Numa era caracterizada pela sobrecarga de informação, conectividade constante e exigências crescentes do nosso tempo e atenção, os princípios da produtividade lenta oferecem um antídoto muito necessário para a cultura da ocupação – ou da “pseudoprodutividade” – e do burnout. Ao encorajar os indivíduos a abrandar, a dar prioridade ao trabalho com significado e a cultivar a atenção plena, a produtividade lenta tem o potencial de revolucionar a forma como abordamos o trabalho e a vida em geral
POR HELENA OLIVEIRA

No mundo acelerado da sociedade moderna, a produtividade tornou-se sinónimo de eficiência, rapidez e resultados. A narrativa predominante enfatiza frequentemente o facto de se fazer mais em menos tempo, conduzindo a uma cultura de agitação constante, burnout e rendimentos decrescentes. No entanto, no meio deste frenesim, está a surgir um contra-movimento que defende uma abordagem mais deliberada e atenta ao tema, assente no conceito de “produtividade lenta”.

Na vanguarda deste movimento está o livro “Slow Productivity: The Lost Art of Accomplishment Without Burnout” de Cal Newport que desafia a sabedoria convencional e oferece ideias para alcançar uma produtividade mais significativa sem sacrificar o bem-estar. Este ensaio tem como objetivo aprofundar os princípios da produtividade lenta, explorar a sua relevância na sociedade contemporânea e avaliar o seu potencial impacto no desempenho individual e organizacional. Apesar do título, o livro trata menos de produtividade e mais de reivindicar uma nova relação com o trabalho. E, paradoxalmente, ao desacelerar, fazemos mais. Talvez não mais tarefas, mas um trabalho mais significativo e daí a produtividade lenta de Newport ter como base três ideias simples: fazer menos coisas; trabalhar a um ritmo mais “natural” e ser-se obcecado pela qualidade [quanto mais depressa, mais erros e menor perfeição]. Newport oferece conselhos práticos para incorporar cada conceito nas nossas vidas profissionais, mesmo se não tivermos controle total sobre a nossa agenda.

A produtividade, na sua essência, refere-se à eficiência com que os recursos são utilizados para alcançar os resultados desejados. Tradicionalmente, a produtividade tem sido medida em termos de produção por unidade de input, frequentemente equiparada a velocidade e volume. No entanto, esta perspetiva restrita não tem em conta a qualidade dos resultados, a sustentabilidade dos processos e o bem-estar dos indivíduos envolvidos. A produtividade lenta defende uma mudança de paradigma, enfatizando uma abordagem holística que dá prioridade à eficácia em detrimento da eficiência, à intencionalidade em detrimento da velocidade e ao equilíbrio em detrimento da busca incessante de objectivos.

Quase logo no início do seu novo livro, Cal Newport explica como a ascensão da economia do conhecimento levou a um aumento correspondente da “pseudoprodutividade”. Com funções cada vez mais amorfas, mas sem métricas claras para medir a produtividade no denominado trabalho do conhecimento, as empresas não têm a certeza de qual a melhor forma de gerir os funcionários. Enquanto isso, as crescentes hordas de freelancers e pequenos empreendedores não sabem igualmente qual a melhor forma de se gerirem a si mesmas.

“Foi desta incerteza”, escreve Newport, “que surgiu uma alternativa simples: utilizar a actividade visível como um indicador bruto da produtividade real. Se um superior hierárquico me puder ver no escritório – ou, se eu estiver em trabalho remoto, puder ter acesso às minhas respostas de e-mail e às mensagens dos grupos de trabalho às quais respondo regularmente – então, pelo menos, fica a saber que eu estou a fazer alguma coisa”, explica. Todavia, “este resultado frenético tem sido muitas vezes o de sermos sobrecarregados com uma lista impossível de tarefas de baixo valor no interesse de nos mantermos [e parecermos] ocupados e, subsequentemente, forçados a apressar-nos em tarefas de alto valor”, acrescenta ainda.

Assim, esta nova filosofia rejeita o conceito de “busyness” – qualquer coisa como “estar sempre muito ocupado” -, considerando a sobrecarga de trabalho como um obstáculo à produção de resultados importantes, e não como um símbolo de orgulho e de dever cumprido. Também defende que os esforços profissionais devem desenvolver-se a um ritmo mais variado e humano, com períodos difíceis contrabalançados por relaxamento em várias escalas de tempo diferentes, e que um foco legítimo na qualidade, e não na actividade performativa, deve sustentar todo o trabalho.

Os princípios da produtividade lenta

A produtividade lenta está enraizada em princípios “emprestados” do movimento “slow living”, que encoraja uma abordagem mais consciente e deliberada de vários aspectos da vida, incluindo o trabalho. Na sua essência, a produtividade lenta enfatiza os seguintes princípios-chave:

Foco intencional: Em vez de se fazer várias coisas ao mesmo tempo e dispersar a atenção, a produtividade lenta incentiva um envolvimento profundo e concentrado nas tarefas. Ao mergulhar totalmente no momento presente, os indivíduos podem melhorar o seu desempenho cognitivo, criatividade e satisfação geral com o trabalho.

Priorização do trabalho com significado: A produtividade lenta defende o discernimento na escolha de tarefas e projectos, dando prioridade àqueles que se alinham com os valores, objectivos e visão a longo prazo de cada um. Ao concentrar-se no trabalho com significado, os indivíduos podem obter maior satisfação e motivação intrínseca, levando a uma produtividade sustentada ao longo do tempo.

Gestão consciente do tempo: Em contraste com a busca incessante de prazos e cronogramas arbitrários, a produtividade lenta sublinha a importância de se ter um ritmo próprio e respeitar os ritmos naturais. Ao praticar uma gestão consciente do tempo, os indivíduos podem evitar situações de burnout – que continua a aumentar entre os trabalhadores -, manter o equilíbrio entre a vida profissional e pessoal e manter a produtividade a longo prazo.

Abraçar o descanso e a reflexão: Reconhecendo a importância das actividades restauradoras e do tempo de inatividade, a produtividade lenta incentiva pausas regulares, períodos de descanso e oportunidades de reflexão. Ao dar tempo para o rejuvenescimento e a introspeção, os indivíduos podem melhorar o seu bem-estar geral e cultivar um sentido mais profundo de objetivos a cumprir no seu trabalho.

No livro” Slow Productivity: The Lost Art of Accomplishment Without Burnout “, o autor oferece uma exploração abrangente dos princípios e práticas subjacentes à produtividade lenta. Baseando-se em pesquisas das áreas da psicologia, das neurociências e do comportamento organizacional, o livro fornece estratégias práticas para cultivar uma abordagem mais deliberada e sustentável à produtividade. Através de anedotas perspicazes, estudos de caso e exercícios, Newport ilustra como os indivíduos podem aplicar os princípios da produtividade lenta para aumentar a sua eficácia, criatividade e satisfação geral com o trabalho.

Uma mudança de paradigma na forma como se aborda o trabalho

Como sabemos, a pandemia despertou o interesse por novos padrões de trabalho. Apesar dos mandatos de regresso ao escritório, o trabalho híbrido parece ter vindo para ficar. Foram realizados testes relativos à semana de quatro dias em todo o mundo, onde os trabalhadores recebem o pagamento integral em troca de 100% da produção em 80% do tempo. No entanto, Newport diz que estas ideias parecem “insuficientes”. E exorta as pessoas a serem realistas quanto aos seus prazos e a reduzirem a lista de tarefas em 25-50 por cento. “Um chefe pode perceber se uma pessoa está constantemente a adiar projetos”, escreve, mas não se apercebe de “um ou dois meses de um ritmo relativamente mais lento”. Outros ajustes incluem a ausência de reuniões às segundas-feiras, a par de um agendamento de descanso e reserva de tempo para si mesmo. Se podemos achar estranha a sugestão de tirarmos uma tarde de folga para ir ao cinema durante a semana para termos a possibilidade de relaxar, tal deixa de o ser até termos a noção de todos os horários em que tendemos a trabalhar nos finais de semana ou à noite. Esta ideia explica igualmente a sua opinião de que por vezes o problema não vem dos patrões, mas de nós próprios. De sublinhar igualmente que os  estudos de caso retratados no livro de Newport são provenientes de artistas, académicos e freelancers.

Um dos temas centrais do livro é a importância de alinhar as ações com valores e propósitos mais profundos. Ao clarificarem as próprias prioridades e focarem-se nas tarefas que realmente importam, os indivíduos podem experimentar uma maior sensação de realização e sentimento de dever cumprido, mesmo na ausência de validação ou reconhecimento externo. Além disso, o livro enfatiza o papel da atenção plena na melhoria do desempenho cognitivo e da resiliência emocional, destacando práticas como a meditação, a respiração profunda e o movimento consciente como ferramentas poderosas para promover o foco e a concentração.

Outro insight importante oferecido pelo livro é o valor de controlar o próprio ritmo e respeitar os ritmos naturais. Em vez de sucumbirem à pressão de estarem constantemente “ligados” e produtivos, os indivíduos são encorajados a honrar a sua necessidade de descanso, reflexão e renovação. Ao incorporar períodos de inactividade nas suas rotinas diárias e programar pausas regulares ao longo do dia, os indivíduos podem prevenir o esgotamento, aumentar a sua criatividade e manter a sua produtividade a longo prazo.

De acordo com a recensão do livro feita pelo Finantial Times, a parte mais interessante de Slow Productivity é a sua discussão sobre a “pseudoprodutividade”, que floresceu, afirma Newport, porque não temos esperança em medir o trabalho do conhecimento – ao contrário da indústria transformadora, onde é fácil contar o número de widgets produzidos num determinado momento. Como já acima enunciado, em vez de métricas concretas, diz o autor, as pessoas usam “a atividade visível como um indicador bruto da produtividade real” e é essa ocupação performativa, argumenta Newport, que nos impede de realizar o trabalho mais significativo. E é por isso que espera que o seu livro estimule ideias melhores sobre “o que queremos dizer com ‘produtividade’ no setor do conhecimento”, apesar de sublinhar o esforço que esta mudança dos padrões de trabalho exige.

Adicionalmente, o livro sublinha a importância de cultivar um ambiente de trabalho favorável que valorize o bem-estar e o equilíbrio entre vida pessoal e profissional. Ao promover uma cultura de confiança, autonomia e segurança psicológica, as organizações podem capacitar os seus colaboradores para prosperarem e libertarem todo o seu potencial. O livro oferece sugestões práticas para líderes e gestores que procuram criar esse ambiente, incluindo a promoção de acordos de trabalho flexíveis, o fornecimento de recursos para o desenvolvimento de competências e o autocuidado, a par da modelagem de hábitos de trabalho saudáveis.

Em suma, o livro de Cal Newport oferece uma exploração oportuna e convincente de uma mudança de paradigma na forma como abordamos a produtividade. Ao enfatizar a intencionalidade, o significado, a atenção plena e o equilíbrio, a obra fornece um roteiro para alcançar maior eficácia e realização no trabalho e na vida. À medida que a sociedade enfrenta os desafios de um mundo cada vez mais acelerado e exigente, os princípios da produtividade lenta oferecem uma alternativa valiosa que dá prioridade ao bem-estar, à sustentabilidade e ao florescimento humano. À medida que os indivíduos e as organizações adoptam estes princípios, têm a oportunidade não só de aumentar a sua produtividade, mas também de cultivar um sentido mais profundo de propósito e realização em tudo o que fazem.

Imagem: © Trent Erwin/Unsplash.com

Editora Executiva

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