Todos os anos por esta altura se fazem balanços e previsões, mais ou menos otimistas, ou pessimistas dependendo do autor e do contexto. Uns olham para o copo meio cheio, outros para o copo meio vazio, mas como o copo e a água são os mesmos, a diferença é mesmo a perspetiva de quem observa. Neste caso, a minha perspetiva para 2024 é que será um grande ano para as organizações e empresas que abracem três desafios: incentivar a curiosidade, valorizar a experimentação e apostar nas capacidades adaptativas. Vamos a isso?
POR MÁRIO PORFÍRIO

“A Mudança é a realidade da vida de todas as empresas hoje. E a capacidade de dominar e explorar a mudança tornou-se uma das habilidades de gestão mais procuradas. Isto é particularmente verdadeiro no marketing, onde o próprio ritmo da mudança está em aceleração constante.“ (Louth, J.,1964) [1)

Com sessenta anos, estas três afirmações de John D. Louth, manager no escritório de São Francisco da McKinsey, estão atuais como sempre o foram e serão. Podemos pensar, mais atuais do que nunca, porque face à realidade dos dias de hoje, os anos sessenta eram um mar de tranquilidade. Seria assim para quem os viveu? Ou será esta perspetiva enviesada, por estar a olhar para o passado, para uma vida que já foi vivida?

“Mudança é a realidade da vida de todas as empresas hoje.”
E sempre! De forma simplista, uma empresa é um “empreendimento” levado a cabo por uma ou mais pessoas que se juntam para aproveitar uma oportunidade de negócio que responde a uma necessidade de mercado. Para não dar exemplos de garagem, diria que começa muitas vezes com uma troca de ideias colocadas numa folha de papel e que se vai alterando à medida que as ideias se executam. À medida que a vida da empresa vai sendo vivida. Sem mudança não sairia sequer do papel.

“Isto é particularmente verdadeiro no marketing, onde o próprio ritmo da mudança está em aceleração constante.”
Sim, o ritmo da mudança no marketing pode ser considerado frenético mas a sua essência não se tem alterado nos últimos anos. As mudanças que John D. Louth sugeriu que iriam impactar o marketing de forma transformadora, nos anos sessenta, são ainda hoje parte dessa essência: o domínio do consumidor, o aumento da investigação em marketing e da experimentação, a ascensão do computador, orientação das forças de vendas para o valor e a definição de estratégias globais de marketing. Em 2022, Philip Kotler [2], numa entrevista sobre os 55 anos do lançamento da primeira edição do seu livro “Marketing Management”, considerado por muitos o livro de marketing mais influente no mundo, identifica a centralidade no consumidor como um dos conceitos essenciais do marketing, transversal a todas as edições do livro, e que o crescimento de outras dimensões como por exemplo big data, social media e e-commerce não alterou o facto de que um dos propósitos principais de qualquer empresa ser criar valor para os seus clientes. Então, mesmo que as empresas não mudassem, os clientes mudam, originando mudanças no marketing. São as pessoas, os seus comportamentos, crenças e valores que mudam o mundo e neste caso as ações de marketing.

“A capacidade de dominar e explorar a mudança tornou-se uma das habilidades de gestão mais procuradas.”
Por outras palavras, adaptação à mudança era nos anos sessenta uma das competências mais procuradas pelas empresas, como o é ainda hoje ou pelo menos devia ser, e não exclusivamente no marketing. 2023 ficou marcado pela utilização dos modelos alargados de linguagem e pela abertura de horizontes da Inteligência Artificial (IA). São inúmeras as questões legais e éticas das disrupções. No caso da AI podemos enumerar por exemplo a integridade, propriedade e privacidade dos dados ou a sua utilização segura e responsável nas organizações. Mas não são menos exigentes os desafios de mudança que se colocam às organizações para integrar, inovar e diferenciar-se através da utilização da Inteligência Artificial. Como podemos então dominar e explorar esta nova mudança que temos pela frente? A mais uma mudança?

Três desafios para 2024

Incentivar a curiosidade
“A formulação de um problema em física é o mais difícil, a resposta é a parte fácil”. (Elon Musk, 2023) [3]
É mais frequente do que se diz os gestores seguirem a sua intuição em vez dos dados de mercado [4] em especial quando estes são contrários à sua intuição. A confirmação das nossas convicções não é um fim, mas um resultado possível e se nada muda, provavelmente há algo que não estamos a ver. Algo que não estamos a perguntar. Colocar os clientes no centro das atenções é ter verdadeira curiosidade sobre o que querem e pensam. É uma capacidade que deve ser cultivada, especialmente depois de muitos anos no mesmo setor ou atividade.

No início de dezembro, a Kantar apresentou 10 tendências mundiais do marketing para 2024 [5]. Poucas empresas têm a capacidade de desenvolver um estudo global tão interessante e desafiante. Afinal, todas as tendências podem ser vistas como perguntas, como respostas ou como ponto de partida para novas perguntas. Senão vejamos:

Aumento da utilização de IA no processo criativo.
Como fazê-lo? O que fará a diferença se todos o fizerem?

A importância do alinhamento dos valores culturais das marcas e empresas, com os consumidores
Existindo diferentes culturas, muitas vezes polarizadoras, que cultura privilegiar numa organização multicultural? E no ambiente multicultural das redes sociais, qual o alinhamento?

Ativismo das marcas e dos seus embaixadores alinhado com o ADN das marcas
Qual é o real ADN da marca? Que medidas de avaliação e minimização de riscos usar na comunicação controlada pela empresa? E na comunicação não controlada?

Valorização da medição da atenção na eficácia da publicidade
Como medir o ROI da publicidade? Como avaliar a eficácia em múltiplos meios e mercados? Como se relacionam estas medidas com o ROI?

Aumento da importância de medidas de criação de valor a longo prazo como métricas de sustentabilidade, ambientais, sociais e de inclusão
Qual é o propósito da empresa? Quem são os seus stakeholders? Que decisões tomar no curto prazo para alcançar as metas de longo prazo?

Inovação radical para impulsionar o crescimento sustentável das marcas
Como inovar quando a tendência tem sido desinvestir em inovação? (pergunta presente no estudo da Kantar)

As marcas desafiadoras vão destacar-se.
Os incumbentes também podem desafiar? Como crescer sem perder a identidade desafiadora?

Crescimento do segmento premium
Que posicionamento tem a categoria? Qual é a elasticidade e o capital da marca?

Revisão dos conteúdos digitais e posicionamento nos vários pontos de contacto com a marca e em particular nos motores de busca como resultado do crescimento da sua importância
Qual será o impacto dos modelos alargados de linguagem nos pontos de contacto das marcas? Em particular nos motores de busca? O que define a nossa identidade num mundo gerado de identidades geradas por AI?

Desenvolvimento de canais de media de distribuidores
Como comparar as métricas dos vários canais? Que impacto poderão ter nas vendas as ações promovidas nestes canais que detêm a comunicação e a distribuição?

E certamente que muitas outras perguntas podíamos fazer. Mas esse é justamente o primeiro desafio para 2024, desenvolver a curiosidade, ter mais interesse, fazer mais perguntas e arrojar ter menos certezas. Que perguntas tem para fazer em 2024?

Valorizar a experimentação
Já vimos que as empresas de marketing, agências e indústrias criativas em geral, vivem com facilidade a mudança, por isso não é difícil entender que uma das tendências apontadas pela Kantar para este ano seja a utilização de AI pelo setor criativo. Mas a tecnologia está disponível para todas as empresas, de todos os setores. Como a utilizarão as empresas ou organizações onde a experimentação e mudança não fazem parte do seu dia a dia?

O professor Stefan H. Thomke, num artigo de 2020 na Harvard Business Review [6], sugere que as ferramentas e a tecnologia não são os obstáculos ao crescimento da experimentação nas organizações, mas sim a cultura, comportamentos, crenças e valores. O alinhamento da cultura organizacional está também claramente presente nas tendências da Kantar. A utilização e alinhamento dos valores e ADN das empresas e das marcas, com as estratégias de marketing e os valores dos clientes, bem como o desenvolvimento e alinhamento de culturas de inovação, ativismo e desafio que implicam mudança de comportamentos e hábitos.

Valorizar a experimentação, passa por reconhecer a sua importância, colocá-la no dia a dia, não de forma esporádica, mas de forma estruturada e acessível a todos. Nas palavras do Diretor de Experimentação da Booking.com “é de certa forma irónico que a centralização da nossa infraestrutura de experimentação é o que torna possível a nossa descentralização organizacional” [6]. A Booking.com promove a utilização das mesmas ferramentas por todos os colaboradores e mantém um repositório central de acesso livre, com os resultados detalhados em tempo real de todas as experiências. Desta forma consegue partilhar e consolidar a informação para que seja utilizável e replicável noutras áreas de negócio. Estas são apenas algumas ideias e uma pesquisa online com ou sem recurso a AI pode certamente oferecer muitas mais, mas o mais importante é: Como vai promover a experimentação em 2024 para procurar respostas às suas perguntas?

Apostar nas competências e capacidades adaptativas
“Os profissionais de marketing estão a ser desafiados por uma avalanche de dados, que está para além da capacidade de compreensão e utilização das organizações.” (Day, 2011) [7]

A evolução do marketing digital, com a explosão e fragmentação dos meios, implica uma incorporação de dados e competências que habitualmente estavam na esfera das empresas e de um ou dois fornecedores (agência criativa e agência de meios). Hoje, com a existência de múltiplos canais, é frequente que uma empresa trabalhe com várias agências criativas, mais do que uma agência de meios e/ou faça ainda compra direta. Para além destes, outros parceiros, empresas e freelancers, compõem o verdadeiro ecossistema que é a área de marketing de cada empresa. Se no passado os dados eram reduzidos e provenientes de poucas fontes, com a fragmentação dos meios e a sua digitalização, não só cresceu o número de dados disponível, como as empresas foram obrigadas a gerir e deter cada vez mais informação internamente. Esta alteração diminuiu o poder das agências criativas e dos meios tradicionais, mas implica mais competências de gestão e conhecimento de marketing internamente nas empresas.

A complexidade de meios e pontos de contacto aliada à facilidade com que os clientes respondem de volta à organização, revolucionaram as ações de marketing que no passado eram exclusivamente ações iniciadas de dentro para fora das organizações e que hoje se misturam com ações iniciadas de fora para dentro, em contextos interativos e relacionais como o são as redes sociais.

São inúmeras as necessidades de desenvolvimento de capacidades e skills específicos de marketing, mas o verdadeiro desafio é aliar ao desenvolvimento técnico específico, uma visão adaptativa das capacidades, que pode ser dividida em três dimensões. [7]

A capacidade de “observar”, para desenvolver um sistema de alertas que antecipe as necessidades de mercado que não estão a ser respondidas. A capacidade de “experimentar”, e de aprender continuamente com os resultados das experiências.
A capacidade de “ter mundo”, estabelecendo relações com parceiros inovadores que alarguem os nossos horizontes, nos permitam testar e incorporar inovação e incentivar os parceiros atuais a seguir o mesmo rumo. [7]

Se a essência do marketing se mantém, como Philip Kotler sugeriu [2], o reconhecimento das competências existentes na empresa aliado ao conhecimento do negócio, são dois ativos fundamentais para a gestão de marketing de uma organização. E também dois excelentes pontos de partida para avaliar e identificar lacunas e definir estratégias de melhoria de capacidades adaptativas e skills.

Em que competênciasvai apostar em 2024 avaliar as suas perguntas e as respostas da sua experimentação?

Bom Ano!

Fontes:
[1] The changing face of marketing | McKinsey Quarterly 1966

[2] How Has Marketing Changed over the Past Half-Century? I Kellogg Insight 2022

[3] Elon Musk on Advertisers, Trust and the “Wild Storm” in His Mind | DealBook Summit 2023 

[4] Tarka, P. (2018). The views and perceptions of managers on the role of marketing research in decision making. International Journal of Market Research, 60(1), 67-87.

[5] Kantar (2023). Marketing Trends 2024.

[6] Thomke, Stefan. “Building A Culture of Experimentation.” Harvard Business Review 98, no. 2 (March–April 2020): 40–48. 

[7] Day, G. S. (2011). Closing the Marketing Capabilities Gap. Journal of Marketing, 75(4), 183-195. 

Mário Porfírio

Professor da Área Académica de Política Comercial e Marketing da AESE Business School; Founder/Manager: inedito.com.pt; bar.com.pt; yteam.pt