Com base em pesquisa académica, nas áreas da biologia e da antropologia, em conjunto com inúmeros estudos de caso, Simon Sinek aborda as raízes evolucionistas da liderança e contextualiza-as no presente das organizações. A primeira lição: líder que é bom líder sacrifica o seu próprio bem-estar pelo daqueles que estão ao seu cuidado. Ou, por outras palavras, os verdadeiros líderes “comem por último” Em Setembro de 2009, num evento TED independente, Simon Sinek explicou, ao longo de 18 minutos, de que forma é que os verdadeiros grandes líderes inspiram os outros a agir. Na altura, a qualidade do vídeo não era das melhores e Sinek chegou a reconhecer que os seus habitualmente excelentes dons de oratória não tinham sido atingidos. Todavia, a sua palestra transformou-se no 2º vídeo mais visto do website que alberga as famosas “TED Talks”, com cerca de 16 milhões de visualizações até à altura em que este artigo está a ser escrito. Fascinado pelos líderes que realmente criam impacto no mundo, por empresas e políticos que têm capacidades legítimas para inspirar, Sinek, etnógrafo de formação, descobriu, ao longo de vários anos de investigação – e também de experiência, visto ser consultor de empresas tão díspares como a Walt Disney ou a JetBlue Airways – padrões significativos na forma como estes pensam, agem e comunicam. Sinek trabalha igualmente na RAND Corporation, sendo colunista e comentador regular em publicações de prestígio, para além de ensinar comunicação estratégica na Columbia University.
A sua primeira incursão na escrita foi com o livro Start With Why: How Great Leaders Inspire Everyone to Take Action onde explora a ideia do “Círculo Dourado”, o qual denomina como “um padrão que ocorre naturalmente, enraizado na biologia da tomada de decisão humana e que explica por que motivo somos mais inspirados por algumas pessoas, líderes, causas e organizações em detrimento de outros. No seu livro mais recente, explora os “círculos de segurança”, explicando de que forma é possível – e crucial – melhorar os sentimentos de confiança nas alturas em que é necessário tomar-se uma decisão ousada. A obra, lançada recentemente, e intitulada Leaders Eat Last , aborda as raízes evolucionistas da liderança e contextualiza-as no presente das organizações. Numa entrevista que concedeu à revista INC, Sinek explica o porquê deste regresso ao passado mais do que distante: “Analisei a era do Paleolítico, nomeadamente a altura em que o homo sapiens se tornou no primeiro primata bípede. Vivia-se, na altura, em populações relativamente pequenas e a única forma que existia para se sobreviver aos inúmeros perigos existentes era o trabalho em conjunto; tudo na vida animal aponta para este trabalho em conjunto. E é isso que os seres humanos fazem, sendo que somos realmente bons a olhar uns pelos outros quando as condições certas estão reunidas”. Para o autor e tendo em conta que são os líderes que controlam o ambiente, a organização ideal não se define pela contratação de pessoas excelentes. Não concordando com a “classificação” e consequente promoção dos que pertencem aos 10 por cento do topo, abandonando (ou, por outras palavras, despedindo) os 25 por cento que se situam nos degraus mais baixos da escada empresarial – uma ideia que era defendida por Jack Welch quando este liderava a GE – Sinek afirma que este tipo de abordagem não só destrói a organização – pois ninguém se sente seguro – como é contrário a todas as normas biológicas. Sinek desafia directamente os pseudo-deuses do mundo da gestão e, em particular, o antigo CEO da General Electric. Para os que vão acompanhando as modas do mundo empresarial, é impossível esquecer o que Jack Welch significou, em termos de liderança, nas décadas de 80 e 90, ao longo das quais o seu estilo de gestão foi completamente glorificado, servindo como o exemplo a seguir por várias gerações de líderes, especialmente por aqueles que elegem o curto prazo e um estilo de liderança “à lá celebridade”. O autor demonstra, com detalhes substanciais, que o tempo que Welch passou ao leme de uma das mais reconhecidas empresas do mundo pode não ter sido assim tão inspirador e espectacular como muitos o afirmaram. Quando se refere aos “círculos de segurança”, o autor recorda que é dever do líder controlá-los mas que, para se ser um bom líder há que pertencer à “nossa” tribo. “Temos de sentir que o líder nos serve a nós e aí, sim, servimo-lo de volta e com prazer”, defende. Todavia, há uma questão que se impõe: poderemos até compreender que um “círculo de segurança” faça sentido, literalmente, quando analisamos a vida dos nossos ancestrais. Mas como é que o mesmo se aplica às empresas? Simon Sinek é peremptório ao afirmar que nas várias organizações que estudou, as quais parecem desafiar a lógica vigente em épocas de crise, pois não procederam a nenhum despedimento, encontrou um padrão similar: em todas elas, os trabalhadores sentem-se seguros. “Sentem que a pessoa que têm à sua esquerda, bem como à direita, estaria disposta a protegê-las caso algo de mal sucedesse. Todos os dias somos confrontados com perigos, seja na vida pessoal, como empresarial, e quando nos sentimos seguros, coisas extraordinárias começam a acontecer”, acrescenta, na entrevista já citada. A sua definição antropológica que caracteriza um (bom) líder como alguém que coloca os interesses dos outros à frente dos seus próprios, tem também eco nas pesquisas que realizou sobre as tribos de homo sapiens. “Quando olhamos para os primórdios da humanidade, subjacente ao critério da existência de um alfa – um líder -, está também um compromisso face ao bem-estar do grupo”, garante. Ora, quando nos sentimos seguros no meio dos nossos semelhantes, existe uma predisposição muito maior para redireccionar a nossa energia no sentido de nos protegermos a nós próprios e aos nossos interesses. De acordo com os argumentos de Sinek, passa-se exactamente o mesmo no mundo moderno dos negócios.
Heróis são aqueles que inspiram um grau elevado de confiança Na sua incursão no universo multifacetado da liderança, Sinek acabou por descobrir uma outra tendência interessante. As organizações em que as pessoas trabalham com maior eficácia enquanto equipas têm culturas significativamente diferentes daquelas em que os empregados tendem a não cooperar tão facilmente. Ou, por outras palavras, as organizações com culturas fortes que se concentram em colocar as necessidades das suas pessoas à frente das dos seus líderes são mais eficazes. Como sublinha o autor mais uma vez, são organizações onde os líderes “comem”por último. Adicionalmente, e à medida que foi travando conhecimento com muitos líderes de excelência – muitos deles considerados como verdadeiros heróis [uma boa parte da sua pesquisa foi realizada, como já anteriormente mencionado, junto das forças militares dos Estados Unidos] – Sinek acabou por ter de recusar uma premissa que, inicialmente, tinha tomado como certa: a de que estas pessoas fora de série teriam de possuir um traço de personalidade específico que as distinguisse das demais. Todavia, quando começou a questioná-las sobre os motivos que as levavam a agir com heroísmo, arriscando as suas próprias vidas para ajudar os outros, a resposta era, geralmente, a mesma: “porque eles fariam o mesmo por mim”. E foi assim que, na sua pesquisa, partiu para uma nova hipótese: não são as pessoas extraordinárias que se tornam, necessariamente, heróis; ao invés, as pessoas heróicas são simplesmente, membros de organizações que possuem um nível muito elevado de confiança mútua. Ao incluir estudos de caso inspiradores, pesquisas verdadeiramente surpreendentes e explicações biológicas e antropológicas sobre os motivos que comprovam que as organizações mais bem-sucedidas a longo prazo são aquelas que conseguem criar um forte Círculo de Segurança, a obra de Simon Sinek deixa de responder aos padrões comuns e rotineiros que caracterizam uma boa parte da literatura sobre liderança. O autor defende igualmente que a causa principal dos fracassos das organizações reside na tendência que estas têm em se concentrar mais nos números e nos resultados de curto prazo do que nas suas pessoas. A ideia também não é inovadora, mas Sinek adiciona a esta receita antiga alguns novos ingredientes que fazem a diferença. Questionado, numa entrevista que deu à CBS, sobre os “bons líderes” na sociedade da actualidade, Sinek afirma que, em termos gerais e no fundamental, um bom líder é como um bom pai ou mãe. “Colocamos as vidas dos nossos filhos à frente das nossas próprias vidas”, diz. “Queremos que eles cresçam, se tornem confiantes e que possam atingir objectivos mais elevados do que os nossos”, acrescenta, afirmando que a liderança partilha, exactamente, desde desejo comum. “Os líderes são aqueles que estão dispostos a arriscar, quando é necessário, os seus próprios interesses, para que os outros possam ir mais longe”. E, continuando com esta analogia, afirma que se o facto de decidirmos que queremos ser pais é uma escolha, ser um bom líder é, também, uma opção. “Ter um filho é a parte divertida. E criá-lo é a parte complicada”, defende. Passa-se o mesmo com a liderança. A criação da empresa é a parte divertida, mas ao nos transformamos em líderes, e ao escolhermos colocar os interesses dos que connosco trabalham à frente dos nossos, a tarefa torna-se complicada. Mas possível. Mais ainda o autor recorda que os líderes precisam de compreender que os humanos desejam, de forma natural, trabalhar em conjunto, sendo que aquilo que os une é a camaradagem e não o cumprimento de prazos. “Somos, naturalmente, animais cooperativos. A nossa inclinação natural é para confiar e cooperar. Todavia, a confiança e a cooperação não funcionam como ‘instruções’. Não basta dizer ao outro que pode confiar em mim, e também não é possível ordenar a duas pessoas que cooperem entre si”, escreve o autor. “A confiança e a cooperação são sentimentos induzidos pelo ambiente onde trabalhamos, sendo que o mesmo é criado pelos líderes”, acrescenta. Mais uma vez, o autor argumenta que quando os trabalhadores se “sentem seguros” e que quando os líderes mantêm o interesse dos mesmos em mente, a reacção natural dos humanos é “cuidar uns dos outros”, trabalhando mais arduamente, de forma mais inovadora e colocando ao serviço as suas melhores competências e talentos”. Inversamente, quando os números têm prioridade sobre as pessoas, o resultado cifra-se numa organização na qual as pessoas não se sentem seguras. Por sua vez, ao não se sentirem seguras no seu interior, não reúnem as condições necessárias para trabalharem em conjunto de forma a enfrentar os inúmeros desafios provenientes do seu exterior. E quando o sentimento de segurança está bem patente – o já mencionado Círculo – o trabalho em equipa cifra-se em formas extraordinárias que dão origem ao sucesso de longo prazo. A simplicidade das ideias defendidas por Simon Sinek acaba por constituir a sua grande força. Afinal, o que “pede” é que os líderes tomem a iniciativa de cuidar melhor das pessoas que compõem a sua equipa.
Ultrapassar o cliché das “pessoas em primeiro lugar” O conceito de abstracção é inerente à infelizmente famosa frase de Stalin que afirmava que uma morte é uma tragédia e que um milhão de mortes é uma estatística. A história de uma jovem que é atropelada e deixada na estrada por um condutor sem remorsos é profundamente chocante. Por seu turno, quando ouvimos nas notícias que o conflito na Síria já provocou dezenas de milhares de mortes, o efeito não é significativo, na medida em que essas mortes são abstractas. Para o autor, este poder de abstracção reflecte-se no mundo das empresas. Muitos líderes empresariais, afirma, têm a mesma facilidade em ignorar a dor que infligem nos outros – através de despedimentos em massa, por exemplo – porque no cenário organizacional esta dor é abstracta. E dado que é fácil magoar as pessoas, é igualmente fácil dar prioridade aos números em detrimento das pessoas. A solução para o problema da abstracção, de acordo com Sinek, é saber geri-la. E unir as pessoas é uma forma de o fazer. Os media sociais podem constituir uma ferramenta de comunicação útil, mas as conversas face a face regulares e as reuniões continuam a ser insubstituíveis. Uma outra solução defendida por Sinek é seguir o denominado Número de Dunbar. Uma pesquisa famosa realizada pelo antropólogo Robin Dunbar demonstra que só é possível ao ser humano ter um relacionamento verdadeiro com um número máximo de 150 pessoas. E esse é o motivo, apresentado como estudo de caso no livro, que explica por que motivo o colosso empresarial Gore-Tek, que emprega mais de 10 mil colaboradores, continua a organizar as suas fábricas e escritórios em grupos de trabalho não superiores a 150 pessoas. A abstracção é apenas uma das áreas relacionadas com a temática de colocar as pessoas em primeiro lugar coberta neste livro. Por exemplo, e tendo como base a biologia dos humanos – o equilíbrio entre as substâncias químicas “egoístas”(a endorfina e a dopamina) e “altruístas” (a serotonina e a oxitocina) que permitem aos humanos sobreviver e colaborar – o autor explica por que razão as pessoas se tornam mais felizes e produtivas quando os líderes sabem desencadear o equilíbrio adequado entre o egoísmo (resolver um problema ou atingir um determinado objectivo) e o altruísmo (que potencia a criação de relacionamentos fortes). E descreve, através de bons exemplos, a estrutura do “Círculo de Segurança” a ser implementada num ambiente que promove a produtividade e o trabalho em equipa, ao mesmo tempo que reduz as tensões e os conflitos. Uma outra ideia bem desenvolvida no livro prende-se com a tentação para a “abundância destrutiva”: quanto mais se tem, mais esforços se fazem para proteger esses “bens” a todo o custo. O exemplo neste caso é dado pelo plano divulgado recentemente pelo Bank of America, o qual pretende cobrar comissões na utilização dos cartões de débito para compensar a perda de outras fontes de receitas de acordo com as novas regras estabelecidas para a banca nos Estados Unidos. Por último, uma questão obrigatória: quais as características principais de um mau líder? |
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Editora Executiva