As empresas que lideram no seu mercado “são as que apresentam melhores práticas de governação”. Foi com base neste pressuposto que a Bnomics lançou o livro “Responsabilidade Social em Portugal”, onde a identidade de organizações como a AXA, a Delta, a Fundação EDP, a Fundação PT e o Montepio serve de mote para analisar os fundamentos teóricos inerentes ao ainda recente, mas já evoluído, conceito de RS. Em entrevista ao VER, Tiago Robalo Gouveia, um dos cinco autores desta obra, defende que numa sociedade onde “há cada vez mais empresas cidadãs”, tem de haver correspondência entre identidade e imagem
De que modo contribui a Responsabilidade Social (RS) para a construção da identidade empresarial? Estratégica e operacionalmente, a relação é estreita e estabelece-se a partir da imagem de uma empresa junto dos seus públicos, isto é, da sua reputação. E se o tema é controverso no que concerne a relação com a ética, a incorporação da RS no ADN da empresa traz benefícios incontornáveis à actividade da mesma, e é hoje uma realidade em muitas organizações, principalmente nas de maior dimensão e nas que lideram a área de negócio onde actuam. Partindo de cinco casos de estudo de grandes empresas e fundações, os autores Ana Sá Leal, Joaquim Caetano, Nuno Goulart Brandão, Sofia Estrela Duarte e Tiago Robalo Gouveia lançaram, a 28 de Junho, no auditório do Montepio, em Lisboa, a obra “Responsabilidade Social em Portugal”. Com prefácio do Alto-comissário das Nações Unidas para os refugiados, António Guterres, a edição da Bnomics traça a identidade de organizações como a AXA Portugal, a Delta Cafés, a Fundação EDP, a Fundação PT e o Montepio, todas elas com estratégias de sustentabilidade consolidadas, apresentando-as como “exemplos de excelência no âmbito da Responsabilidade Social Empresarial rumo ao desenvolvimento sustentável”. Mas não sem antes analisar os fundamentos teóricos inerentes ao ainda recente, mas já evoluído, conceito de RS: Responsabilidade Social Empresarial, Cidadania Empresarial, Voluntariado Empresarial e Desenvolvimento Sustentável. É que, se “só há uma maneira de gerar riqueza: criando bem-estar junto da sociedade e especialmente junto dos cidadãos em situações socialmente mais desfavorecidas”, como afirma no livro António Guterres, “às empresas cabe a capacidade de saberem integrar na sua corporate governance a sustentabilidade, para que os seus stakeholders tenham mais-valias ao nível social, económico e ambiental, envolvendo-se e envolvendo as partes interessadas na construção de uma sociedade com menos desequilíbrios”. É precisamente num “quadro onde a sustentabilidade da nossa vida colectiva esteja presente” que o livro “Responsabilidade Social em Portugal” ganha importância, pois nele se encontra uma “preocupação com as pessoas, com o desenvolvimento sustentável das empresas e com o país” em geral, defendeu, na apresentação da obra, o presidente do Conselho de Administração do Montepio, António Tomás Correia. E se actualmente “somos um país que está a perder capacidade de gerir o seu futuro”, como comentou Sérgio Figueiredo, outro dos oradores presentes no lançamento desta obra, “o tema da RS convoca-nos a todos para uma mudança de comportamento colectiva”. Neste contexto, a RS “não pode ficar no final da cadeia de valor, como dantes”, conclui o presidente da Fundação EDP, para quem o tema encontra “uma resposta centrada nas pessoas, que são hoje a inovação”. Também Óscar Vieira, administrador delegado da Fundação PT (outro dos convidados presentes no Auditório do Montepio, ao lado dos representantes do Montepio, da Fundação EDP e da AXA), considerou que “a transversalidade da RS em toda a organização é um factor crítico” de sucesso. E porque, para o nosso próprio sucesso, “devemos dar o exemplo face ao que defendemos”, como sublinhou Nuno Goulart Brandão, os direitos de autor desta edição revertem para uma instituição do Terceiro Sector, a AFID – Associação Nacional de Famílias para a Integração da Pessoa Deficiente. Como surgiu a oportunidade de desenvolver esta obra que liga a Responsabilidade Social ao conceito de identidade empresarial, reunindo cinco autores com competências académicas e profissionais nesta área transversal?
A identidade de uma instituição é construída pela relação com as suas partes interessadas, pela forma como vê e é vista pelas mesmas. A Responsabilidade Social contribui fortemente para a construção da identidade empresarial, já que não faz sentido possuir intrinsecamente determinados valores e não os aplicar em todas as frentes da empresa, nomeadamente nas suas estratégias e práticas de Responsabilidade Social. Acima de tudo, tem de haver correspondência entre o que a empresa é realmente – ou seja, a sua identidade – e a imagem que os públicos têm, caso contrário é posta em causa a imagem e reputação da empresa. A transparência e a coerência são aspectos que devem estar presentes para o bem da sobrevivência das empresas. Os consumidores valorizam cada vez mais as boas práticas empresariais, integrando esse aspecto nas suas escolhas. Qual é a oportunidade deste livro no actual contexto socioeconómico e numa altura em que não se publicava nenhum livro especificamente dedicado ao tema, há já algum tempo? Enquanto autores e profissionais atentos ao “pulsar empresarial” e aos acontecimentos globais consideramos que a publicação de um livro na área da Responsabilidade Social com uma abordagem teórica e prática é fundamental. A componente teórica pretende dar a conhecer alguns aspectos relevantes do tema, fazendo referência igualmente à nossa abordagem sobre a Responsabilidade Social, que é comprovada depois através dos casos de estudo presentes. Cinco áreas de mercado distintas – Seguros, Café, Energia, Telecomunicações e Banca, representadas respectivamente pela AXA Portugal, Delta Cafés, Fundação EDP, Fundação PT e Montepio, pretendem demonstrar que em diferentes áreas de actividade está presente a Responsabilidade Social nas mais diversas formas, não descurando a Sustentabilidade. Com que objectivos optaram por dar destaque a casos de excelência de três empresas de dimensão relevante, todas elas com estratégias de sustentabilidade bem implementadas, e de duas das principais fundações com vocação social do país? A presença de três grandes empresas de dimensão relevantes e duas das principais fundações do nosso país prende-se com o facto de querermos demonstrar que em Portugal existem boas práticas de Responsabilidade Social, e que as estratégias de Sustentabilidade estão igualmente presentes. Temos muitos motivos para nos orgulharmos do nosso país. As instituições apresentadas neste livro são reconhecidas pelo seu desempenho a nível global, nacional e local, tendo já obtido prémios internacionais e outro tipo de classificações meritórias. No momento em que o tema da Portugalidade está na ordem do dia, e em que algumas marcas estão a associar-se às raízes do nosso país, pensamos que estes exemplos são bem-vindos. Quais são as principais conclusões a retirar dos trabalhos académicos apresentados como fundamentos teóricos, incidindo nas temáticas da RSE, Cidadania Empresarial, Voluntariado Empresarial e Desenvolvimento Sustentável? A Cidadania Empresarial das empresas globais tem desempenhado um papel preponderante: estas têm vindo a assumir uma função que até agora estava remetida ao Estado e a outras instituições de apoio social. Uma boa cidadania empresarial passa por eliminar qualquer forma de descriminação e estabelecer uma política de emprego para deficientes, entre outros aspectos. A incorporação da cidadania empresarial depende dos seus líderes, “transpirando” para toda a organização, tornando-se parte da sua cultura. A tendência é que as empresas sejam cada vez mais “empresas cidadãs”, contribuindo para o bem comum. No que toca ao Voluntariado Empresarial, assistimos a uma consciencialização do papel que as empresas podem assumir no reforço da cidadania e da procura de equilíbrio entre a dimensão social, a sustentabilidade económica e a protecção ambiental. São já muitas as empresas em Portugal que têm “Bolsas de Voluntariado”, disponibilizando horas do período laboral dos seus colaboradores, para que estes se possam envolver em causas em prol da comunidade. São diversas as vantagens. Nos colaboradores verifica-se um aumento da auto-estima, da capacidade de trabalho e maior tolerância e flexibilidade nas relações interpessoais, entre outros aspectos. A comunidade ganha maior sentido de responsabilidade e integração cívica, bem como o apaziguar dos problemas existentes, promovendo também a sua dignidade. A empresa ganha colaboradores mais motivados e com sentido de orgulho por pertencerem a uma organização com sentido de responsabilidade. O Desenvolvimento Sustentável é indissociável dos aspectos referidos anteriormente. A criação de valor, quer ao nível ambiental, quer ao nível social, e ao nível económico, não colocando em causa o desenvolvimento das gerações futuras, depende em muito da “marca” que cada um de nós deixa no planeta, e isso aplica-se a pessoas e empresas. Os princípios éticos e responsáveis são premissas para que isso aconteça. Face a essas conclusões, como se pode definir o actual estado-da-arte da RSE e do desenvolvimento sustentável em Portugal? Passar o cheque já não é suficiente. O empenhamento e a envolvência junto da comunidade é cada vez maior, com o desenvolvimento de acções de voluntariado empresarial, em que por vezes várias empresas se juntam em torno da mesma causa. É já uma realidade em Portugal a aplicação de boas práticas de RS junto dos stakeholders, em geral, e dos colaboradores, em particular, mostrando a sua importância e incentivando a que haja uma participação cada vez maior a nível interno. As políticas empresariais rumo ao desenvolvimento sustentável, com a criação de valor acrescentado para todos os cidadãos, têm sido uma forte aposta de todas as empresas: o uso de recursos de forma eficiente, o apoio ao desenvolvimento social, a protecção ambiental, entre outros aspectos. Podemos afirmar que o balanço é positivo e que existe disponibilidade e vontade de mudança por parte das empresas e pessoas. O livro pretende dar um contributo reflexivo para a importância de novas formas de encarar a gestão empresarial. Compilados cinco casos de estudo de grandes empresas e fundações, quais são hoje essas novas formas? Não é por acaso que, segundo um estudo da Havas Media apresentado em Maio deste ano, em que são contempladas 150 marcas, num universo de trinta mil entrevistas a consumidores, a maioria não se importaria se dois terços das marcas actuais desaparecessem, ou seja setenta por cento. Segundo o estudo, quanto mais sustentável for uma marca, isto é, quanto maior valor tiver para as pessoas, sociedade e planeta, mais significado passará a ter para os consumidores. Cada vez mais os consumidores são fiéis às marcas que têm em conta as questões da cidadania, da Responsabilidade Social e do desenvolvimento sustentável. A inovação social é uma tendência que tem mostrado resultados muito positivos e que está presente nas instituições que são caso de estudo. O “like” pode ser ou não accionado pelos cidadãos, mas esse “clique” vai depender muito das empresas. |
|||||||||||
Jornalista