Se não entende as primeiras 4 palavras do título desta opinião, pois bem, está exactamente com o mesmo problema que eu. É que não ‘sprechar’ alemão até é o menor dos nossos problemas. A coisa tende a complicar é quando não compreendemos nicht da kultur que é tão semelhante à nossa como as sardinhas assadas são parecidas com o schwabenschnitzel. Ambos se comem bem, mas não no mesmo prato
POR NUNO OLIVEIRA

Num momento em que em Portugal ser anti-Merkel é quase tão popular como ser pró-Messi, fica a dúvida se realmente podemos culpar a peculiar e idiossincrática chefe de estado teutónica de todo o mal que recaiu sobre a terra de Bordalo Pinheiro e das suas primorosas criações. Não sendo propriamente fã da chanceler, também não me parece que estejamos de todo sob o jugo do quarto Reich, nem possamos argumentar acerca da queda da democracia enquanto pilar político fundamental da União Europeia. Talvez andássemos iludidos connosco mesmos, com a facilidade prática com que chutávamos os velhos e novos dilemas de uma pequena e frágil economia para um futuro longínquo enquanto descaradamente pensávamos kein problem com nossos botões.

Entrementes, algures para lá dos Pirenéus, a ideia da moeda única enegrecia nas montanhas alpinas num autêntico anel dos Nibelungos, outrora posse de Poseidon e motor da sua revolta contra Atena no sentido de subjugar as terras de Europa. Mas, como sabemos, as coisas não estão famosas para divindades gregas, embora o poder de dominar territórios do velho continente dê um jeitão nos dias que correm. Diz-se que foi daqui, do anel da saga épica de Siegfried e Kriemhild e não do €uro, que Tolkien sacou a inspiração do anel que a todos regia. Mas, tal como na trilogia de JRR, para além dos reinos antigos de árvores brancas, minas tenebrosas, planícies ermas e montanhas amaldiçoadas, existe na velha Europa uma terra hobbitualmente definida por sistematicamente subdesenvolvida, rústica, habitada por criaturas de pequena estatura e mais dadas a folguedo do que à adopção de régios costumes dos abastados governos de monarcas iluminados de sítios longínquos e línguas bárbaras. No entanto, ao que parece, lá para o fim do terceiro calhamaço, os pequenotes andrajosos lá safam a malta com a destruição daquele vínculo maldito que a todos unia e que a todos ameaçava mergulhar num negro jugo sem outro propósito que a destruição de toda a réstia de esperança e felicidade.

Em suma, nós não somos alemães, o que é bom para os alemães, porque eles também não são como nós e é ai que está a piada. Aposto que é nesta Europa multicultural, de distintas culturas e valores que, embora misturados à força, se afiguram imiscíveis quando a sombria circunstância da presença de um elo forjado para a todos nos submeter. Mas talvez seja essa a nossa força, a nossa e a dos alemães, franceses, italianos, gregos e demais povos europeus, a força da diferença, das alianças feitas com a alma limpa e aberta ao mundo, das relações multiculturais de onde nada se perde mas tudo se cria e renova, na nossa capacidade intrínseca para saber, quase de forma intuitiva, que crescimento e maturidade são duas coisas completamente distintas e diferenciadoras de uma sociedade ansiosa ou sábia, queiramos agora discernir por que trilhos queremos rumar para sair desta bruma que se afigura eterna e sufocante.

Não acredito, nem um pouco, na austeridade enquanto sistema, em moedas únicas enquanto remédio santo para a dislexia financeira, no medo da diferença enquanto factor de inovação e competitividade, na economia escravizada pelo indicador cego do Produto Interno Bruto que nada mede quanto à verdadeira riqueza, a do capital natural, social e cultural, no discurso político conflituoso porque sim, e demagógico porque não, na infantilidade de que alguém virá para nos salvar, nem que tenhamos que ser resgatados aos gritos e estrebuchos, mas com lágrimas de alívio enquanto somos arrastados para a alçada salvadora. Não acredito que Angela Merkel seja a condutora de uma wehrmacht devoradora nem que o modelo alemão seja pouco mais do que ersatz desadequado para o que deveria ser o renascer do modelo económico Português.

No dia em que soubemos que a final da liga dos campeões iria ser disputada entre duas equipas germânicas, resta-nos parabenizar os organizados, inteligentes e aparentemente felizes cidadãos do colosso centro europeu. No entanto, sabemos que até nestas coisas do futebol, imitar por imitar dá mau resultado, pior mesmo só obrigando os outros a comportarem-se da mesma maneira. Como dizia Lineker, “o futebol é um jogo de 11 contra 11 e no fim ganha a Alemanha”. Pode ser que, se deixarmos de tratar a economia a pontapé, possamos um dia sonhar com um resultado diferente.

Biólogo e CEO da NBI – Natural Business Intelligence