Entre guerras, crises e cansaço generalizado, as férias podem ser um raro espaço de reconstrução interior: ajudam a resgatar a tranquilidade, a realinhar valores e a encontrar sentido no meio do ruído. Assim, e para quebrar a tradição, este ano trocámos a gestão e a liderança por obras que nos ajudam a recuperar o fôlego — e a esperança — num mundo cada vez mais complexo e incerto
POR HELENA OLIVEIRA
Todos os anos, o VER sugere livros para as férias, normalmente focados em temas como gestão, liderança, tecnologia ou inovação. Desta vez, contudo, propomos uma abordagem diferente. Vivemos tempos de grande instabilidade: guerras, crises humanitárias, desigualdades crescentes e um cansaço generalizado com o estado do mundo. Em muitos casos, torna-se difícil manter o equilíbrio interior e continuar a agir com propósito e esperança.
Por isso, escolhemos livros publicados recentemente que “falam connosco” a um nível mais profundo: sobre como escolher com mais consciência, encontrar serenidade, recuperar vitalidade emocional e resistir com humanidade mesmo nos contextos mais difíceis. Incluímos também um romance singular, carregado de simbolismo e esperança. Optámos assim por leituras que combinam profundidade e acessibilidade, ideais para um tempo de pausa e para um reencontro com o essencial.
Languishing: How to Feel Alive Again in a World That Wears Us Down
Corey Keyes
Reconhecer o vazio para reencontrar a vida
Neste livro profundo e reconfortante, o sociólogo Corey Keyes, conhecido por ter cunhado o termo “languishing”, oferece-nos um guia para compreender e ultrapassar a sensação difusa de apatia e desconexão que cada vez mais pessoas dizem estar a sentir, Languishing não é sinónimo de depressão, mas um estado emocional em que se perde o brilho da vida, uma espécie de “zona cinzenta” entre o bem-estar e a doença — marcada por indiferença, baixa motivação e falta de propósito. Para as pessoas que se encontram neste estado, reina o sentimento de que perderam o controlo da própria vida, não sabem o que esperam do futuro e ficam paralisadas quando têm de tomar decisões.
Depois de décadas de investigação em psicologia positiva, Keyes defende que a chave para sair deste estado está em cultivar, de forma deliberada, cinco “vitaminas comportamentais”. Estas práticas passam por seguir a curiosidade, reescrever a narrativa pessoal através do crescimento interior, cultivar relações significativas, desenvolver uma relação com o lado espiritual da vida, seguida de identificação e vivência de um propósito. Keyes sublinha, contudo, que não basta ter um sentido de propósito na vida — é preciso vivê-lo. Por fim, a quinta “vitamina” é a brincadeira: redescobrir a alegria e o prazer do lúdico. Estas práticas, ainda que simples, têm impacto real e sustentado na forma como nos sentimos e relacionamos com o mundo.
O livro combina também rigor científico com exemplos do quotidiano e histórias pessoais, demonstrando que o florescimento humano não é um privilégio de poucos, mas uma possibilidade acessível — desde que saibamos reconhecer os sinais do nosso próprio esvaziamento interior e nos predisponhamos a pequenas mudanças consistentes. Não se trata de perseguir a felicidade como um ideal abstracto, mas de reconstruir vitalidade emocional a partir do que já temos.
Com um tom empático, lúcido e motivador, Languishing é uma leitura fundamental para tempos de desgaste colectivo. Um lembrete de que a vida pode ser reencontrada — e reinventada — mesmo nos dias menos brilhantes.
What We Value: The Neuroscience of Choice and Change
Emily Falk
Escolher com consciência, mudar com propósito
Neste livro acessível e revelador, Emily Falk — investigadora em neurociência da comunicação na Universidade da Pensilvânia — mostra como o cérebro humano calcula, ajusta e reconstrói os nossos valores ao longo da vida. A autora mergulha no território das escolhas pessoais e sociais para demonstrar que, se entendermos como formamos as nossas preferências, podemos também transformá-las.
A partir de investigações inovadoras no campo da neurociência do comportamento, What We Value explora como os valores moldam decisões grandes e pequenas — desde o que comemos ou partilhamos online até às causas que defendemos ou aos caminhos que escolhemos na vida. Neste campo, a autora oferece um argumento esperançoso: os nossos valores não estão gravados na pedra, são maleáveis, influenciáveis e — mais importante — intencionalmente cultiváveis.
Ao longo da obra, Emily Falk combina rigor científico com storytelling, trazendo histórias de figuras públicas — como comediantes, líderes desportivos ou jornalistas — para ilustrar de que forma as decisões pessoais podem gerar impacto colectivo. A autora mostra que os valores podem ser cultivados ou realinhados, libertando-nos de hábitos automáticos e de expectativas sociais que nos limitam.
Uma das ideias-chave do livro é que a mudança sustentável ocorre não quando tentamos impor comportamentos desejáveis aos outros, mas sim quando conseguimos activar, reforçar ou realinhar os valores que já existem nessas mesmas pessoas. Este princípio é particularmente relevante para quem trabalha em educação, liderança, comunicação social ou activismo.
Emily Falk escreve com clareza e empatia, partilhando histórias pessoais, exemplos culturais e experiências laboratoriais que aproximam a ciência da vida real. O seu trabalho desafia a crença de que somos reféns dos nossos hábitos ou das pressões sociais. Pelo contrário: podemos aprender a escolher melhor — para nós e para os outros — quando sabemos o que realmente valorizamos.
Um livro que inspira a viver de forma mais consciente, coerente e transformadora e ideal para quem procura alinhar escolhas diárias com valores duradouros.
Consider This: Reflections for Finding Peace
Nedra Glover Tawwab
Encontrar a esperança no caos global
Neste livro , a terapeuta Nedra Glover Tawwab e autora do bestseller “Drama Free: A Guide to Managing Unhealthy Family Relationships” oferece 365 entradas curtas — pensamentos, lembretes, convites — para ajudar a alinhar com o que importa e viver com serenidade no meio do caos diário.
Ao longo de reflexões diárias — sobre limites saudáveis, dramas evitados, honestidade consigo mesmo e com os outros ou maneiras reais de buscar paz e alegria nos momentos mais simples — o livro funciona como um bloco de notas emocional: um espaço de pausa, de inspiração e de presença.
Cada entrada é escrita com clareza e empatia, como se fosse uma conversa com uma terapeuta que conhece o desgaste e oferece ferramentas acessíveis para o ultrapassar: aprender a exprimir-se com integridade, perceber quando estamos a reagir por apego ou medo, encontrar alegria mesmo quando o mundo nos parece feio e pouco acolhedor .
Para quem procura esperança num quadro de caos global, este livro oferece algo precioso: a sensação de que podemos escolher a paz, dia após dia. Com estratégias simples — como estabelecer limites, evitar dramas desnecessários ou reacender a alegria onde às vezes só há rotina — Tawwab mostra que a mudança começa no “pequeno” e no tempo presente.
Ideal para quem quer reencontrar equilíbrio emocional, cultivar saúde relacional e viver com mais presença, clareza e gentileza.
Irreplaceable: How to Create Extraordinary Places that Bring People Together
Kevin Ervin Kelley
Arquitectura do vínculo: espaços que cultivam comunidade e presença
Kevin Ervin Kelley — arquitecto e co-fundador da firma design Shook Kelley — defende que os lugares físicos são cada vez mais essenciais para mantermos a ligação humana num mundo cada vez mais digital. E Irreplaceable é uma reflexão profunda sobre como os ambientes que nos rodeiam moldam os nossos afectos, os nossos encontros e até a nossa vontade de pertença.
O autor constrói a sua argumentação em quatro partes: os fundamentos da percepção humana no espaço, as experiências que atraem grupos, o papel do design no local de trabalho e a gestão de comunidades. Utilizando exemplos concretos — mercados comunitários, cafés, centros culturais, escritórios — Kelley mostra como a arquitectura e o design podem gerar “momentos de fogueira” (bonfire moments): experiências espontâneas de união, colaboração e partilha entre estranhos e vizinhos.
Com uma escrita que cruza antropologia, psicologia ambiental e casos inspiradores, o livro desafia a ideia de que o digital pode substituir o físico. Pelo contrário, o autor argumenta que é nas experiências colectivas presenciais que construímos cultura, empatia e sentimento de pertença — dificilmente replicáveis online.
Tendo como premissa que a convivência e a construção de espaços acolhem diálogos profícuos, Irreplaceable oferece ferramentas concretas para projectar lugares que conectam corações e histórias. Uma chamada à acção para se repensar o espaço público e privado como experiências humanas e não meramente utilitárias.
Madeleine Thien
Um romance filosófico sobre migrações, memória e esperança diante da opressão
Neste romance visionário, Madeleine Thien apresenta-nos o “Sea”, um enclave futurista onde refugiados habitam um edifício onde o passado e o futuro colidem: as suas entradas e saídas correspondem a diferentes décadas, existem paredes que narram memórias e o curso da vida nem sempre segue em linha recta. É ali que Lina e o seu pai doente, Wui Shin, se instalam com apenas três livros nas mãos, guias simbólicos de suas referências intelectuais e emocionais.
À medida que Lina conhece os vizinhos refugiados, as conversas giram sempre e constantemente sobre grandes temas – a história e a linguagem ou a liberdade e a identidade – num diálogo entre diferentes gerações: Bento, um estudioso judeu na Amesterdão do século XVII; Blucher, um filósofo na Alemanha dos anos 1930 que escapa à perseguição nazi; e Jupiter, um poeta da China da dinastia Tang. Estas três figuras — Bento, Blucher e Jupiter — representam, em diferentes rostos e épocas, o poeta Du Fu, o filósofo Spinoza e a pensadora Hannah Arendt, assumindo o papel de mentores filosóficos que ajudam Lina a escrever a sua própria narrativa. Combinando fragmentos de memórias, filosofia, relatos históricos e fantasia, Thien compõe uma teia literária onde o exílio se transforma numa ponte entre identidades e futuros possíveis.
A estrutura fragmentada e os momentos mais abstractos exigem do leitor uma certa disposição para o enigma e para a ambiguidade — sem a ânsia de resoluções fáceis. Ainda assim, o romance emociona pela força com que afirma uma ética da interdependência: “Para estender a vida e preservar a civilização, somos obrigados a salvarmo-nos uns aos outros”. Esta máxima circula como um fio condutor entre os personagens — e assenta com pertinência no tempo em que vivemos.
Em tempos de cansaço profundo, ler pode ser mais do que lazer: pode ser resistência, reencontro e reconstrução interior. Que estas leituras inspirem não apenas descanso, mas também a esperança activa de que o mundo, mesmo ferido, ainda merece ser cuidado.
Imagem: © pixabay.com
Editora Executiva