POR HELENA OLIVEIRA
José Ricardo Gonçalves, sócio da PLMJ Advogados, foi o orador convidado no seminário realizado pelo VER, em parceria com a ACEGE e com a EDP, para falar das implicações legais da nova Lei n.º 73/2017, de 16 de Agosto de 2017, que entrou em vigor no passado dia 1 de Outubro e que vem reforçar o quadro legislativo para a prevenção da prática de assédio no trabalho, tanto no sector privado como na Administração Pública.
Afirmando, tal como os demais oradores, que a temática do assédio laboral não é nova, ao contrario do que poderíamos julgar, o advogado começou por relembrar que até mesmo a legislação portuguesa remonta, nesta matéria, a 1966, quando o DL 47-032 de 27 de Maio mencionava o seguinte: (…) “entenda-se por assédio todo o comportamento indesejado (…), praticado no âmbito aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objectivo e o efeito de afectar a dignidade da pessoa ou criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador” e (…) constitui, em especial, assédio todo o comportamento indesejado de carácter sexual, sob forma verbal, não verbal ou física, com o objectivo e o efeito referidos no número anterior”.
Todavia, e apesar de não ser nova, é uma matéria “ muito sensível, muito melindrosa e sobre a qual, todas as medidas, do ponto de vista legislativo, por um lado, e do ponto de vista empresarial, por outro, são evidentemente bem-vindas e de aplaudir”, declarou.
Adicionalmente, o sócio da PLMJ recordou também que, em 2007, os parceiros sociais, assinaram, a nível europeu, um acordo-quadro nos termos do qual estabeleceram também algumas regras relacionadas com o assédio e a violência no trabalho, sendo este, a seu ver, de importante referência.
José Gonçalves frisou também que é evidente que, nas actuais circunstâncias em que decorrem as relações laborais, e falando “concretamente nos famigerados objectivos, cada vez mais apertados e constrangedores que são impostos pelas entidades empregadoras aos trabalhadores”, ao que se acrescentam “os ritmos de trabalho e a sua intensidade, em conjunto com a diabólica pressão competitiva entre as empresas que se reflecte também em contexto laboral e, não menos importante, o carácter cada vez mais anónimo da direcção que conduz essas mesmas empresas”,são tudo circunstâncias que dificultam que se evite práticas de assédio laboral.
[pull_quote_center]A nova legislação veio introduzir um reforço no sentido de prevenir esta prática que, em algumas circunstâncias e como todos sabemos, é de natureza diabólica e produz consequências físicas e morais muito relevantes[/pull_quote_center]
Recordando que uma das medidas que consta neste reforço legislativo é a “obrigatoriedade de adopção de um código de boa conduta para a prevenção e combate ao assédio no trabalho, sempre que a empresa tenha sete ou mais trabalhadores” (nova alínea do nº1, do art. 127º), o sócio da PLMJ afirmou que as empresas estão, como primeiro impulso, a responder com um “excesso de preocupação” a esta disposição legal e que há que existir alguma “ponderação” nesta matéria: “há algumas questões que claramente têm de estar consignadas num código de conduta, há outras que podem estar referenciadas apenas em termos genéricos e existem ainda outras que, e no seguimento do próprio acordo-quadro, fazem sentido que se especifiquem entrando em algum detalhe”. Mas, na sua visão e na da firma de advogados que integra, “não nos parece que que faça sentido, neste momento, entrar em excessiva pormenorização neste código de conduta em particular”, afirma, insistindo que na condução desta temática a palavra-chave é a ponderação.
O orador chamou igualmente a atenção para o facto de, e “independentemente da maior parte dos comportamentos que são denunciados serem reais e efectivos, os que lidam com as questões em contexto laboral, também sabem que, por vezes, e nas alegadas práticas de assédio, a sua denúncia acaba por ter um objectivo diferente do que propriamente dar a conhecer uma efectiva prática de abuso”, motivo pelo qual insiste na sensatez a ter para se lidar com a temática.
Três definições por excelência que orientam a jurisprudência portuguesa
Independentemente da definição legal que já existia relativamente ao que é concretamente o assédio laboral, José Ricardo Gonçalves ressalvou que, neste momento, a jurisprudência portuguesa orienta-se por três definições.
- Um comportamento e não um acto isolado e desejado, por representar incómodo, injusto ou mesmo prejuízo para a vítima;
- Uma intenção imediata de, com esse comportamento, exercer pressão moral sobre o outro;
- Um objectivo final ilícito ou, no mínimo, eticamente reprovável, consistente na obtenção de um efeito psicológico na vítima desejado pelo assediante.
Assim, e para o advogado, nestas caracterizações do assédio laboral, salta de imediato à vista uma questão que é relevante: podemos estar a falar de um objectivo e/ou podemos estar a falar de um efeito. Ou seja, “o assédio moral consubstancia-se no efeito, na iniciativa, tendo em vista o alcance de uma determinada consequência”, explica.
Uma outra nota que partilhou com a audiência está relacionada com o facto de, e para que um determinado comportamento seja realmente considerado de assédio efectivo e punível por lei, “não ser suficiente um acto isolado, autonomizável e identificado no tempo, no modo e no lugar”. Ou seja, “pressupõe-se que haja um carácter reiterado, uma habitualidade – apesar de e evidentemente não estar determinado um número específico de vezes – mas não é suficiente ser um acto de natureza isolada”. Contudo, o sócio da PLMJ Advogados ressalva também que esta situação [de ser um acto isolado] possa ocorrer, alertando porém que “nessas circunstâncias o trabalhador ou trabalhadora que iniciar a denúncia no sentido de se considerar assediado/a, seja do ponto de vista sexual, seja do moral, terá uma dificuldade acrescida na demonstração dessa ocorrência, tendo que fazer um percurso probatório comparativamente a uma comportamento reiterado”.
Igualmente relevante, afirma o orador, é a circunstância de sobre quem incide o ónus da prova. “Por princípio e salvo a existência de uma presunção, caso ocorra dentro do ano seguinte à denúncia da prática de assédio, quem alega, quem invoca tem de provar, isto é, em termos técnicos, tem o chamado ónus da prova”, acrescenta ainda.
Mas, sublinha também, “foi estabelecida aqui uma excepção, que é a seguinte: quando o assédio laboral se consubstancie em actos discriminatório, o legislador entende que, neste caso concreto, se presume a sua existência e portanto compete ao empregador fazer o trabalho probatório no sentido de demonstrar ou não a dita presunção”. Já ao contrário, e nos casos em que um determinado comportamento assediante não se consubstancie num acto discriminatório, competirá então ao trabalhador fazer esse trabalho probatório”, explicita ainda.
Sumarizando a sua percepção, enquanto advogado, das implicações legais para as empresas da nova lei de combate ao assédio laboral, José Ricardo Gonçalves deixa algumas notas finais:
- A de que a nova legislação veio introduzir um reforço no sentido de prevenir esta prática que, em algumas circunstâncias e como todos sabemos, é de natureza diabólica e produz consequências físicas e morais muito relevantes.
- A de que não há razão para se criar nenhum alarme para as empresas, sendo altura, sim, para se trabalhar no sentido de preparar os códigos de conduta ou de os actualizar, caso já existam, bem como as práticas empresariais já vigentes e, eventualmente, aproveitar para o trabalhar e para o especificar, em face desta alteração e buscando também as regras estabelecidas no acordo-quadro já mencionado, o qual é de referência a nível europeu entre os representantes das associações patronais e dos trabalhadores.
- A de que esta alteração agora consubstanciada na lei que entrou em vigor no dia 1 de Outubro deverá também servir para impulsionar, para alavancar o trabalho empresarial, quer do lado das empresas, quer do lado dos trabalhadores, no sentido de se criarem culturas organizacionais que evitem estes tipos de comportamento, apesar de, e dada a natureza humana, ser manifestamente impossível reduzi-los a zero.
- A de insistir na modelação de uma cultura organizacional que confira a atenção e a ligação às pessoas – seja o empregador, o superior hierárquico ou o chefe de secção – no sentido de perceber, estar atento e estar formado para esse particular cuidado.
- E, por último, a relevância do apoio psicológico e a possibilidade de este poder ser disponibilizado.
Editora Executiva