Num mundo onde a tecnologia avança a passos largos, os líderes que mais crescem não são os que investem mais — são os que mudam mais depressa a sua forma de pensar. Coragem, foco, talento partilhado e decisões orientadas por dados são alguns dos pilares da nova liderança. Um novo estudo publicado pelo IBM Institute for Business Value explora as cinco mudanças de mentalidade que estão a moldar o futuro das organizações. E da liderança
POR HELENA OLIVEIRA
Num cenário moldado pela inteligência artificial, os líderes que conseguirem antecipar com precisão as mudanças do mercado, os comportamentos dos clientes e os resultados operacionais serão os que comandam o jogo. A capacidade de prever tornou-se mais valiosa do que nunca — e é precisamente essa a prioridade número 1 identificada no estudo “5 Mindshifts to Supercharge Business Growth”, conduzido pelo IBM Institute for Business Value e incluído no The Global C-suite
Study Series. A previsibilidade deixou de ser apenas uma vantagem competitiva, transformando-se agora na base sobre a qual se constroem decisões estratégicas e se define quem lidera no novo paradigma empresarial.
Estamos a viver um momento de profunda viragem. A inteligência artificial (IA) já não é apenas uma promessa tecnológica — é uma força real de transformação que está a remodelar os fundamentos da economia, da cultura empresarial e da própria liderança. No estudo acima referido, realizado pelo IBM Institute for Business Value e em colaboração com a Oxford Economics, foram entrevistados dois mil CEO de 33 países e de 24 sectores de actividade para se aferir como enfrentam este novo mundo.
A conclusão é clara e estratégica: os líderes com melhor desempenho não são necessariamente os que mais investem em tecnologia, mas sim os que transformam mais rapidamente a sua forma de pensar. O estudo da IBM identifica cinco mudanças críticas de mentalidade — da coragem à reinvenção, da cultura de dados à disciplina no investimento e à gestão criativa do talento — como os verdadeiros catalisadores de crescimento sustentável num mundo digital.
A coragem como competência central
Num tempo em que a mudança é a única constante, a coragem tornou-se um activo estratégico. Os CEO mais bem-sucedidos são aqueles que sabem decidir com base em informação imperfeita, que não esperam garantias para agir e que assumem riscos com responsabilidade.
Ser corajoso, hoje, é mais do que ter audácia — é agir mesmo quando o cenário é incerto, é investir onde os dados ainda não oferecem as garantias necessãrias, é desafiar a cultura interna que se opõe à transformação. Essa coragem vê-se, por exemplo, em decisões de corte com modelos de negócio obsoletos ou na forma como se assume uma posição pública no que respeita a temas sociais ou éticos relevantes.
Segundo o estudo da IBM, 64% dos CEOs afirmam que precisam de correr mais riscos do que a concorrência para manter vantagem competitiva, e 67% destacam a necessidade de flexibilidade orçamental para investir em inovação digital com impacto a longo prazo. Ainda assim, apenas 37% consideram-se bem preparados para antecipar as mudanças que terão maior impacto nos seus negócios — um dado que revela a distância entre intenção e capacidade real de liderança em ambientes complexos.
Trata-se de uma coragem informada, que valoriza o erro como parte do processo de aprendizagem e que transforma a liderança num exercício de visão e responsabilidade. Num ambiente moldado pela IA, onde a mudança tecnológica corre mais depressa do que a capacidade humana de adaptação, a coragem é o traço que distingue quem lidera de quem apenas gere.
Além disso, a coragem manifesta-se na capacidade de romper com práticas seguras e confortáveis, introduzir produtos com risco de falhas, ou defender investimentos não convencionais em inovação social, educação ou sustentabilidade. É também ter a humildade de reconhecer que não se tem todas as respostas — e mesmo assim avançar.
Líderes corajosos constroem organizações resilientes, capazes de tomar decisões ágeis e consistentes em contextos de pressão. E sabem que a coragem colectiva começa no exemplo individual.
Inovar é destruir — com propósito
A inteligência artificial não veio apenas automatizar processos — veio reconfigurar por completo o que é possível fazer com os dados, com os produtos e com os modelos de negócio. E isso exige uma mentalidade radical: abandonar o que já não gera valor e reinventar, em muitos casos, de raiz.
Segundo o estudo da IBM, 68% dos CEO afirmam que a IA altera aspectos dos seus negócios que consideram essenciais. Na verdade, uma grande maioria dos inquiridos afirma estar a repensar toda a sua estratégia – desde os produtos e serviços que oferecem até à forma como gerem os seus negócios. E esta destruição criativa está a redefinir mercados inteiros.
A inteligência artificial não veio apenas para automatizar — veio para reformar de raiz a forma de se criar valor a partir de dados, produtos e modelos de negócio. E isso exige uma mentalidade radical: abandonar o que já não gera valor e reinventar com propósito.
Segundo o estudo da IBM, 61% dos CEO afirmam que a sua vantagem competitiva futura depende da IA generativa. Além disso, 68% reconhecem que a IA vai obrigar a mudanças profundas no seu core business. Apesar disso, 50% admitem que a velocidade do investimento digital deixou os seus dados e sistemas desconectados, o que compromete a eficácia e a escalabilidade das soluções implementadas.
Outro dado revelador: apenas 62% dos CEO dizem medir o sucesso da inovação com base nos resultados de negócio — o que sugere que, para muitos, a inovação ainda é mais um esforço de imagem do que um compromisso estratégico com o impacto.
Este desfasamento entre ambição e execução mostra que a maioria das organizações continua presa a paradigmas antigos, aplicando tecnologias novas com mentalidades antigas. Mas inovar, neste novo ciclo, exige mais do que adoptar IA — exige repensar modelos, equipas, objectivos e culturas organizacionais.
A destruição criativa — conceito popularizado por Schumpeter — ganha aqui nova expressão: não se trata de fazer melhor, mas de fazer diferente. Criar novos produtos, novas experiências, novas formas de entregar valor. E isso implica coragem para abandonar o conhecido, inclusivamente estruturas internas, processos enraizados e modelos operacionais obsoletos.
A verdadeira inovação acontece quando as empresas usam a IA para imaginar futuros alternativos — e não apenas para repetir o passado com mais eficiência. E isso exige planeamento estruturado: equipas multidisciplinares, métricas consistentes, espaço para experimentação e uma liderança que aposta na reinvenção.
Os CEO mais visionários não esperam pela estabilidade para mudar. Sabem que, na era da IA, destruir para reconstruir — com intencionalidade e direcção — é a única forma de garantir relevância futura.
Como se pode ler no estudo e num cenário económico, competitivo e de consumo volátil, “os CEO das grandes empresas têm de pensar como se estivessem a gerir uma start-up. Precisam de imaginar continuamente a próxima e melhor versão da sua operação – porque o que os levou até onde estão hoje não os levará onde querem ir amanhã. Os vencedores do futuro serão os líderes que adoptarem a destruição criativa como forma de dar vida à sua visão”.
Uma cultura de dados viva e transversal
O potencial da IA só se concretiza quando apoiado por dados confiáveis, acessíveis e bem integrados. No entanto, essa ainda é uma das maiores fragilidades das organizações. Segundo o estudo da IBM, 50% dos CEOs reconhecem que os seus dados e sistemas estão desconectados, resultado da velocidade a que investiram em transformação digital.
Além disso, 72% afirmam que os dados proprietários são essenciais para extrair valor da IA generativa — o que reforça a importância de construir um ecossistema de dados unificado, estratégico e seguro.
Sem dados consistentes, não há previsibilidade, personalização ou automatização eficaz. E sem estrutura, a IA torna-se um adereço sofisticado sem impacto real. A maioria das empresas, mesmo com IA implementada, continua a trabalhar com dados fragmentados, silos organizacionais e métricas desencontradas.
Transformar dados em inteligência exige mais do que tecnologia: requer arquitectura, governança e cultura. Os CEO mais preparados estão a investir em ambientes de dados em tempo real, com interoperabilidade entre departamentos, segurança reforçada e equipas com competências analíticas.
Mais do que acumular dados, é preciso saber fazer as perguntas certas, cruzar fontes diversas e transformar essa informação em decisões rápidas e alinhadas com a estratégia. Um ambiente de dados vibrante não é apenas técnico — é uma condição de liderança na era da IA.
Num mundo onde a previsibilidade é uma “moeda” crítica, quem domina os seus dados, domina o seu destino.
Disciplina estratégica: o antídoto para o investimento impulsivo
Com a aceleração da transformação digital e a pressão para adoptar novas tecnologias, muitas organizações entraram numa lógica de investimento disperso e reactivo. O estudo da IBM mostra que 47% dos CEOs indicam falta de foco estratégico como o principal obstáculo à criação de valor sustentável com tecnologia.
Parte desta dispersão decorre de uma síndrome cada vez mais comum no mundo corporativo: o FOMO — Fear of Missing Out. Ou seja, o receio de ficar para trás, de não acompanhar os concorrentes, ou de perder uma vaga de inovação, gera decisões apressadas, compras de tecnologia descoordenadas e estratégias pouco articuladas com os objectivos reais da organização. A ansiedade de estar presente em todas as tendências leva, muitas vezes, a investimentos fragmentados e sem retorno claro.
Este cenário revela uma tensão real: por um lado, a urgência de acompanhar a inovação; por outro, a necessidade de resistir ao impulso emocional e adoptar uma abordagem estruturada. A resposta está na disciplina — investir com base em critérios claros de retorno, impacto e alinhamento estratégico.
A disciplina no investimento não implica contenção ou conservadorismo, mas sim foco. Significa perguntar: que problema estamos a resolver? Que valor vamos gerar? Como vamos medir o sucesso? E, sobretudo, significa ter coragem para dizer “não” a iniciativas que não servem a visão de longo prazo.
Para garantir esse foco, os CEO de topo estão a estabelecer processos mais rigorosos de avaliação de investimentos, com ciclos curtos de feedback, análises comparativas e equipas interdisciplinares de validação de resultados. A aposta passa por modelos de financiamento interno mais selectivos e por programas de inovação que exijam validação contínua de impacto — não apenas a entrega técnica.
O estudo indica que 85% dos CEO esperam obter retorno positivo (ROI) de projectos de IA que gerem eficiência e redução de custos até 2027, e 77% esperam o mesmo para iniciativas que visem o crescimento e expansão com IA. No entanto, apenas 52% afirmam estar a extrair valor da IA generativa para além da redução de custos — um dado que expõe um fosso entre expectativa e realidade.
Vários obstáculos ajudam a explicar esta discrepância: desde a falta de colaboração entre departamentos (silos organizacionais) até à aversão ao risco e à disrupção estrutural. Estas barreiras alimentam uma mentalidade de incrementalismo, ou seja, de pequenas melhorias, em vez de verdadeira transformação.
Num ambiente marcado pela disrupção contínua, continuar a depender de modelos tradicionais de negócio, operação e governança pode ser o maior risco de todos. Investir com disciplina, portanto, é também renovar a estrutura de decisão, garantir colaboração transversal e focar no impacto real da tecnologia.
É, no fundo, uma forma de liderança madura, orientada para resultados e não para modas. E é esta maturidade que separa as organizações que crescem das que apenas sobrevivem.
De dentro para fora: expandir o talento além das paredes da organização
A escassez global de competências digitais é uma das maiores barreiras à transformação com IA. De acordo com o estudo da IBM, 65% dos CEO dizem que vão recorrer à automação para colmatar lacunas de competências, uma entre várias estratégias para manter as organizações operacionais e competitivas.
A criatividade tornou-se essencial e 54% dos CEO afirmam estar a contratar para funções relacionadas com IA que nem sequer existiam há um ano, com 31% a indicarem que quase um terço da força de trabalho precisará de requalificação nos próximos três anos. Neste contexto, os líderes mais ágeis adoptam uma abordagem múltipla: build, buy, bot, borrow — formar internamente, contratar externamente, automatizar onde possível e recorrer a parceiros sempre que necessário.
Este último elemento — borrow — está a ganhar centralidade. Em vez de insistir em contratar talento escasso, as organizações estão a recorrer a parcerias estratégicas, de que são exemplo os freelancers, as universidades e as plataformas especializadas para aceder a competências que não conseguem encontrar ou desenvolver internamente. Este mindshift implica uma liderança que saiba activar redes, integrar equipas híbridas e operar em ecossistemas abertos.
Segundo o estudo, 34% dos CEO estão já a reformular os seus modelos de trabalho para tirar partido de fontes alternativas de talento e 67% reconhecem que a diferenciação competitiva depende de ter as pessoas certas nos lugares certos, com os incentivos certos. Ou seja, o talento tornou-se uma alavanca estrutural de diferenciação — e não apenas um recurso a gerir.
O desafio é repensar o próprio conceito de equipa: menos organogramas rígidos, mais redes fluídas; menos posse, mais acesso; menos controlo, mais colaboração. Este modelo de talento distribuído exige também novas competências de liderança: escuta, adaptação cultural, orquestração de conhecimento, confiança entre pares e flexibilidade contratual.
O futuro do trabalho não será construído apenas com quem já está “dentro”. Será moldado por quem conseguimos atrair, envolver, partilhar e fazer crescer — mesmo que não vista a camisola da empresa em causa a tempo inteiro. E é essa mudança de mentalidade que pode garantir velocidade, diversidade e impacto sustentável.
Liderar a mudança com visão e método
Estes cinco mindshifts revelam um padrão claro: o crescimento sustentável na era da inteligência artificial não depende apenas da tecnologia em si, mas da forma como os líderes repensam as suas decisões, equipas, estruturas e prioridades.
Não é a velocidade do investimento que garante vantagem — é a capacidade de prever, decidir com coragem, inovar com propósito, disciplinar o foco e activar redes de talento. Tudo isso exige uma mudança profunda de mentalidade, sustentada por dados, mas guiada por visão e valores.
À medida que a IA deixa de ser uma promessa para se tornar uma infra-estrutura de negócio, os CEO têm uma oportunidade única: liderar não só a transformação das suas empresas, mas contribuir para um novo modelo de liderança mais ágil, mais partilhada e mais comprometida com o impacto.
O futuro pertence a quem souber conjugar inteligência tecnológica com inteligência humana — e a quem tiver a coragem de mudar antes que seja forçado a fazê-lo.
Fontes:
5 Mindshifts to Supercharge Business Growth
https://www.ibm.com/thought-leadership/institute-business-value/en-us/c-suite-study/ceo
Editora Executiva