Ladrões tecnológicos

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Já não basta o estado caótico da economia e os milhões de empregos que desapareceram ao longo da Grande Recessão. Com a tecnologia a pôr-se continuamente em bicos de pés e a realizar tarefas outrora apanágio do ser humano, o mundo conta com mais um assalto ao emprego. E os especialistas começam a alertar para o impacto da automatização de tarefas não só rotineiras, mas também das que são consideradas “cognitivas” e até criativas
POR HELENA OLIVEIRA

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Em 1930, o famoso economista John Maynard Keynes, chamava a atenção para uma “nova doença”, a qual denominou como “desemprego tecnológico” e que consistia na incapacidade da economia criar novos empregos de uma forma mais rápida do que aqueles que eram destruídos pela automatização de muitas tarefas.

Em pleno século XXI e com os avanços céleres na tecnologia, a temática volta a dar que falar. Mas e desta feita, o que parece estar no centro da discussão, são os preocupantes níveis de desemprego que, na Europa e nos Estados Unidos, principalmente depois da denominada Grande Recessão, não parecem ter fim à vista.

A ameaça de que, um dia, as máquinas iriam substituir os humanos no mundo laboral, tem vindo a assombrar a sociedade desde a Revolução Industrial. Mas e ao contrário do período em causa, em que realmente as máquinas foram substituindo, gradualmente, o trabalho muscular de homens e animais, a automatização de tarefas na actualidade está a ter um impacto não só nas denominadas tarefas rotineiras, mas também naquelas que são consideradas “cognitivas” e até criativas.

E é esta automatização de tarefas que constitui o tema central de um novo e-book, publicado na passada semana por Erik Brynjolfsson, economista e director do Center for Digital Business do MIT, e por Andrew P. McAfee, director associado e cientista principal do mesmo centro, considerados como dois dos melhores especialistas norte-americanos em tecnologia e produtividade. O que não deixa de ter alguma piada é o facto de ambos os autores terem começado a trabalhar num livro sobre as suas já citadas áreas de especialidade, o qual se iria intitular “The Digital Frontier” e que versava sobre as inúmeras oportunidades originárias das mais recentes inovações. Todavia, e depois de muita pesquisa efectuada, o livro tomaria um caminho significativamente diferente, dando origem ao interessante título “Race Against the Machine”.
Como explicam os próprios autores, “quando se discute postos de trabalho e desemprego, dá-se sempre muita atenção a questões como a fraca procura, ao outsourcing ou à mobilidade laboral, mas muito pouca ao papel da tecnologia”, escrevem. “E nós quisemos corrigir essa falha”.

O livro agora apresentado pretende reconciliar dois factos importantes: 1) a tecnologia continua a progredir rapidamente e a ter efeitos significativos na produtividade(na verdade, na última década foi possível testemunhar o mais rápido crescimento da produtividade desde a década de 60 do século passado) e 2) os salários médios e o emprego apresentam ambos uma preocupante estagnação, deixando milhões de pessoas ainda pior do que anteriormente. Para os autores, tal dá origem ao seguinte paradoxo: se a tecnologia e a produtividade estão a aumentar de forma tão significativa, por que motivo é cada vez maior o número de desempregados?

Por outro lado, e para além da fraca procura que tem continuado a reinar no período pós Grande Recessão, vários economistas não têm encontrado resposta para um padrão pouco usual nos mercados laborais tanto da Europa como dos Estados Unidos: fortes ganhos empresariais, um investimento robusto na aquisição de equipamentos e taxas de emprego miseráveis. A resposta mais fácil é a de que a economia não está simplesmente a crescer o suficiente para empregar todas as pessoas que perderam os seus empregos ao longo dos três últimos anos e de que a procura por parte dos consumidores continua tão fraca que não é possível às empresas voltarem a contratar.
E a tecnologia?

Uma nova vilã?
Para os autores, a resposta pode, sim, estar na nova vilã chamada tecnologia. E, como afirma James Crabtree, numa recensão do livro publicada no Financial Times, apesar de este ensaio ser parte de uma tendência crescente da produção rápida de e-books sobre assuntos económicos urgentes, dá a mão à palmatória afirmando que o mesmo contém mais conteúdo em 60 páginas do que muitos livros três vezes maiores. Especialmente no que respeita a explicar duas leis económicas que começam a desmoronar-se: a primeira é a de que o crescimento cria sempre empregos e a segunda reza que, ao aumento da produtividade segue-se, invariavelmente, um aumento nos salários. Para os autores, a queda de estas duas leis tem origem na erosão de um terceiro padrão: o de que a tecnologia cria, pelo menos, tantos empregos quantos os que destrói.

Vejamos, em primeiro lugar, as boas notícias comentadas pelos autores. As máquinas estão a desempenhar, cada vez mais e mais, tarefas que, outrora, só os humanos conseguiriam fazer. E o ponto positivo é que esta realidade aumentou radicalmente a capacidade produtiva da economia – ou seja, a produtividade atingiu níveis recordistas e está a aumentar a um ritmo acelerado. A primeira década do presente século testemunhou um ritmo de crescimento na produtividade mais rápido ainda do que nos abundantes anos de 1990. Contudo, o progresso tecnológico, como referem os autores, não beneficia automaticamente toda a sociedade e, em particular, os rendimentos tornaram-se cada vez mais desiguais, bem como as oportunidades de emprego, sendo que estas começam a ser apanágio de grupos com competências mais elevadas, as chamadas “super-estrelas” em várias áreas.

E se a estagnação nos rendimentos médios e nos níveis de emprego não se deve à falta de progresso tecnológico nesses grupos, para os autores o problema é que “as nossas competências e as nossas instituições não acompanharam o ritmo acelerado das alterações tecnológicas”, escreve Brynjolfsson. “No passado, e à medida que cada onda sucessiva de automação eliminava postos de trabalho em alguns sectores, os empreendedores identificavam novas oportunidades nas quais o trabalho poderia ser reafectado e os trabalhadores aprendiam novas competências para virem a ser bem-sucedidos. E se nos séculos XIX e XX, milhões de pessoas deixaram a agricultura, um número ainda maior encontrou trabalho nas fábricas e nos serviços”, acrescenta.

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Todavia e no século XXI, a mudança tecnológica é muito mais rápida e profunda. E, segundo os autores, são muitos os trabalhadores que estão a perder “a corrida contra as máquinas”. E não são apenas Brynjolfsson e McAfee que o afirmam. Por exemplo, na mais recente edição do McKinsey Quarterly, e num artigo publicado por W, Brian Arthur, um professor no Santa Fe Institute, surge igualmente o alerta de que a tecnologia está a apoderar-se, rapidamente, de postos de trabalho na área dos serviços, seguindo os padrões do que aconteceu outrora com a automatização agrícola e com as fábricas. E, nos anos já idos de 1995, Jeremy Rifkin, autor de bestsellers sobre o impacto das alterações científicas e tecnológicas na economia e presidente da Foundation on Economic Trends, alertava para o facto em “The End of Work”.

Apesar de não ter sido o primeiro a fazê-lo, Rifkin argumentava, profeticamente, que a sociedade estava a entrar numa nova fase – aquela em que seriam necessárias cada vez menos pessoas para produzir todos os bens e serviços para o consumo. Há mais de 15 anos, Rifkin escrevia que “nos próximos anos, tecnologias cada vez mais sofisticadas irão conduzir a civilização para um mundo muito próximo do ‘sem trabalhadores’”.

Em 2009, e como também refere o Economist, o empreendedor de Silicon Valley, Martin Ford, escrevia em “The Lights in The Tunnel” que as novas ocupações criadas pela tecnologia – os programadores da web, os vendedores via telemóvel, os técnicos das turbinas eólicas e outros – representavam uma fracção mínima do emprego. E se é verdade que a tecnologia cria empregos, a história demonstra que também os consegue fazer evaporar em pouco tempo. “Os trabalhos na área das TI que estão agora a ser descentralizados e automatizados eram novidades na área laboral nos anos do boom tecnológico que caracterizou a década de 90 do século XX”, afirma. E uma outra implicação é o facto de a tecnologia já não estar a criar novos empregos a um ritmo que substitua os antigos que, entretanto, se tornaram obsoletos. No seu livro, Ford identifica mais de 50 milhões de trabalhos na América – quase 40% de todo o desemprego norte-americano – os quais, em maior ou menos escala, poderão ser executados por uma peça de software a correr num computador. “E, daqui a uma década, muitos mais irão desaparecer”, afiança o empreendedor.

Quem deve ter medo da tecnologia?
De acordo com Brynjolfsson e McAfee, e na actualidade, os computadores são milhares de vezes mais potentes do que eram há 30 anos e todas as evidências sugerem que este ritmo acelerado se manterá por, pelo menos, mais uma década. E, mais importante ainda, é o facto de os computadores serem, num determinado sentido, a “máquina universal” que possui aplicações para quase todas as indústrias e tarefas. Em particular, as tecnologias digitais realizam agora tarefas mentais que eram domínio exclusivo dos humanos num passado recente. E se os autores admitem que, até agora, a tecnologia representava uma rede de segurança para os empregos, a verdade é que esse período poderá estar prestes a terminar.

Os computadores da actualidade já não se limitam a jogar xadrez melhor do que os humanos, mas marcam cada vez mais pontos em tarefas cada vez mais complexas como a tradução linguística e o reconhecimento de voz, por exemplo. Estas novas capacidade têm origem nas chamadas tecnologias de “reconhecimento de padrões” e são vários os exemplos já disponíveis: desde o super-computador Watson, da IBM, que consegue perceber a linguagem a partir de uma simples pista, registar a intenção de uma pergunta, esquadrinhar milhões de linhas da linguagem humana e dar uma resposta precisa em menos de três segundos (por exemplo, realiza diagnósticos médicos com uma precisão inimaginável;  aos algoritmos que conseguem produzir um jornalismo desportivo suficientemente decente;  à experiência levada a cabo pela Google, que conseguiu colocar um robot a conduzir um Toyota Prius ou ao novo software de assistência pessoal do iPhone 4S, o Siri, que responde a comandos de voz.

A combinação de diferentes tecnologias que incluem a robótica, as máquinas controladas numericamente, o controlo de inventários computorizado, o reconhecimento de voz, o comércio online são apenas alguns dos exemplos que fazem jus ao argumento dos autores de que a automatização está a ultrapassar as velhas fábricas e a ocupar lugar de destaque nos call centres, no marketing e nas vendas, ou seja, em partes significativas do sector dos serviços, responsável pela maioria dos empregos na economia.
Mas há mais. “Na medicina, no direito, nas finanças, no retalho , na manufactura e até nas descobertas cientificas, a chave para se ganhar esta corrida não é competir contra as máquinas, mas competir com elas”, escrevem.

Todavia, a capacidade de imaginar, de sentir, de aprender, de adaptar, improvisar, intuir ou agir espontaneamente continuam a ser características que ainda não conseguem ser replicadas pelas máquinas. Daí que a uma parceria “homem-máquina” seja o caminho a trilhar. Mesmo que o mundo laboral nunca mais volte a ser como era.

Editora Executiva