O acesso aos cuidados de saúde piorou no ano passado, conclui um novo estudo da Nova SBE. O agravamento é suportado pela população mais desfavorecida – também a mais doente, e aquela que mais paga por medicamentos
POR MARIA CAETANO  

As barreiras financeiras ao acesso a cuidados de saúde subiram no ano passado, mas essencialmente para as famílias com os rendimentos mais baixos. Entre o grupo mais desfavorecido da população, metade dos indivíduos terá optado por cortar em medicamentos necessários, indica um novo estudo da autoria dos especialistas em economia da saúde Pedro Pita Barros e Eduardo Costa.

 O estudo, “Acesso a Cuidados de Saúde 2022”, apresentado nesta terça-feira, conclui que o ano passado “foi, em vários aspectos, um ano de pior situação de acesso aos cuidados de saúde para a população, com o custo de menor acesso concentrado na população economicamente menos favorecida”.

O custo e a acessibilidade dos medicamentos – a despesa mais pesada no acesso à saúde em Portugal – para os grupos de menores rendimentos são os indicadores que melhor ilustram as dificuldades referidas. Os dados, que resultam de um inquérito a mais de 1200 indivíduos, apontam para uma percentagem de 50% das famílias de menores rendimentos que referiram não ter em 2022 adquirido todos os medicamentos de que precisavam.

Há um agravamento substancial das dificuldades desde o ano pré-pandemia, 2019, quando apenas 9% do grupo de população mais desfavorecido cortava nos gastos na farmácia. Esta percentagem subiu para 15% em 2020 e passou aos 25% em 2021, numa tendência que não se observa nas restantes classes socioeconómicas (classificadas de A a E, das menores para as maiores dificuldades financeiras enfrentadas).

Pedro Pita Barros refere que, “embora o preço dos medicamentos tenha tido, em média, uma subida, há que ter em conta que neste período as dificuldades económicas das famílias agravaram-se com o avançar no tempo da pandemia”. “Houve redução de atividade económica, e nem todas as áreas tiveram o mesmo suporte financeiro, pelo que mesmo sem inflação geral e sem aumentos de preços dos medicamentos era expectável que pudesse ocorrer esta situação”, explica.

“A existência de inflação geral, que no período do inquérito ainda não estava nos níveis elevados que veio ter depois, naturalmente acumula efeitos desfavoráveis”, assinala também o economista sobre os dados recolhidos no verão do ano passado.

 Os dados sobre episódios de doença e de custos com medicamentos por grupo socioeconómico vêm contextualizar melhor as dificuldades. É que, por um lado, são as famílias mais pobres as que sofrem mais episódios de doenças. Por outro, enfrentam também os custos mais elevados com medicamentos.

O relatório produzido pela Nova SBE aponta para uma probabilidade de episódios de doença de 70% no grupo mais desfavorecido da amostra, mais do dobro do verificado nos grupos com a melhor situação financeira. Há um impacto desproporcional para os mais pobres – nota o estudo – e que se evidencia apenas no pós-pandemia.

 Há uma alteração de padrão e acentua-se em 2022. Porquê? Os autores recomendam cautela na interpretação, mas admitem que os resultados podem estar relacionados com menor proteção contra infeções respiratórias, para a qual contarão menor acesso a trabalho remoto ou maior exposição em transportes públicos entre quem tem menores rendimentos num período ainda de impacto considerável da pandemia.

 “Não será uma questão de maiores barreiras de acesso a agravar doenças e, sim, maior exposição durante este período, aliada a uma maior vulnerabilidade em geral”, diz Pita Barros.

 Associados aos episódios de doença mais comuns vêm também os custos mais elevados. O gasto médio com medicamentos das famílias mais pobres atingiu no passado 28,7 euros em contexto de idas aos cuidados de saúde primários e 43,4 euros quando associados à ida a urgências hospitalares. Já entre as famílias com melhor situação financeira, a despesa média ficou em 16,6 e 14,9 euros, respetivamente.


As barreiras financeiras ao acesso a cuidados de saúde subiram no ano passado, mas essencialmente para as famílias com os rendimentos mais baixos. Entre o grupo mais desfavorecido da população, metade dos indivíduos terá optado por cortar em medicamentos necessários, indica um novo estudo da autoria dos especialistas em economia da saúde Pedro Pita Barros e Eduardo Costa.

 O estudo, “Acesso a Cuidados de Saúde 2022”, apresentado nesta terça-feira, conclui que o ano passado “foi, em vários aspectos, um ano de pior situação de acesso aos cuidados de saúde para a população, com o custo de menor acesso concentrado na população economicamente menos favorecida”.

 O custo e a acessibilidade dos medicamentos – a despesa mais pesada no acesso à saúde em Portugal – para os grupos de menores rendimentos são os indicadores que melhor ilustram as dificuldades referidas. Os dados, que resultam de um inquérito a mais de 1200 indivíduos, apontam para uma percentagem de 50% das famílias de menores rendimentos que referiram não ter em 2022 adquirido todos os medicamentos de que precisavam.

 Há um agravamento substancial das dificuldades desde o ano pré-pandemia, 2019, quando apenas 9% do grupo de população mais desfavorecido cortava nos gastos na farmácia. Esta percentagem subiu para 15% em 2020 e passou aos 25% em 2021, numa tendência que não se observa nas restantes classes socioeconómicas (classificadas de A a E, das menores para as maiores dificuldades financeiras enfrentadas).

Pedro Pita Barros refere que, “embora o preço dos medicamentos tenha tido, em média, uma subida, há que ter em conta que neste período as dificuldades económicas das famílias agravaram-se com o avançar no tempo da pandemia”. “Houve redução de atividade económica, e nem todas as áreas tiveram o mesmo suporte financeiro, pelo que mesmo sem inflação geral e sem aumentos de preços dos medicamentos era expectável que pudesse ocorrer esta situação”, explica.

 “A existência de inflação geral, que no período do inquérito ainda não estava nos níveis elevados que veio ter depois, naturalmente acumula efeitos desfavoráveis”, assinala também o economista sobre os dados recolhidos no verão do ano passado.

 Os dados sobre episódios de doença e de custos com medicamentos por grupo socioeconómico vêm contextualizar melhor as dificuldades. É que, por um lado, são as famílias mais pobres as que sofrem mais episódios de doenças. Por outro, enfrentam também os custos mais elevados com medicamentos.

 O relatório produzido pela Nova SBE aponta para uma probabilidade de episódios de doença de 70% no grupo mais desfavorecido da amostra, mais do dobro do verificado nos grupos com a melhor situação financeira. Há um impacto desproporcional para os mais pobres – nota o estudo – e que se evidencia apenas no pós-pandemia.

 Há uma alteração de padrão e acentua-se em 2022. Porquê? Os autores recomendam cautela na interpretação, mas admitem que os resultados podem estar relacionados com menor proteção contra infeções respiratórias, para a qual contarão menor acesso a trabalho remoto ou maior exposição em transportes públicos entre quem tem menores rendimentos num período ainda de impacto considerável da pandemia.

 “Não será uma questão de maiores barreiras de acesso a agravar doenças e, sim, maior exposição durante este período, aliada a uma maior vulnerabilidade em geral”, diz Pita Barros.

 Associados aos episódios de doença mais comuns vêm também os custos mais elevados. O gasto médio com medicamentos das famílias mais pobres atingiu no passado 28,7 euros em contexto de idas aos cuidados de saúde primários e 43,4 euros quando associados à ida a urgências hospitalares. Já entre as famílias com melhor situação financeira, a despesa média ficou em 16,6 e 14,9 euros, respetivamente.

14% esperam melhorar antes de procurar cuidados

 Os dados mais gerais do estudo indicam ainda que tem vindo a subir, desde 2019, a percentagem daqueles que não recorrem ao sistema de saúde em caso de doença. Terão sido 14% em 2022, com mais de metade destes a preferirem esperar que o problema melhorasse e quatro em dez a automedicarem-se. Na maioria dos casos, estavam em causa situações não graves.
Já entre quem recorre ao sistema de saúde, verifica-se uma recuperação na procura do Serviço Nacional de Saúde, embora com diminuição na procura de respostas por parte das unidades de cuidados de saúde primários numa altura em que se mantêm elevados os números daqueles que não têm médico de família atribuído. Entre estes, 31,6% acabam por recorrer ao setor privado. A percentagem é de apenas 7,9% entre quem tem equipa de saúde familiar.

 “De uma forma geral, quem tem médico de família tem 17% menor probabilidade de recorrer ao setor privado quando se sente doente”, indica Pedro Pita Barros.

 Mas não é este, naturalmente, o fator mais determinante. “Quem tem melhor condição económica, associada aqui com facilidade em fazer face às despesas regulares do agregado familiar, tem cerca de 30% de maior probabilidade de escolher ir ao setor privado se não tiver médico de família”.

 As opções que sobram são as de procurar uma consulta sem marcação num centro de saúde (36,4% dos que não têm médico de família fizeram-no em 2022), acorrer à urgência de um hospital público (33,2%) ou procurar resposta no SNS24 (30,2%).

Artigo originalmente publicado no Jornal de Negócios. Republicado com autorização.

Maria Caetano

jornalista do Jornal de Negócios