A mulher que conseguiu transformar “uma start-up numa multinacional” serve de inspiração a um pequeno livro de gestão que está a dar que falar. Escrito por uma antiga voluntária das Missionárias de Caridade, em conjunto com um estratega de negócios, é aconselhado aos líderes que se esqueceram que a arte de bem liderar está assente em princípios simples, mas eficazes. E que, mais do que nunca, convém recuperar
Dividido em oito secções, cada uma delas representando o respectivo princípio prático (e, em muitos casos, secular) de liderança, o livro começa por clarificar que não é necessário ser um santo para se ser um grande líder (o que nos tranquiliza a todos), mas que é possível beneficiar dos ensinamentos deixados pela famosa freira de Calcutá. Como afirma a própria autora, que trabalhou como voluntária nas Missionárias da Caridade e agora é co-CEO de uma empresa de produtos naturais, “o que guiava a Madre Teresa era Deus, mas Deus é uma variável”. Ou, por outras palavras, “para outros, pode ser o lucro”. Da simplicidade ao poder do silêncio Uma outra das lições que tem suscitado alguma perplexidade no mundo das críticas de livros é a que diz que “para se chegar aos anjos, há que lidar com o diabo”. E há que revisitar a história de Madre Teresa neste ponto em particular. Na verdade, esta arriscou a sua credibilidade (tendo sido fortemente criticada) ao aceitar dinheiro do antigo presidente e ditador haitiano, Jean Claude Duvalier, conhecido por Baby Doc, para suprir as necessidades da sua causa. Foi desta forma que os autores optaram por “desculpar” o facto de ter aceitado dinheiro de um “diabo”, mesmo que por bons motivos, afirmando que a causa era boa, apesar de o dinheiro ser sujo. Os autores defendem ainda que, para se tomar uma decisão desta natureza, são necessários fortes valores éticos e que os líderes de negócios deveriam seguir o exemplo. Um conselho muito discutível, na verdade. Os líderes deverão igualmente constituir a “memória”viva dos valores da organização. Ou seja, devem espelhar, em si mesmos, aquilo que definiram como os valores e a missão da organização que lideram. As escolhas de vida de Madre Teresa reflectiam os valores que tinha elegido para as Missionárias da Caridade. “O seu sari branco e simples, com as três riscas azuis, reflectiam os seus votos de castidade, pobreza e obediência e o seu modo de vida ainda mais simples”, pode ler-se no livro. Liderar pelo exemplo e honrar a disciplina constituem igualmente traços de liderança aplicados por Madre Teresa. “Se existia lixo no chão, ela não esperava que alguém o varresse. Varria ela”, escrevem os autores. Como afirma Ruma Bose numa entrevista ao site patheus.com, “a freira acordava todos os dias às 4 da manhã e era absolutamente adversa à procrastinação”. E, no que respeita a dar o exemplo, apesar de a freira ter sido uma missionária católica, dizia sempre: “se um hindu [que era o caso de Ruma Bose] for um hindu melhor, ou um muçulmano se tornar um melhor muçulmano ou um budista um melhor budista como resultado do meu exemplo, como é que isso será motivo de preocupação para mim?”. Ou seja, o seu impacto transcendia a religião, o que, em linguagem de negócios, pode ser interpretado como o líder que não faz distinções entre os seus colaboradores, por mais “baixo” que seja o seu lugar na escada hierárquica. A ideia, há muito defendida pelos gurus da gestão, é a de que é crucial que os colaboradores se sintam, e sem excepção, devidamente valorizados. Outro dos princípios é o poder da dúvida. Madre Teresa teve uma crise de fé, o que a levou a questionar muitos dos caminhos que a levavam a Deus, mas que, no final, a tornaram mais forte. E duvidar, enquanto líder, se se está a trilhar o caminho mais certo, se se está a fazer o melhor para a organização, enquanto uma entidade viva, alimentada por pessoas e não por meros recursos, deverá constituir missão contínua. E não só por parte do CEO, mas também de outros detentores de cargos de chefia. Os autores descrevem este poder da dúvida como “encontrar a coragem, olhando para o medo de frente, para que possam continuar a liderar a sua organização da melhor forma”. Sim, as lições de Madre Teresa reinterpretadas para CEO, num livro de gestão, simples e pouco volumoso, poderão ser consideradas como mero senso comum. O problema é que, por serem tão simples, estão votadas ao esquecimento. Uma excelente altura para as voltar a colocar em prática. |
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Editora Executiva