrar mais medidas de equilíbrio no que a este assunto diz respeito.

Já João Bento refere a flexibilidade temporal e espacial, tanto em Portugal como em Espanha, que pode ser gozada por um conjunto de trabalhadores, mas e obviamente, não por todos, em particular no que respeita aos carteiros. Mas a aposta dos CTT e tendo em conta os níveis baixos de formação de uma boa parte dos seus empregados, é na formação e desenvolvimento pessoal dos mesmos. Como afirma, “temos directores que já foram carteiros”. O apoio à natalidade foi também referido, com o Banco a abrir uma conta no valor de 25 euros para celebrar o nascimento de cada filho dos seus colaboradores. Em perspectiva, um assunto muito sério: oferecer condições favoráveis de crédito à habitação aos colaboradores.

Para Carlos Miranda, uma das medidas de que mais se orgulha está relacionada com a saúde e com a sua prevenção para os trabalhadores da Fidelidade Assistance. Com uma aposta particular nas doenças oncológicas, a empresa oferece um plano de seguro a todos os colaboradores, algo que nem todas as empresas fazem. Já enquanto pequenos mas grandes gestos que agradam aos trabalhadores, elege a “cesta do bebé” ou os prémios de mérito para os filhos dos colaboradores. O gestor fala ainda da inexistência de tratamento diferente para os que têm credos distintos, oferecendo o dia ou dias aos que os celebram em datas diversas. Muito importante é também aquilo que começou por ser apelidado Grupo Nós, que confere apoio social, financeiro e psicológico, no seguimento das várias situações identificadas em parceria com a DECO. Ou e como afirma, “temos de dar atenção às nossas pessoas para que elas dêem atenção aos nossos clientes”.

Começando, com um sorriso, a afirmar que tanto na consoada como no final do ano, os seus trabalhadores são brindados com garrafas dos seus afamados vinhos, Martim Guedes fez saber que, na Aveleda, existem 60 casas para os caseiros, as quais são gratuitas e vitalícias. Em reflexão está agora um plano de saúde para todos os colaboradores e a redução das diferenças entre “doutores e engenheiros” e os demais membros da “família” Aveleda.

E quais os grandes desafios para consolidar os programas de efr?

Apesar de o principal desafio da EDP ter sido já atingido – a certificação global -, Paula Carneiro está agora dedicada a promover uma consistência interna, ou seja, a tentar implementar a maior parte das medidas que compõem o seu programa efr em mais geografias onde a EDP opera. Ou seja, a mobilidade dos trabalhadores é significativa e, em alguns países, os expatriados não encontram as mesmas práticas a que estão habituados em Portugal.

Já Rui Diniz deseja, para as suas 14 mil pessoas, “incluir todos sem deixar ninguém para trás”. A título de exemplo, a CUF resolveu emendar uma falha, oferecendo agora um seguro de saúde para todos, desde os professores catedráticos aos profissionais de limpeza. “Se déssemos o dia de aniversário aos colaboradores, tal custar-nos-ia entre 700 a 800 mil euros”, voltou a brincar. “Por isso resolvemos em apostar nos seguros de saúde”, acrescentou. O CEO sublinhou também a continuidade da oferta de bolsas aos filhos dos colaboradores bem como a estes últimos.

Na Fidelidade Assistance debate-se muito o futuro do trabalho, apesar de ninguém saber como este vai evoluir, com Carlos Miranda a lembrar que a proximidade ajuda mais à comunicação do que estar em casa em teletrabalho. O desafio da digitalização e da automação está também em cima da mesa e a seguradora tem já 30% do trabalho associado aos acidentes feito por máquinas. Mas o grande desafio para este gestor é incluir todas as empresas externas com quem trabalham – por exemplo, a dos reboques – no universo da empresa. Outra medida da qual se orgulha e que vai perdurar é o pagamento de serviços, o qual é feito no prazo de uma semana.

No que respeita ao responsável pela Aveleda, também o futuro do trabalho está em discussão. Relembrando o fosso geracional que agora existe, face há 20 ou 30 anos, Martim Guedes tem como principal objectivo fortalecer a motivação e o envolvimento de todos os que com ele trabalham.

Por último, o presidente dos CTT diz apostar particularmente em dois temas, tanto em Portugal como em Espanha, que são a diversidade e a paridade de género. João Bento recorda que ainda existe muitos preconceitos no que respeita às mulheres no mundo laboral, sendo necessário rever os hábitos de trabalho e, em termos de diversidade, “propagar” as medidas efr, que ainda não são para todos, e também às empresas que com os CTT trabalham.

Certificados e novelos de lã pelo ar

A entrega dos certificados efr às empresas seguiu-se ao debate, num ambiente informal e de boa disposição, tendo estes sido entregues por Rafael Fuertes, da Fundación Másfamilia , pelo presidente da ACEGE, João Pedro Tavares e por Armindo Monteiro, actual presidente da CIP, o qual aproveitou o momento para partilhar algumas ideias que pretende ver em acção na Confederação Empresarial de Portugal.

Começando por sublinhar que é possível mudar a sociedade a partir das empresas e, no caso das que se comprometem a ser familiarmente responsáveis, ser este um acordo imprescindível, Armindo Monteiro apresentou, ao de leve, algumas das intenções do Pacto Social da CIP, o qual será brevemente discutido com o Governo.

Entre as propostas está o aumento de rendimento (distinção entre salário bruto e líquido), na medida em que, e por exemplo, quando se aumenta um empregado, esse aumento vai directamente para o Estado. È igualmente necessário, diz, preparar a sociedade para o aumento da esperança de vida, ou seja, da longevidade e estarmos prontos para o “descanso do guerreiro” E para pensarmos na reforma, é igualmente necessário apostar em mais instrumentos de poupança. Sobre um assunto completamente diferente, mas de importância extrema – a Saúde Mental -, o presidente da CIP afirma que esta deverá fazer parte da “avaliação” da empresa, tendo em conta um aumento do números de seguros de saúde para os trabalhadores.

Falando por fim da necessidade que existe em ajudar à sustentabilidade das empresas, Armindo Monteiro chamou por último a atenção para a adopção de programas como o efr e também para o Compromisso Pagamento Pontual, que resultou, entre vários parceiros, de uma enorme proximidade entre a ACEGE e a CIP há mais de uma década.

As palavras finais estiveram a cargo de João Pedro Tavares, que considera o programa efr como a “dignidade do trabalho”, subjacente a uma fórmula fulcral: pessoas, família e empresas. O presidente da ACEGE relembrou ainda que há que questionar se as empresas são lugares de esperança e se os novos líderes são motivadores da mesma.

E, tendo em conta a sala cheia, acredita que sim, que tal é um sinal de esperança.

Em baixo, uma foto da “família efr”, numa rede que simboliza a entreajuda e a ligação entre empresas tão diferentes, mas unidas num objectivo comum.

CUF Tejo Universidade Nova, Acege EFR, Diplomas

FOTOS: © Vitor Machado

Editora Executiva