O pioneiro da economia comportamental, Daniel Kahneman, possivelmente mais conhecido pelo seu best-seller “Thinking ,Fast and Slow” do que por ter recebido o Nobel para as Ciências Económicas em 2002, morreu na passada semana, aos 90 anos. Em 2011, foi nomeado pela revista Foreign Policy como um dos principais pensadores globais e, no mesmo ano, o livro acima mencionado, que resume grande parte de sua pesquisa, foi publicado e tornou-se um best-seller. Em 2013, Barack Obama concedeu a Kahneman a Medalha Presidencial da Liberdade, a mais alta distinção civil do país. Obama elogiou Kahneman na cerimónia como um estudioso da psicologia que “basicamente inventou o estudo da tomada de decisões humanas”. Em 2015, a revista The Economist listou-o como o sétimo economista mais influente do mundo
POR HELENA OLIVEIRA
“As pessoas não estão habituadas a pensar muito e contentam-se frequentemente em confiar num juízo plausível que lhes vem rapidamente à cabeça.”
Daniel Kahneman, Nobel da Economia [1934-2024]
O pioneiro da economia comportamental, Daniel Kahneman, possivelmente mais conhecido pelo seu best-seller “Thinking ,Fast and Slow” do que por ter recebido o Nobel para as Ciências Económicas em 2002, morreu na passada semana, aos 90 anos.
Daniel Kahneman integrou insights da psicologia – com um doutoramento na Universidade de Princeton – na economia, estabelecendo assim as bases para um novo campo de pesquisa. As principais conclusões de Kahneman dizem respeito à tomada de decisões sob incerteza, tendo demonstrado como as decisões humanas podem afastar-se sistematicamente daquelas previstas pela teoria económica padrão. Como se pode ler no website dos prémios Nobel, “juntamente com Amos Tversky (falecido em 1996), formulou a teoria da perspectiva como uma alternativa, que explica melhor o comportamento observado. Kahneman também descobriu como o julgamento humano pode tomar atalhos heurísticos que se afastam sistematicamente dos princípios básicos da probabilidade. O seu trabalho inspirou uma nova geração de investigadores em economia e finanças a enriquecer a teoria económica utilizando conhecimentos da psicologia cognitiva sobre a motivação humana intrínseca”.
Apesar da sua família residir em Paris, Kahneman haveria de nascer em Tel Aviv, em 1934, numa altura em que a mãe visitava alguns familiares, tendo-se mudado para a Palestina na sua adolescência. Acabaria por terminar os seus primeiros estudos, em Psicologia e Matemática, na Universidade Hebraica de Jerusalém, viajando depois para os Estados Unidos, já casado, onde viria a doutorar-se em Psicologia.
A parceria de décadas de Kahneman com Amos Tversky começou em 1969, quando os dois colaboraram num artigo que analisava as intuições dos investigadores sobre os métodos estatísticos no seu trabalho. “A experiência foi mágica”, escreveu Kahneman mais tarde na sua autobiografia Nobel. “Amos era frequentemente descrito pelas pessoas que o conheciam como a pessoa mais inteligente que conheciam. Era também muito divertido… e o resultado era que podíamos passar horas de trabalho sólido em contínuo divertimento”.
Kahneman e o seu colaborador de longa data reformularam o campo da economia, que antes do seu trabalho partia do princípio de que as pessoas eram “actores racionais” capazes de avaliar claramente escolhas como o carro a comprar ou o emprego a aceitar. A investigação da dupla – que Kahneman descreveu para o público leigo no seu livro best-seller de 2011 “Thinking, Fast and Slow” – centrou-se na forma como a tomada de decisões é moldada por peculiaridades “subterrâneas” e atalhos mentais que podem distorcer os nossos pensamentos de forma irracional, mas previsível.
Os dois trabalharam juntos de forma tão próxima que, e reza a história, lançaram uma moeda ao ar para determinar qual deles seria o autor principal do seu primeiro artigo e, a partir daí, alternaram esse ritual durante décadas.
“Amos e eu partilhámos a maravilha de possuirmos juntos uma pata que pode pôr ovos de ouro – uma mente conjunta que é melhor do que as nossas mentes separadas”, escreveu Kahneman.
Kahneman e Tversky começaram a estudar a tomada de decisões em 1974 e rapidamente chegaram à conclusão de que as pessoas reagem muito mais intensamente às perdas do que a ganhos equivalentes. Esta é a noção atualmente comum de “aversão à perda”, que, entre outras coisas, ajuda a explicar porque é que muitas pessoas preferem escolhas de status quo quando tomam decisões. Em conjunto com outras descobertas, a dupla desenvolveu uma teoria da escolha arriscada a que chamaram “teoria da perspetiva”.
Kahneman recebeu o Prémio Nobel da Economia em 2002 por estes e outros contributos que acabaram por estar na base da disciplina agora conhecida como economia comportamental. Os economistas dizem que Tversky teria certamente partilhado o prémio se não tivesse morrido em 1996 [o prémio Nobel não é atribuído a título póstumo].
A investigação levada a cabo há décadas pelo Professor Kahneman, pelo Professor Tversky e pelos seus aliados intelectuais influencia atualmente centenas de milhares de milhões de dólares aplicados em investimentos empresariais em todo o mundo. Os seus conhecimentos sobre a natureza do julgamento humano levaram a uma reavaliação fundamental da forma como as pessoas gastam o seu tempo, o seu dinheiro e até o seu “pensamento”.
O seu livro Thinking, Fast and Slow foi um estrondoso sucesso de vendas – para demonstrar não só que “todos” os economistas convencionais estavam errados – no sentido de que as pessoas nem sempre tomam as melhores decisões e que não são sempre racionais – mas e sobretudo que, muito previsivelmente, fazem más e apressadas escolhas e que identificar estas más opções não só é possível, como abre caminho para melhores modelos económicos.
A teoria de comportamento económico, conhecida como o “agente racional”, ou seja, aquela que diz que as pessoas, nas suas vidas económicas, se comportam como robots calculistas, tomando decisões racionais quando compram uma acção, fazem um empréstimo ou aplicam o seu dinheiro, há muito que era aceite no interior dos palcos dos estudiosos da economia. Mas Kahneman e Tversky ofereceram um conjunto abundante de evidências de que o ser humano, longe de ser como o agente racional que nos habituámos a ver transcrito nos livros, é, na maioria das vezes, inconsistente, emocional e tendencioso. Ambos concluíram assim que as pessoas reais, na generalidade, não tomam as decisões que os economistas defendiam.
O livro Thinking, Fast and Slow contém muito material que é familiar aos que têm vindo a seguir este debate no interior do universo económico, mas, e ainda nos dias que correm, também um bom conjunto de novidades sobre a forma como pensamos, reagimos e atingimos – ou melhor, “saltamos” – no que respeita a conclusões em todas as esferas de pensamento. E aquilo que mais interessou a Kahneman foram as formas previsíveis em que ocorrem os erros de julgamento.
Sintetizando décadas da sua própria pesquisa, mas também da dos colegas, Kahneman apresentou uma arquitectura da tomada de decisão humana – um mapa da mente que tem similitudes com uma máquina bem afinada, mas com algumas armadilhas e alguns “fios defeituosos”. O grande efeito de Khaneman foi o de ter conseguido construir uma estrutura que ilustra o como e o porquê de a mente raciocinar de determinada forma.
E, para tal, o autor utilizou dois personagens ficcionais – o Sistema 1 e o Sistema 2. O Sistema 2 é a nossa mente consciente e pensante. E imaginamos esta consciência activa como o actor principal, o “decisor” das nossas vidas. O Sistema 2 pensa devagar: considera, avalia, raciocina. O seu trabalho exige esforço mental e atribuímos a maioria das nossas opiniões e decisões a este “ser” pensante e sensato. Contudo e para Kahneman, o protagonista principal é o Sistema 1. Este é o agente das nossas respostas mentais automáticas e sem recurso a esforço. O Sistema 1 está equipado com uma fotografia matizada do mundo, que nada mais é que do que produto de memórias retidas e padrões de associações apreendidos que possibilitam a “expulsão” de um conjunto de reacções, julgamentos e opiniões. O Sistema 1 consegue detectar um tom de fúria numa voz ao telefone; formula julgamentos instantâneos sobre aqueles que conhecemos, os candidatos presidenciais, ou os investimentos que possamos vir a considerar.
“Reconhecer os sinais de que nos encontramos num campo cognitivo minado, acalmarmo-nos e pedir reforço ao Sistema 2” é uma boa solução, escreve o autor, convidando os que se interessam por economia comportamental a ler a obra na íntegra. Um convite sempre a tempo, mesmo depois da sua morte.
Imagem: @Princeton University
Editora Executiva
Sugiro que jornalistas profissionais e curiosos entre em contacto com Roberto Moreno, fundador e presidente da Fundação Geolíngua para, que o mesmo possa ilustrar o revolucionário modelo de economia altruísta e auto-sustentável, criado pela referida Fundação em 2002. – Um modelo muito mais avançado que o Nobel deste mesmo ano.
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