A mulher que conseguiu transformar “uma start-up numa multinacional” serve de inspiração a um pequeno livro de gestão que está a dar que falar. Escrito por uma antiga voluntária das Missionárias de Caridade, em conjunto com um estratega de negócios, é aconselhado aos líderes que se esqueceram que a arte de bem liderar está assente em princípios simples, mas eficazes. E que, mais do que nunca, convém recuperar
“Não é necessário ser um santo para se ser um grande líder, mas acredito que se tem de ser um grande líder para se poder ser santo”. A frase é de Ruma Bose, a co-autora, com o estratega de negócios, Lou Faust, do livro “Mother Teresa, CEO: Unexpected Principles for Practical Leadership”. À partida, poder-se-ia pensar que este é mais um livro dedicado à mulher que devotou a sua vida “aos mais pobres dos pobres”, que recebeu o Nobel da Paz e que foi beatificada. Mas não é propriamente o caso. Sim, a vida de Madre Teresa de Calcutá serve como pano de fundo à narrativa deste livro de negócios, mas a verdade é que a obra foi escrita mediante uma perspectiva puramente empresarial. Afinal de contas e se pensarmos bem, não é de todo descabido que a ordem das Missionárias da Caridade, fundada por Madre Teresa, possa representar um excelente estudo de caso de uma líder que viu o seu empreendimento crescer de “uma start-up até a uma multinacional”. Fundada em 1948, por uma empreendedora apaixonada e 12 membros leais de uma equipa que cresceu ao ponto de se transformar num dos maiores empreendimentos do mundo, tem operações em mais de 100 países na actualidade, inclui mais de um milhão de membros, já aplicou milhares de milhões de dólares de capital e é uma das mais reconhecidas marcas na História. E é por estes motivos que são muitos aqueles que comparam o seu poder organizacional ao de gigantes tão conhecidos como a Hewlett Packard, a Disney ou a Coca-Cola. Dividido em oito secções, cada uma delas representando o respectivo princípio prático (e, em muitos casos, secular) de liderança, o livro começa por clarificar que não é necessário ser um santo para se ser um grande líder (o que nos tranquiliza a todos), mas que é possível beneficiar dos ensinamentos deixados pela famosa freira de Calcutá. Como afirma a própria autora, que trabalhou como voluntária nas Missionárias da Caridade e agora é co-CEO de uma empresa de produtos naturais, “o que guiava a Madre Teresa era Deus, mas Deus é uma variável”. Ou, por outras palavras, “para outros, pode ser o lucro”. Da simplicidade ao poder do silêncio Uma outra das lições que tem suscitado alguma perplexidade no mundo das críticas de livros é a que diz que “para se chegar aos anjos, há que lidar com o diabo”. E há que revisitar a história de Madre Teresa neste ponto em particular. Na verdade, esta arriscou a sua credibilidade (tendo sido fortemente criticada) ao aceitar dinheiro do antigo presidente e ditador haitiano, Jean Claude Duvalier, conhecido por Baby Doc, para suprir as necessidades da sua causa. Foi desta forma que os autores optaram por “desculpar” o facto de ter aceitado dinheiro de um “diabo”, mesmo que por bons motivos, afirmando que a causa era boa, apesar de o dinheiro ser sujo. Os autores defendem ainda que, para se tomar uma decisão desta natureza, são necessários fortes valores éticos e que os líderes de negócios deveriam seguir o exemplo. Um conselho muito discutível, na verdade. Os líderes deverão igualmente constituir a “memória”viva dos valores da organização. Ou seja, devem espelhar, em si mesmos, aquilo que definiram como os valores e a missão da organização que lideram. As escolhas de vida de Madre Teresa reflectiam os valores que tinha elegido para as Missionárias da Caridade. “O seu sari branco e simples, com as três riscas azuis, reflectiam os seus votos de castidade, pobreza e obediência e o seu modo de vida ainda mais simples”, pode ler-se no livro. Liderar pelo exemplo e honrar a disciplina constituem igualmente traços de liderança aplicados por Madre Teresa. “Se existia lixo no chão, ela não esperava que alguém o varresse. Varria ela”, escrevem os autores. Como afirma Ruma Bose numa entrevista ao site patheus.com, “a freira acordava todos os dias às 4 da manhã e era absolutamente adversa à procrastinação”. E, no que respeita a dar o exemplo, apesar de a freira ter sido uma missionária católica, dizia sempre: “se um hindu [que era o caso de Ruma Bose] for um hindu melhor, ou um muçulmano se tornar um melhor muçulmano ou um budista um melhor budista como resultado do meu exemplo, como é que isso será motivo de preocupação para mim?”. Ou seja, o seu impacto transcendia a religião, o que, em linguagem de negócios, pode ser interpretado como o líder que não faz distinções entre os seus colaboradores, por mais “baixo” que seja o seu lugar na escada hierárquica. A ideia, há muito defendida pelos gurus da gestão, é a de que é crucial que os colaboradores se sintam, e sem excepção, devidamente valorizados. Outro dos princípios é o poder da dúvida. Madre Teresa teve uma crise de fé, o que a levou a questionar muitos dos caminhos que a levavam a Deus, mas que, no final, a tornaram mais forte. E duvidar, enquanto líder, se se está a trilhar o caminho mais certo, se se está a fazer o melhor para a organização, enquanto uma entidade viva, alimentada por pessoas e não por meros recursos, deverá constituir missão contínua. E não só por parte do CEO, mas também de outros detentores de cargos de chefia. Os autores descrevem este poder da dúvida como “encontrar a coragem, olhando para o medo de frente, para que possam continuar a liderar a sua organização da melhor forma”. Sim, as lições de Madre Teresa reinterpretadas para CEO, num livro de gestão, simples e pouco volumoso, poderão ser consideradas como mero senso comum. O problema é que, por serem tão simples, estão votadas ao esquecimento. Uma excelente altura para as voltar a colocar em prática. |
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Editora Executiva