POR HELENA OLIVEIRA
Gurnek Bains é o co-fundador e presidente do conselho de administração da YSC, uma das maiores consultoras de psicologia corporativa do mundo, espalhada por 20 países e “parceira” habitual de trabalho de cerca de 40% das empresas que compõem o FTSE100, ou o índice das multinacionais mais poderosas dos Estados Unidos. O seu mais recente livro – Cultural DNA: The Psychology of Globalization – tem como base uma pesquisa extensa e original proveniente de áreas como a neurociência, a genética comportamental, a psicologia e a história e funciona como um convite para os líderes globais, empresariais e políticos, se colocarem “na pele do outro” com vista a um envolvimento e compromisso mais elevados num mundo crescentemente globalizado.
Na medida em que o trabalho agora publicado dá “muito pano para mangas”, o VER optou por dividir a mensagem deste livro em dois artigos distintos. Neste, o leitor poderá “viajar no tempo” e acompanhar o raciocínio do autor que o leva a afirmar que a crise da zona euro, no geral, e as recentes discórdias que opõem os alemães aos gregos, no particular, poderão ter origem nas duas rotas, completamente distintas, através das quais a população original de caçadores recolectores chegou ao Velho Continente, há 45 mil anos.
Nesta mesma newsletter, poderá ainda ler um artigo, cuja temática faz parte integrante do livro em causa, e que se baseia numa extensa pesquisa que o autor e a consultora que dirige realizaram sobre os diferentes estilos de liderança, tanto ao nível político como corporativo, na arena global. Para Gurnek Bain, os líderes que têm nas suas mãos desafios globais têm de ser igualmente especialistas culturais, psicólogos e historiadores, caso pretendam imprimir a diferença e deixar algum legado digno de nota no longo prazo.
Mas e por questões de “proximidade” e de actualidade, vejamos o que Gurnek Bains “descobriu” sobre o efeito do ADN cultural na crise da zona euro, em particular da que continua a afectar os países do sul da Europa.
A psicologia subjacente à crise da zona Euro
Com o braço de ferro entre gregos e alemães a dominar as notícias da actualidade, seria um desperdício não partilhar a visão de Gurnek Bains sobre aquela que não é apenas uma batalha económica ou financeira, mas também uma divisão em muito assente nas diferenças culturais cruciais que separam os dois países. Mas Bains vai mais longe e, num excerto do livro publicado pela revista Fortune, oferece a sua visão – de acordo com a investigação que fez para a obra em causa – sobre a ausência de “sustentabilidade económica” do projecto europeu, a qual não foi suficientemente tida em conta pelos seus criadores, simplesmente porque não se deram ao trabalho de avaliar os factores culturais, extremamente enraizados, de uma Europa que partilha um elevado nível de similaridade cultural mas, em simultâneo, integra nas suas fronteiras várias divisões no que respeita a “instintos culturais e psicológicos”, bem espelhados, no geral, pelos gregos e pelos alemães.
Esta falta de visão pode igualmente ser aplicada às ambições económicas da Índia, China e de outras economias emergentes e é também abordada no livro em causa. E, uma nota prévia: “os líderes globais que pretendam ser bem-sucedidos nas suas batalhas “transfronteiriças” precisam de se transformar em especialistas culturais, psicólogos e historiadores, caso pretendam deixar uma marca de longo prazo nas empresas ou países que lideram”.
Para o autor, a importância da declaração acima proferida é bem ilustrada se olharmos com mais atenção para a crise da zona euro. “A vontade para criar uma entidade económica única, com uma moeda comum, uma circulação livre de pessoas e regras consistentes foi baseada no pressuposto, não inteiramente comprovado, mas forte, da existência de um elevado nível de similitude cultural entre os países europeus”, escreve. Mas, se por um lado, esta é uma verdade, por outro, é igualmente patente o facto de os instintos culturais e psicológicos dos gregos não serem os mesmos do que os dos alemães.
Sem qualquer tipo de juízo de valor, o autor chama a atenção para as diferenças óbvias e superficiais – como o facto de os gregos serem mais persistentes e mais hábeis a “driblar” as regras da UE, por exemplo no que diz respeito à proibição de fumar em espaços públicos – ao mesmo tempo que sublinha uma acentuação das mesmas no que respeita às atitudes relativas a questões financeiras e económicas, as quais os criadores da moeda comum falharam em reconhecer ou as encararam de forma demasiadamente optimista. Para Gurnek Bains, torna-se agora evidente que alguns dos problemas [da zona euro] tiveram origem nas formas distintas de abordar a gestão económica, o pagamento de impostos, as atitudes relativas à contração de empréstimos e a orientação relativamente ao trabalho que existem nos países pertencentes à União Europeia e que podem, a seu ver, vir a ameaçar todo o projecto europeu.
E, “escavando mais fundo”, o autor argumenta que estas diferenças em termos de atitude e comportamento têm origem nas distinções profundas que separam vários países no que respeita ao seu sistema de valores. De um modo muito geral, os países do sul e a Irlanda são muito mais religiosos, mais relacionais e agem “no calor do momento” versus os do norte que são mais seculares, mais individualistas e com instintos psicológicos “ de longo prazo”.
As culturas mais individualistas exigem outros mecanismos, independentes de uma autoridade religiosa ou da sanção de alguém da comunidade para regular o comportamento das pessoas, colocando, por isso, uma ênfase muito mais forte nas regras estabelecidas pelo Estado ou por outras instituições com peso análogo. Por seu turno, nas culturas mais relacionais do sul da Europa e na Irlanda, é mais fácil contornar as regras impostas por instituições mais distantes, sendo a obrigação devida ao círculo mais imediato que rodeia a pessoa que mais conta.
Adicionalmente, para os que vivem numa cultura moldada por orientações de curto prazo é também mais comum incorrer em comportamentos de risco quando ocorrem oportunidades económicas criadas, por exemplo, pelo acesso a dinheiro com taxas de juro baixas, sem se pensar muito nas consequências de longo prazo, de que são exemplo os financiamentos fáceis ou os benefícios concedidos pelos governos, em altura de “vacas gordas”.
As fronteiras – não só geográficas – que separam o norte e o sul da Europa
Mas de onde provêm estas diferenças nos sistemas de valores entre estas regiões (norte e sul da Europa)? Por mais surpreendente que possa parecer, e como escreve o autor, “do ponto de vista do ADN cultural, os instintos psicológicos divergentes entre os países do sul da Europa, mais a Irlanda, relativamente ao norte da Europa, fazem sentido se levarmos em linha de conta a forma como os humanos modernos se estabeleceram na Europa há 45 mil anos”.
Como é bem fundamentado no livro, a população original de caçadores recolectores da Europa chegou ao Velho Continente através de duas rotas completamente distintas – o que, de acordo com Bains, teve um enorme impacto no seu ADN cultural e psicológico. Um desses caminhos foi feito através do Médio Oriente, via Anatólia, de seguida através dos Balcãs e finalmente atingindo o sul da Europa. O outro envolveu uma rota mais a norte, através do Cáucaso e da Rússia Ocidental, passando pela Europa de leste, Polónia e Alemanha.
“Apesar da severa era do gelo e dos subsequentes eventos terem alterado a ‘fotografia’ mais tarde, muitos dos povos que actualmente habitam o norte da Europa são descendentes da população que seguiu o segundo caminho, sendo que os do sul trilharam, em grande parte, a primeira rota”, escreve Bains. E isso pode explicar o facto de, adicionalmente, quando ocorreu a expansão dos refugiados desta era glaciar, aqueles que se movimentaram em direcção ao norte, foram obrigados a lidar, ao longo de milhares de anos, com um ambiente ecológico radicalmente diferente comparativamente aos do sul. E, para sobreviver aos severos invernos do norte, o planeamento de longo prazo, em conjunto com uma ética rigorosa de trabalho, foram absolutamente cruciais para a sua sobrevivência, elucida o autor, acrescentando ainda uma outra curiosidade: “existem evidências consideráveis de que um movimento de pessoas provenientes de Espanha seguiu a rota da costa do Atlântico para repovoar a Irlanda e a zona ocidental da Escócia. “Na actualidade, existe uma linha genética clara divisora que atravessa o Reino Unido e que reflecte este movimento”, assegura.
Voltando às ligações possíveis destes eventos milenares com a crise actual que grassa na Europa, Bains sublinha ainda que muitos dos traços culturais, incluindo o catolicismo, mapeiam este padrão de entrada e difusão no Velho Continente, sendo que a crise europeia segue exactamente este mesmo padrão, incluindo o envolvimento da Irlanda. O autor defende assim que existem argumentos sólidos para se afirmar que o padrão das migrações e os distintos desafios ambientais que os humanos enfrentaram no sul e ao longo da costa atlântica conduziram a uma evolução dos seus instintos psicológicos e culturais de uma forma completamente diferente face aos que tiveram de enfrentar os desafios ambientais mais rigorosos colocados pela era glaciar e consequentes condições ecológicas [os do norte].
Para Bains, compreender as razões mais profundas originárias destas dificuldades não consiste apenas num exercício de exploração intelectual, na medida em que as mesmas têm implicações para o futuro. Para o autor, os alemães não irão desistir facilmente da sua vontade de impor regras e orientações explícitas que conduzam ao sucesso no longo prazo – na medida em que a sua sobrevivência no passado dependeu fortemente desta atitude. E, no que respeita aos gregos, a tentação para optar por abordagens de curto prazo e mais humanísticas, continuará a ser irresistível.
Assim, para resolver esta crise, de forma genuína e sustentável para o longo prazo, será necessário abordar e trabalhar nestas diferenças culturais, alerta Bains. E, para tal ser possível, os países do norte terão de questionar os seus instintos e adaptá-los tanto quanto os seus congéneres do sul foram obrigados a fazer. A capacidade de gerar empatia e olhar o mundo através dos olhos do “outro” consiste num enorme desafio, o qual, se não for abordado, poderá condenar todo o projecto europeu, alerta.
* Se pretender conhecer o trabalho deste ilustrador grego, clique em: http://estebanned.wix.com/portfolio
Editora Executiva
Porque é que são os países do Norte a terem que se adaptar “como fizeram os países do Sul” (ou seja, a colocar de lado a ênfase no longo prazo e a adoptar o imediatismo e o “jogo de cintura” para quebrar normas), e não os do Sul a terem que se adaptar — como fizeram os países do Norte — a pensar em termos de longo prazo?!…
Queremos uma Europa baseada no “chico espertismo” imperante no Sul, ou uma Europa baseada na ética de trabalho reinante no Norte?
A sua questão é muito pertinente. E a falha pode ter sido minha pois, na frase que sublinha, a ideia era uma “dupla adaptação”, temática bem desenvolvida no livro em causa. Ou um aproveitar do “melhor” que cada cultura tem para que a Europa se una, mesmo nas suas diferenças. Agradecemos o comentário,
Helena Oliveira
Gostaria de conhecer a opiniao que especialistas em genetica e evolucao humana tem deste tipo de declaracoes vindas de psicologos.
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