Como mobilizar para o 3º Sector? Para debater os desafios inerentes à capacitação e formação de competências, parcerias com o meio empresarial e cooperação estratégica, medição do impacto ou fundraising que as organizações sociais ainda enfrentam, a Fundação Gonçalo da Silveira dinamizou recentemente um debate centrado na importância de comunicar (n)o sector não lucrativo. Jornalistas e responsáveis de Comunicação, RS e Sustentabilidade de empresas e IPSS multiplicaram-se em ideias para convergirem numa certeza: a estratégia das organizações tem de integrar esta área, fundamental para o crescimento, em curso, dos negócios sociais
POR GABRIELA COSTA

“A seguir a fazer o que é certo, é muito importante deixar que as pessoas saibam que está a fazer o que é certo” – John Rockefeller

O 3.º sector gera cerca de 250 mil empregos, ocupando 5% do PIB nacional e, desde 2011, em plena crise económica, permitiu a criação de 46 mil novos postos de trabalho, segundo dados da CASES/INE e do Ministério da Solidariedade, do Emprego e da Segurança Social. Na União Europeia, representa 10% do PIB e 7,5% de empregabilidade, “números para os quais queremos caminhar”, afirmou Domingas Carvalhosa no Encontro “Como Mobilizar para o 3º Sector”, sublinhando que o peso cada vez mais significativo que os negócios sociais ocupam na economia nacional devem obrigar a uma evolução “cada vez mais no sentido da profissionalização”.

Face a este potencial de crescimento, a citação de Rockefeller, proferida pela empresária, empreendedora e managing partner da Wisdom Consulting (Lift World) no evento dinamizado a 25 de Setembro pela Fundação Gonçalo da Silveira (FGS), com o apoio da Plataforma Portuguesa das ONGD e do Portal VER, ilustra bem o grande desafio que o debate quis suscitar: sensibilizar o 3º sector para a importância da comunicação, bem como para a melhoria das suas competências na abordagem a potenciais parceiros empresariais e para a motivação para estabelecer parcerias de proximidade com o meio empresarial, incentivando a partilha de perspectivas e experiências com as várias partes interessadas.

Esta necessidade de o 3.º sector se capacitar para conseguir comunicar o bem que faz passa necessariamente por “integrar a comunicação e as relações públicas na sua estratégia de gestão”, conclui a especialista da Lift .

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“As questões não respondidas são inimigas da comunicação”

Credibilidade e transparência, goodwill, imagem e reputação, engagement com os stakeholders, contactos e parcerias, e angariação de fundos são alguns dos principais aspectos que melhoram com a comunicação. E as organizações sociais devem apostar na formação e capacitação dos seus colaboradores a este nível, defende Domingas Carvalhosa: “hoje em dia, muitas agências oferecem a sua disponibilidade para apoiar estas instituições”, mas “não conseguem ajudar todas”. Neste contexto, “é essencial capacitar as instituições para se tornarem autónomas a contactar media e stakeholders”, insiste.

A especialista explicou às ONGD e demais organizações do sector não lucrativo presentes na plateia como planificar um ciclo de comunicação (ver caixa), exemplificando com um estudo de caso em que o Lift World foi responsável pela comunicação do projecto: o Programa Semear – Terra de Oportunidades, lançado pelo BIPP – Inclusão para a Deficiência no final de 2014, com vista a habilitar jovens com necessidades especiais, através de uma formação inclusiva e certificada, para inserção no mercado de trabalho nas áreas de agricultura e jardinagem.

A área de Public Affairs da agência “foi fundamental para a implementação do projecto”, conseguindo que a inauguração do centro SEMEAR fosse presidida pelo Ministro da Segurança Social, Pedro Mota Soares; e o Lift World assegurou também a organização do evento e a assessoria de imprensa de todo o projecto. O resultado, assente na prossecução dos vários passos de uma estratégia de comunicação, foi uma divulgação desta formação do BIPP (que deverá abranger um total de 72 jovens, em três anos), “sob diferentes perspectivas”, o que garantiu “a sua cobertura mediática em diversos meios”.

O reverso da medalha deste ciclo, isto é “os piores inimigos da comunicação”, são a inconsistência na mensagem, a desonestidade, que quebra a credibilidade, a falta de comprometimento com as acções, principalmente por parte do topo da organização, e as questões não respondidas, porque mesmo que sejam difíceis, a transparência é fundamental para conquistar visibilidade, concluiu Domingas Carvalhosa.

Tal como o é “o poder de uma história”. Cada testemunho, quando passa a ser pessoal, “deixa de ser um número e passa a ter um rosto”, defende Sofia da Palma Rodrigues, responsável do Núcleo de Narrativa dos Bagabaga Studios.

“As histórias ligam-nos aos outros”

A verdade é que, “entre tantas informações veiculadas a todo o instante”, uma história de vida ou o drama de uma família, quando comunicados de modo intimista, destacam-se entre os conteúdos que maior interesse despertam na sociedade. Estas histórias podem ser contadas “de várias formas e em diferentes formatos”, mas têm em comum o essencial da sua mensagem: “ligam-nos ao outro”, diz Sofia Rodrigues.

A segunda oradora no painel ‘Comunicar (n)o sector não lucrativo’ do Encontro da FGS (moderado pela jornalista Ana Rita Ramos) acredita que é preciso “inovar nos formatos e materiais”, e tornar os projectos “apelativos”. “Exchange” é uma iniciativa que promove o empreendedorismo feminino em Portugal, e no apoio que deram a mesma, os Bagabaga Studios não quiseram “números nem especialistas: as pessoas comuns é que merecem ser ouvidas, porque são os especialistas da sua própria vida”, justifica Sofia Rodrigues.

Para esta responsável, um dos desafios do terceiro sector é a falta de tempo para “a necessidade de parar, de nos libertarmos dos nossos automatismos e tentar fazer melhor e diferente”. “Sair fora da caixa” implica sempre, na sua perspectiva, e numa lógica de proximidade, “retirar o foco das organizações e colocá-lo nas pessoas”, quando se comunica.

“O direito à comunicação tem de ser conquistado”

Já o jornalista Pedro Camacho, também convidado a debater, neste Encontro, os desafios de comunicação que o 3.º sector enfrenta, defende que quando as empresas “se envolvem em causas sociais “querem ver transparência e prestação de contas, mas também visibilidade. Querem sentir que ganham em apoiar”. Ou seja, a visibilidade da organização é, talvez, mais importante do que a da história contada, embora “a melhor maneira de impactar” seja “falar da pessoa, do que pode ser a realidade dela amanhã”, reconhece. A credibilidade e imagem da organização social resultam da sua capacidade para ser profissional, “essencial” para o ex-director da Visão.

Mas o problema fundamental do 3.º sector em Portugal é não ter escala, diz: para “actores de pequena dimensão, é uma dificuldade chegar à comunicação”. Na opinião de Pedro Camacho, os muitos projectos de natureza local que se desenvolvem não encontram no País “uma cultura de informação local”, dado que “temos pouca imprensa regional”, quando beneficiariam precisamente em apostar numa cobertura a esse nível, já que não têm dimensão para comunicar a nível nacional.

Neste âmbito, o jornalista alerta as organizações que “é preciso terem noção do que são e de qual o melhor caminho para chegar aos media”, defendendo que por vezes é mais importante para uma associação local conseguir uma mobilização de proximidade. E recordando o caso da Delta, que “foi crescendo sempre ligada à comunidade e é hoje uma referência, não só a nível nacional”.

Por outro lado, “o direito à comunicação tem de ser conquistado. Só ocupa esse espaço quem o merece”, sublinha. Face à sua experiência com o 3º sector, Pedro Camacho acredita que para chegarem aos media com sucesso, os projectos têm de ser bem desenhados e transparentes ao nível da prestação de contas. Mas têm também de ter “alguma história” e notoriedade: na Visão Solidária “apareciam cento e tal candidaturas e sempre tivemos o cuidado de escolher os projectos que eram mais proactivos e nos davam garantias [de qualidade]”, especifica. Também da experiência pessoal que retira de parcerias com o Montepio, conclui que “para apoiarmos projectos precisamos de um parceiro que nos dê garantias” sobre o mesmo. Daí que a cooperação (operacional e financeira) e o trabalho em equipa sejam também “fundamentais” para “dar mais força” a este sector.

Finalmente, “possuir competências técnicas na área da comunicação é fundamental”. Hoje “aposta-se sobretudo em formação” (e não em dinheiro), “porque o resto vem por arrasto”, ou seja, é a partir dessa capacitação que muitas organizações conseguem atingir, e depois comunicar, um “trabalho extraordinário”.

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“O conceito de simbiose é a base da estratégia de sustentabilidade”

‘A Responsabilidade Social e o Fundraising’ foram os temas que deram o mote ao segundo painel do evento da FGS, reunindo intervenientes do sector empresarial – público e privado – e da sociedade civil, num debate moderado por uma especialista do meio académico: Madalena Eça de Abreu, docente na ISCAC Business School, coordenadora científica da Pós-Graduação de Fundraising em Acção e autora do livro “Marketing Religioso”.

Para Fátima Borges, da Direcção de Responsabilidade e Sustentabilidade da AdP – Águas de Portugal, o “grande objectivo” das empresas, na sua relação com uma ONG ou qualquer outra organização de âmbito social, é “o envolvimento que podem ter” na resolução de um problema”, premissa que constitui, por sua vez, o objecto de qualquer negócio social.

É neste contexto que para o grupo AdP “o conceito de simbiose é a base da estratégia de sustentabilidade”, a todos os níveis (ambiental, económica, técnica, social, etc.). Esta “relação mutuamente vantajosa” traduz-se num “projecto com muito impacto na organização”: o apoio à Selecção Nacional de Natação Adaptada, através da criação de uma plataforma electrónica para envio de postais de Boas Festas por parte dos colaboradores das várias empresas do grupo, a que se associa um donativo à Federação Portuguesa de Desporto para Pessoas com Deficiência de 0,50 cêntimos por cada cartão enviado (num valor mínimo de mil euros por cada uma das 45 empresas participadas).

Um apoio que se alinha com a “filosofia de parcerias” da AdP, a qual aposta preferencialmente na inclusão, a nível social, na abrangência dos projectos e, naturalmente, na apetência por iniciativas relacionadas com o recurso água, caso desta prática desportiva. No balanço deste projecto – mais de 112 mil e-cards enviados em três anos, a que equivale um total de mais de 92 mil euros angariados e uma redução de custos na ordem dos 115 mil euros -, Fátima Borges conclui que “temos de nos envolver nos projectos e fazer a diferença, mas nunca sozinhos”.

“Dar resposta aos problemas sociais”

Significa isto que a gestão e comunicação de um projecto social devem ser desenvolvidas prioritariamente em parceria. A avaliar pela iniciativa da Fundação Montepio, onde apenas 36% dos programas de responsabilidade social são projectos próprios (isto é, realizados a partir do orçamento global da Fundação), a afirmação é verdadeira.

Nesta IPSS que dá respostas sociais nas áreas da solidariedade, saúde, educação, ambiente e capacitação do 3º sector, todos os outros projectos resultam do trabalho em rede com diversas entidades. Não fosse o Montepio, há 175 anos, uma instituição mutualista.

No Encontro da FGS, e entre os inúmeros projectos que a Fundação realiza, Maria Angélica Aires destaca a Frota Solidária, “boa prática” que, desde 2008, permite adquirir e adaptar viaturas que são oferecidas a IPSS para “dar resposta aos problemas de mobilidade de cidadãos em situação de vulnerabilidade”. Em oito edições, foram entregues 144 viaturas a igual número de organizações sociais.

O projecto, financiado pelo montante que resulta anualmente da consignação fiscal dos contribuintes à Fundação Montepio, mas também por uma verba do seu orçamento, envolve assim colaboradores, comunidade, 3º sector (de forma crescente já que no último ano foram apresentadas 620 candidaturas à Frota Solidária) e empresas fornecedoras de viaturas.

Não obstante o seu sucesso, esta iniciativa apresenta lacunas – “as viaturas não são ecológicas, cada uma é entregue a apenas uma instituição, mas deveria beneficiar duas ou três, e falta fazer a análise de impacto social” do projecto, reconhece a representante do Gabinete de Responsabilidade Social do Montepio. As quais são paradigmáticas face à realidade das OTS: os problemas sociais são cada vez mais complexos, quer no que respeita “a capacitação dos dirigentes e técnicos das organizações”, quer em relação à “sustentabilidade dos projectos” ou ao “aumento da capacidade reivindicativa dos utentes” destas organizações.

Perante estes paradigmas, a escolha de um projecto deve recair sobre factores como o trabalho empenhado e em equipa; a resposta que o mesmo dá a um ou mais problemas sociais; a sua sustentabilidade e inovação; a capacidade de avaliar resultados; e, claro, a transparência não só “em termos orçamentais”, mas também no que concerne a comunicação do projecto pela instituição e pelo parceiro, conclui Maria Angélica Aires.

“Há pouca transparência na medição do impacto”

Voluntariado, capacitação e suporte à gestão e apoios financeiros, estruturais ou de outra natureza são as três bandeiras da estratégia de RS da Brisa. Nos últimos anos, e perante o difícil contexto socioeconómico do País, a empresa somou à sua “causa nacional” de excelência – a segurança rodoviária – o flagelo da pobreza, e associou-se ao projecto REFOOD.

Acabar com o desperdício alimentar e com a fome nos bairros urbanos é a premissa deste projecto que “faz uma ponte humana entre o excesso e a necessidade”, como bem sintetiza Franco Caruso: os voluntários recolhem a comida que sobra numa rede de restaurantes aderentes e embalam-na em doses, nos centros de operações do REFOOD. As refeições são depois distribuídas pelos beneficiários, em função das necessidades do seu agregado.

Actualmente estão a funcionar sete núcleos (que o projecto quer alargar a 60 estruturas em Portugal), os quais fornecem cerca de 20 mil refeições mensais. Um dos centros de preparação e distribuição de comida, que serve as freguesias de São Domingos de Rana, Carcavelos e Parede – o REFOOD Cascais CPR – , é apoiado desde Fevereiro de 2015 pela Brisa, que disponibilizou o espaço, com cerca de 80 m2, dotando-o “das infra-estruturas necessárias à operação, monitorizada pela ASAE”, e que envolve os seus colaboradores no voluntariado associado ao projecto.

Para Franco Caruso, este apoio da Brisa é “coerente com a política que tem seguido, de privilegiar projectos sociais dirigidos a dar resposta às necessidades da comunidade envolvente da empresa, numa filosofia commit & engage”. O objectivo, em cada causa social, é “assumir uma relação de parceria, de médio/longo prazo, através de um apoio estruturado e continuado, prestando recursos materiais e humanos da empresa, e construindo envolvimento da empresa com a instituição e a comunidade envolvida”.

O Corporate Communications & Sustainability manager da Brisa considera que a dificuldade na medição do impacto dos projectos é um dos grandes desafios persistentes no 3º sector, que se prende com a existência de “muitos critérios densos e impossíveis de transmitir a um Conselho de Administração [de uma empresa]”, o que dificulta “a transparência” na avaliação dos programas e iniciativas apoiados. Na sua perspectiva, em Portugal muitas organizações “trabalham só com o coração, sem a racionalidade e robustez” necessárias à prossecução dos projectos sociais com resultados e de forma sustentável.

Resultados sustentáveis fazem também parte do conceito que dá mote ao projecto “Nova Cultura para a Sustentabilidade – Criar parcerias estratégicas com o sector privado”, que foi desenvolvido entre Outubro de 2014 e Setembro de 2015 pela FGS, em parceria com a ONG congénere Entreculturas (Espanha), a Cooperativa Baga Baga Studios e a OFICINA – Escola Profissional do Instituto Nun’Alvres, e cujo encerramento foi assinalado neste Encontro sobre como mobilizar para o 3.º sector”.

A iniciativa, que decorreu no âmbito do Programa Cidadania Activa / EEA Grants –  instrumento de apoio às ONG, em vigor até Abril de 2016, que tem como Estados Financiadores do Mecanismo Financeiro do Espaço Económico Europeu a Noruega, a Islândia e o Liechtenstein -, o qual é gerido em Portugal pela Fundação Calouste Gulbenkian, visou reforçar a eficácia da acção da FGS no âmbito da sua estratégia de sustentabilidade. Nomeadamente através do fortalecimento do departamento de Comunicação e Angariação de Fundos da Fundação, “para uma melhor abordagem ao sector empresarial enquanto público estratégico para a prossecução da sua missão no âmbito da cidadania global e desenvolvimento”. Para tanto, incidiu simultaneamente na capacitação deste departamento, na captação do interesse do tecido empresarial para as necessidades da FGS e na disseminação de aprendizagens junto do sector não lucrativo.

Para além do Encontro de encerramento do projecto, este permitiu à FGS realizar uma formação on the job junto da Entreculturas, bem como melhorar a sua acção a nível interno e no estabelecimento de novas parcerias, de fundraising, desenvolvimento de peças de comunicação institucional, contact manager para abordagem e relacionamento com empresas e criação de linhas orientadores para acolhimento a voluntários, incluindo uma campanha online de promoção do voluntariado de competências – “Voluntariado é cidadania em acção!”


‘Ciclo da Comunicação’

  1. Identificação e mapeamento de stakeholders
  2. Definição de objectivos e estratégia de comunicação “storytelling
  3. Definição de mensagens chave
  4. Identificação das ferramentas e canais de comunicação adequados
  5. Implementação
  6. Avaliação de resultados

Fonte: Lift World


Jornalista