POR ANTÓNIO MIGUEL
Em Junho de 2015, o Grupo de Trabalho Português para o Investimento Social publicava cinco recomendações para que, até 2020, o nosso país tivesse um sector de investimento e inovação social dinâmico e robusto. Passaram perto de 1000 dias desde então.
Este período de tempo é uma boa comparação com a área do desenvolvimento infantil, onde os primeiros 1000 dias de vida de uma criança são fundamentais para criar as bases do seu desenvolvimento cognitivo, saúde e crescimento. Os primeiros 1000 dias da vida de uma criança podem ditar muito do seu futuro. O mesmo acontece com o investimento social em Portugal.
O investimento social consiste na mobilização de investimento, público e privado, para organizações com missão social (privadas ou da Economia Social) que implementam modelos de negócio cujo impacto é parte integrante. São modelos de negócio onde existe uma correlação positiva entre a geração de receita e o impacto – quanto mais de um, mais do outro. A criação de impacto deve ser intencional. Os investidores sociais encaram as suas decisões como um investimento, podendo perder todo o seu dinheiro, ser reembolsados parcialmente, totalmente ou com retorno, como se de um investimento se tratasse.
Em 2014, um movimento da sociedade civil, mobilizado pró-activamente pela Fundação Calouste Gulbenkian, criou o Grupo de Trabalho Português para o Investimento Social. Este grupo, composto por entidades do sector público, social e privado, trabalhou em conjunto durante mais de um ano para apresentar um conjunto de cinco recomendações para que a inovação social em Portugal seja financiada de forma adequada e eficiente:
- Fortalecer as competências das organizações com missão social, através de programas de capacitação.
- Introduzir instrumentos financeiros adequados às necessidades das organizações com missão social
- Promover uma cultura de orientação de resultados no seio dos serviços públicos
- Criar um centro de conhecimento e recursos para o investimento social
- Desenvolver um ecossistema de intermediários de investimento social
Passados cerca de 1000 dias da publicação destas recomendações, é uma excelente oportunidade para avaliar o que já foi feito e onde temos de focar esforços para os próximos anos.
Numa análise das recomendações que estão num bom estado de cumprimento, destaco as seguintes:
- Na área da capacitação em Portugal (recomendação 1), foi lançada um programa sem precedentes chamado “Capacitação para o investimento social” que conta com 15 milhões de euros dedicados exclusivamente para a capacitação de entidades da economia social. Os primeiros resultados deste programa corroboram bem a necessidade de tais iniciativas: numa primeira ronda onde havia 3,5 milhões de euros disponíveis, as candidaturas apresentadas excederam os 7,5 milhões de euros.
- Ainda na área da capacitação (recomendação 1), destaco o lançamento de projectos de aceleração intensivos de aproximadamente 12 semanas que trabalham com organizações de missão social que já estão numa fase de crescimento, apoiando a sua expansão a nível nacional e internacional. São exemplo disso programas como o Accelerating change for social inclusion (a nível europeu), a Impact Generator (Lisboa), a AMPlifica (Porto) e o Social Tech (nacional).
- A promoção de uma cultura de orientação de resultados (recomendação 3) teve um reforço com o lançamento de 3 novos Títulos de Impacto Social recentemente, que mobilizam cerca de 1,6 milhões de euros para o cumprimento de resultados na área do emprego (inclusão no mercado de trabalho e manutenção dessa situação) e na área da protecção social de crianças e jovens em risco (evitar a institucionalização de crianças e jovens).
- Na área da inteligência de mercado (recomendação 4), foi lançado durante o ano de 2016 um centro de inovação social integrado na plataforma Portugal Economy Probe, que cobre toda a informação sobre a economia e mercado de capitais no nosso país. Com a inclusão no seu site de uma secção de inovação e investimento social, existe informação actualizada sobre o sector disponível em português e inglês.
- Ainda na área de conhecimento (recomendação 4), está previsto para o último trimestre de 2017 o lançamento da plataforma ONE.COST, que agrega os custos unitários de problemas sociais em Portugal por referência de despesa pública. Uma versão beta já está finalizada com cerca de 70 indicadores nas áreas do emprego, justiça, educação, saúde e protecção social.
- Os intermediários (recomendação 5) têm no programa de capacitação para o investimento social uma oportunidade de verem os seus serviços de aconselhamento e consultoria serem remunerados pelas organizações com quem trabalha, através do financiamento da Portugal Inovação Social.
Se olharmos para as principais áreas de melhoria e que devem absorver grande parte dos nossos esforços enquanto ecossistema de inovação e investimento social, apontaria os seguintes:
- A introdução de novos instrumentos financeiros (recomendação 3) tem sido lenta e ainda não permite mobilizar capital privado em larga escala. Apesar de existirem iniciativas pioneiras como o Fundo Bem Comum que efectuou investimentos em pelo menos duas organizações com missão social nos últimos meses – como a Book in Loop e SPEAK – através de instrumentos de equity e híbridos, o mercado ainda não tem o dinamismo que, por exemplo, o sector do empreendedorismo tecnológico tem em Portugal. O Fundo para a Inovação Social com cerca de 100 milhões de euros da Portugal Inovação Social poderá desempenhar um papel fundamental nesta área, de forma a mobilizar investidores privados. No entanto, outras iniciativas devem acontecer com o objectivo de mobilizar investidores privados, nomeadamente a criação de incentivos fiscais que estimule o investimento em organizações com missão social, como acontece no Reino Unido.
- A orientação para resultados no âmbito dos serviços sociais públicos (recomendação 4), corre o risco de não estar a envolver as autarquias locais e as suas equipas internas nos processos de construção e implementação de Títulos de Impacto Social. Com foco no pós-2020, estes instrumentos devem, cada vez mais, ter o envolvimento e comparticipação financeira da Administração Local (e Central) que beneficia directamente da obtenção dos resultados em áreas como o emprego, educação, justiça, entre outros. O instrumento de TIS, em particular, deve antecipar o que será o cenário após a conclusão do período de execução da Portugal Inovação Social.
- O enquadramento legal para as empresas sociais (no âmbito da recomendação 3) ainda é inexistente, não permitindo que entidades da economia social possam atrair alguns tipos de instrumentos financeiros. Actualmente esta limitação é contornada através de empresas que trancam a missão social através dos seus estatutos. No entanto, existe a necessidade de criar uma figura de empresas sociais que seja regulamentada e aceite na generalidade.
Os primeiros 1000 dias do investimento social em Portugal construíram as bases sólidas para um sector dinâmico e sustentável, com projectos estruturantes do lado da procura (procura de investimento), oferta (disponibilidade de investimento), sector público, inteligência de mercado e intermediação.
O investimento social deve sempre ser visto como um meio para atingir um fim, e não um fim em si mesmo. O fim que o investimento social procura é a resolução de problemas sociais que afectam os segmentos mais vulneráveis da nossa população.
Nos próximos anos, devem ser feitos esforços para o cumprimento das recomendações em falta do Grupo de Trabalho Português para o Investimento Social. Além disso, teremos que nos focar nos resultados e impacto dos projectos que sejam alvo de investimento social para que até 2020 possamos provar, com dados concretos, que a inovação social é um excelente investimento.
Director Executivo do Laboratório de Investimento Social