POR GABRIELA COSTA
“É essencial que as empresas pensem estrategicamente sobre como posicionar-se no mercado de forma competitiva e sustentável” – António Mexia
Como irá o sector empresarial português posicionar-se em 2030 no quadro da implementação do Acordo de Paris? O BCSD Portugal tem um novo projecto que, utilizando por base metodológica o papel central da energia no crescimento económico, na competitividade dos sectores e no desenvolvimento de novos modelos de negócio, visa identificar e propor oportunidades para as empresas portuguesas no horizonte dos próximos anos.
Com a iniciativa “Meet 2030: Energia, clima e crescimento económico – oportunidades de negócio em Portugal” o Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável quer desafiar os seus associados a “imaginar o futuro”, transportando as empresas “para o desconhecido” e levando-as a “desbravar caminhos disruptivos” rumo ao carbono neutro.
O projecto, apresentado no dia 20 de Outubro na Conferência Anual do BCSD Portugal, este ano dedicada à temática “Preparar o mundo para uma economia neutra em carbono. Quais as estratégias empresariais necessárias?”, alinha-se com as metas do Acordo de Paris, ratificado recentemente e que visa atingir uma economia net zero na segunda metade do século. Mas também na visão do próprio BCSD, que ambiciona que, até 2030, Portugal seja um país europeu de referência nas soluções empresariais que promovem uma economia de baixo carbono, que valorizam os serviços dos ecossistemas e que contribuem para o bem-estar das pessoas.
Os objectivos do Meet 2030 passam por criar cenários para Portugal no contexto de uma quarta revolução industrial tendo em conta os compromissos nacional, europeu e global para alcançar a neutralidade carbónica, os desafios dos vários sectores económicos e a investigação nesta área; identificar potenciais novos sectores de actividade económica, inovação em produtos e processos e as vantagens competitivas necessárias para que as empresas possam manter um crescimento sustentável a longo prazo; e identificar as soluções com maior valor acrescentado e contribuir para uma policy action que permita definir prioridades estratégicas a nível nacional e internacional.
Encontrar caminhos para antecipar os desafios
Desenvolvido em parceria com o Instituto Superior Técnico e com as empresas associadas do BCSD (como a Amorim, a Brisa, a EDP, a GALP, a Gestamp e a The Navigator Company, envolvidas no Meet 2030 desde o início), e com a participação de vários stakeholders, incluindo entidades públicas e organizações nacionais e internacionais, o projecto, que visa conseguir uma projecção global, pretende dar resposta aos desafios ambientais e sociais que Portugal e o mundo enfrentam.
Tudo porque “é absolutamente essencial que as empresas pensem estrategicamente sobre como posicionar-se de forma competitiva e sustentável no mercado a médio e longo prazo”, como defende António Mexia, na qualidade de presidente da direcção do BCSD Portugal.
Considerando o Meet 2030 “um projecto emblemático”, o presidente executivo da EDP afirma que, em conjunto com as empresas da sua rede nacional, a associação membro do WBCSD – World Business Council for Sustainable Development quer encontrar caminhos para antecipar os desafios que a implementação do Acordo de Paris impõe. Mas deixa o alerta: “só vamos conseguir diminuir as emissões de CO2 das economias e alcançar uma economia neutra em carbono na segunda metade do século se conhecermos bem a evolução histórica do crescimento económico e se não tivermos receio de sermos disruptivos na forma de fazer negócios. Os dados científicos de que dispomos hoje já são suficientes para tomarmos decisões. É isso que estamos empenhados em fazer: aproximar a ciência às empresas e a economia à engenharia”.
Para proporcionar esta aproximação, o Meet 2030 realiza a partir de Dezembro um conjunto de quatro workshops (Ver Caixa) abertos aos associados do BCSD Portugal – cuja “participação activa é fundamental”, nas palavras da sua secretária geral -, onde as empresas são convidadas a imaginar a economia em 2030 através da reflexão sobre as estratégias empresariais e as incertezas associadas ao crescimento económico, e através da identificação das tecnologias que podem melhorar a eficiência energética em 2030, potenciando assim novos modelos de negócio.
[quote_center]Estamos a entrar numa fase de transição para um novo modelo económico, assente numa economia de baixo carbono[/quote_center]
A iniciativa distingue-se também por uma forte componente de investigação, que passa pelo recurso ao método de Scenario Planning – ferramenta usada por gestores para definir uma estratégia empresarial “que inclui no processo de análise várias incertezas ao mesmo tempo, e que incorpora elementos difíceis de incluir noutras abordagens mais lineares, tais como novos regulamentos, mudanças ou inovações de valor”, como explica Sofia Santos na apresentação do Meet 2030 -, em articulação com uma abordagem sustentada sobre a energia e a eficiência energética.
“Como pode Portugal antecipar e posicionar-se para um contexto de neutralidade carbónica? Quais os factores competitivos? Como criar emprego e crescer numa economia neutra em carbono?” O Meet 2030 responde às questões levantadas por Sofia Santos na conferência do BCSD, ao permitir às empresas adquirir um conjunto de informação que poderá ser usada individualmente na definição da sua estratégia de negócio para 2030; desenvolver inovação nos processos, no produto, no marketing e a nível organizacional atendendo aos desafios para 2030; e ter a oportunidade de incluir as especificidades do seu negócio na elaboração dos cenários que servirão de base às propostas de política pública elaboradas por parte do BCSD no âmbito do projecto, que reforça o posicionamento da Associação como “um parceiro robusto para as alterações climáticas”.
Empresas portuguesas investem em soluções para a descarbonização
Mas o que estão já a fazer as empresas em Portugal para se adaptarem a uma economia de baixo carbono, antecipando-se à entrada em vigor, a 6 de Novembro, do Acordo de Paris, ratificado por 55 países que representam mais de 55% das emissões mundiais de CO2 (EUA e China incluídos), e preparando-se para as alterações económicas previstas para os próximos anos?
A Brisa e 14 outras empresas estão a desenvolver uma metodologia de apoio à concepção e implementação de planos de mobilidade urbana, sustentada nas dimensões ambiental, económica, social e de desempenho do sistema de mobilidade, que já está a ser testada em seis cidades: Lisboa e Hamburgo (Europa), Campinas (Brasil), Banguecoque (Tailândia), Indore (Índia) e Chengdu (China).
Com aplicabilidade a qualquer cidade, autoridade metropolitana ou governo central, Sustainable Mobility já despertou o interesse de instituições internacionais como a Comissão Europeia, o Banco Mundial ou a International Council for Local Environmental Initiatives, bem como de várias cidades que também querem conhecer esta metodologia e, possivelmente, usá-la.
A Brisa implementou também uma tecnologia de iluminação eficiente nas auto-estradas, instalando balastros electrónicos em 19 mil pontos de iluminação pública da rede de auto-estradas. Com um investimento previsto de cerca de dois milhões de euros, o projecto tem a duração de oito anos (até 2020) e, no triénio 2013/2015, o custo de energia anual estimado aponta para uma redução de 36% (a estimativa de poupança a cinco anos é de 1,3 milhões de euros e, a dez anos, é de 2,6 milhões de euros). Já a previsão de redução de CO2 é de 36%.
Quanto à EDP, entre inúmeros outros projectos voltados para uma economia descarbonizada a partir de tecnologias de aproveitamento das energias renováveis, a empresa tem vindo a contribuir para a concepção e desenvolvimento de tecnologia pioneira de exploração do potencial eólico no mar (offshore). Voltar a explorar o mar permite que plataformas flutuantes (WindFloat) que podem estar parcialmente submersas, onde assenta uma turbina eólica com capacidade de produção de energia, sejam ancoradas ao fundo do mar, em locais com profundidade superior a 40 metros.
[quote_center]O Meet 2030 vai desenvolver cenários competitivos para 2030 e identificar potenciais oportunidades e inovações para o crescimento sustentável das empresas[/quote_center]
Com uma vida útil prevista de 25 anos, estas plataformas podem ser instaladas em unidades individuais ou em parques compostos por unidades múltiplas. O projecto WindFloat da EDP já produziu cerca de 16 GWh, o equivalente ao consumo de uma vila de 1250 habitantes e desde o início da operação, em 2012, até ao final de 2015, o WindFloat terá permitido reduzir as emissões de CO2 em cerca de 14 mil toneladas.
A Galp Energia, por sua vez, dedicou-se à criação de um sistema para optimização do consumo de vapor das unidades processuais da sua Refinaria de Sines. Com o projecto Otimizar vapor, o vapor produzido em excesso em algumas unidades é canalizado para outras que dele necessitem, optimizando assim o consumo. Este sistema deverá gerar uma poupança anual superior a nove milhões de euros e uma redução de 52 931 toneladas das emissões de CO2.
Finalmente, a Gestamp apostou num sistema de recuperação de calor da fábrica que aproveita o excesso do calor dos compressores de ar comprimido para aquecer a água do processo fabril “banho de pintura”. Com um investimento de 77 mil euros e payback de 26 meses, o projecto Aproveitar o calor libertado pela central de ar comprimido conseguiu reduzir 65% do consumo total de energia associado à produção da Gestamp, em menos de um ano. Prevê-se uma poupança anual no consumo de gás natural de 35 mil euros e uma redução de cerca de 66% das emissões anuais de CO2.
Em comum, estas quatro empresas têm não só a ambição de investir em soluções para a descarbonização mas também o facto de, entre outras, colaborarem no Meet 2030 e, ainda, fazerem parte do conjunto de organizações que integram o projecto Economia de Baixo Carbono – Soluções made in Portugal.
Economia net zero melhora competitividade e emprego
Lançada pelo BCSD Portugal no âmbito do projecto do WBCSD LCTPi – Low Carbon Technology Partnership Initiative, a iniciativa visa identificar e partilhar soluções concretas para a economia de baixo carbono – como de redução das emissões de gases com efeito de estufa -, que as empresas portuguesas já têm em curso. E ambiciona contribuir para que as empresas “encarem o caminho para uma economia mais sustentável como uma oportunidade para melhorar a competitividade e o emprego”.
Entre as 32 soluções apresentadas até à data encontram-se 19 de eficiência energética, quatro na área de processos industriais, três de energias renováveis, três na área de serviços e três de mobilidade, com aplicações em áreas como sistemas de transportes de baixo carbono, combustíveis alternativos, ou floresta e produtos florestais como sumidouros de carbono.
As soluções implementadas visam reduzir emissões de CO2, melhorar a eficiência no uso de recursos (água, energia, matérias-primas), mitigar as alterações climáticas, mas também gerir as expectativas de stakeholders e a reputação das empresas.
[quote_center]Já há várias soluções empresariais made in Portugal que apostam na descarbonização[/quote_center]
Só no que diz respeito às primeiras conclusões dos projectos de eficiência energética, em concreto, regista-se um investimento global de cerca de 15 milhões de euros, reduções globais de 21% das emissões de CO2 e de 15 mil tep (toneladas equivalentes de petróleo) no consumo anual de energia, e uma poupança conjunta por cada ano de 13 milhões de euros, montante que ascende a 64 milhões de euros quando se trata da poupança agregada a 5 anos.
O Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável tomou esta iniciativa no contexto da aprovação do Acordo de Paris, o qual vem, no seu entender, “confirmar que a economia europeia e mundial está a entrar numa fase de transição para um novo modelo económico, assente numa economia de baixo carbono”. Para o BCSD, este Acordo “evidencia que, do ponto de vista científico, é possível baixar as emissões de CO2 de forma a atingir, no máximo, um aumento de 2ºC da temperatura do planeta”, pelo que não há desculpas para que as organizações resistam a adaptar-se à designada economia verde. A qual “é capaz de gerar emprego e riqueza e promover a competitividade das empresas através da produção de bens e serviços com menor impacto ambiental”.
A expectativa é que as várias empresas, dentro e fora de Portugal, que já têm soluções concretas para a economia de baixo carbono alinhem as suas estratégias empresariais às exigências desse novo mercado, e inspirem as que ainda não investem na descarbonização a evoluir também neste sentido.
Energia, clima e crescimento económico: oportunidades de negócio em Portugal
Em Dezembro o BCSD Portugal dinamiza o primeiro de quatro workshops dirigidos aos seus stakeholders nacionais e internacionais, no âmbito do Meet 2030. Posteriormente será apresentado o relatório final do projecto
Workshop 1
Visão do Meet 2030 para a economia portuguesa
– > Como foi a evolução económica e energética de Portugal nos últimos 50 anos?
– > Qual o papel da eficiência energética na evolução do crescimento económico?
– > Como contribuíram as diferentes tecnologias no passado para a evolução da eficiência energética?
Workshop 2
Estratégias empresariais e oportunidades de crescimento
– > Quais as incertezas chave para a definição das estratégias empresariais?
– > Como pode a tecnologia dar origem a novos modelos de negócio?
Workshop 3
Cenários e projecções 2016-2030
– > Quais as tecnologias que podem melhorar a eficiência energética em 2030 tendo por base as projecções quantitativas para 2016-2030, as informações fornecidas pelas empresas e a investigação efectuada ao longo do projecto?
– > Quais os cenários macro que as empresas podem vir a utilizar para avaliar as suas estratégias?
Workshop 4
Apresentação do relatório intermédio Meet 2030 e debate
Publicação do relatório final do Meet 2030
A conferência de apresentação do relatório final do Meet 2030 ainda não tem data ou local previstos, mas promete traçar cenários para 2030 e identificar potenciais oportunidades e inovações que possam criar vantagens competitivas para as empresas, de forma a promover um crescimento sustentável da economia.
Jornalista