Para Pedro Castro Almeida, o maior risco que existe quando se vive uma crise de elevada dimensão e com um nível de incerteza e falta de visibilidade sobre o futuro tão pronunciado como a que estamos a atravessar é o de “cair na tentação dos famosos três Ds, que são o desânimo, a desistência e o desespero”. Todavia, e tendo a certeza que não existirá um “novo normal”, mas antes um “novo diferente”, o presidente executivo do Banco Santander Totta acredita que, apesar das decisões muito difíceis que terão de ser tomadas, a tormenta será ultrapassada
POR HELENA OLIVEIRA
O presidente executivo do Santander Totta foi o mais recente convidado do ciclo de debates que a ACEGE tem vindo a organizar, desde o início da pandemia, o qual visa partilhar o olhar e a experiência de um conjunto de líderes que, perante a crise que apanhou o mundo de surpresa e que o modificou muito provavelmente para sempre, é convidado a “construir a esperança”, mesmo com desafios gigantescos a serem transpostos.
Pedro Castro Almeida deu início à sua intervenção apresentando um disclaimer no qual sublinhou que, nesta crise que é primeiro sanitária e depois económica, não se propõe apenas contar de que forma é que o Santander viveu e respondeu aos obstáculos que surgiram repentinamente, mas antes partilhar a sua reflexão sobre como é que os valores e cultura de uma organização são postos à prova em alturas complexas. Assim, diz, “não vou falar apenas como presidente executivo do Santander, mas também como pai, marido, filho e homem de fé”, pois é de “forma una” que entende a sua realidade, na medida em que “as dimensões do nosso eu não podem e não devem ser dissociadas”. O responsável do Santander referiu, a este propósito, o trabalho da ACEGE e o que com ela tem aprendido, considerando-o “decisivo para enfrentar da melhor maneira estes momentos que estamos a viver”.
Afirmando que, apesar de esta crise “nos ter apanhado a todos de surpresa, a todos convocou para dar o seu melhor”, Pedro Castro Almeida elencou as prioridades que seguiu desde o deflagrar da pandemia: “garantir, em primeiro lugar, que a nossa função na sociedade continuava, que não deixávamos ninguém para trás e que manteríamos o apoio aos que mais precisam”, citando ainda o Papa Francisco quando este afirmou que “este não é um tempo de indiferença”. Quanto ao seu contributo para este ciclo de conferências, escolheu falar primeiro sobre o propósito, valores e cultura do banco que lidera, partilhando a acção concreta no sentido de transmitir segurança num tempo de enorme incerteza e, por fim, falar um pouco do futuro e do papel do Santander na sociedade portuguesa.
Sobrevivência: propósito, valores e cultura
Recordando que no Santander, como muitas outras organizações e em particular nos últimos tempos, faz-se sempre referência, seja em reuniões corporativas, nos relatórios e contas, nas comunicações ou nas actividades de formação interna, ao propósito, valores e cultura, o presidente do Santander confessa que sempre se questionou se as pessoas, neste caso os trabalhadores do banco, realmente percebiam e viviam o que está escrito como a missão da empresa. Constituindo o propósito do Santander “ajudar as famílias e as empresas a prosperar”, Pedro Castro Almeida acredita “que só com a Covid-19 foi possível, através de situações práticas que a crise originou, viver de forma plena estes princípios e tê-los verdadeiramente interiorizados nas pessoas”, na medida em que todas elas, enfrentando constrangimentos operacionais e também pessoais, estiveram no banco “com grande espírito de missão”, o que, no meio de toda esta desgraça, “foi uma das coisas boas da crise”.
No que se refere à resposta concreta de combate à pandemia – fase que denomina como de “sobrevivência” – sublinhou que em primeiro lugar houve a necessidade de se perceber a diferença entre o que era urgente e o que era importante. “Num incêndio, o que é urgente primeiro é apagar o fogo, limitando os danos na casa e só depois do fogo apagado, surge a preocupação de a reconstruir e, numa fase avançada, proceder a melhoramentos, tornando o edifício mais sólido e com melhores acabamentos”, metaforizou. E foi por isso que ao serem definidas as prioridades de combate, os colaboradores vieram em primeiro lugar, para que fosse possível atender às necessidades dos clientes e da sociedade em geral e só no fim se pensar no futuro do negócio e no compromisso para com os seus accionistas.
Recordando que, sendo uma crise sanitária, era necessário garantir a segurança das pessoas e porque o próprio Santander foi tocado de muito perto pela Covid-19, que vitimou, logo a 18 de Março, o seu presidente do conselho de administração, António Vieira Monteiro, Pedro Castro Almeida refere que este acontecimento, para além de ter constituído um duro golpe, “reforçou ainda mais a nossa atenção para os perigos reais da pandemia”. Assim, e num curto espaço de tempo, 98% dos trabalhadores dos serviços centrais do banco passaram a trabalhar a partir de casa; para os balcões, que nunca fecharam, foi adoptada uma política de rotação 50/50; foram reforçadas, para todos os que se mantinham na linha da frente, regras abrangentes de segurança e foi ainda estabelecido um convénio com um laboratório para que pudessem ser feitos os testes necessários. Adicionalmente, o banco mantém ainda disponíveis linhas de apoio médico e psicológico para quem precise, as quais têm sido utilizadas “sem qualquer tipo de estigmas”. Quanto aos 19 colaboradores que foram infectados com o novo coronavírus, estes foram sempre devidamente acompanhados, tendo sido todos pessoalmente contactados por toda a hierarquia do banco, incluindo pelo próprio presidente executivo.
Ao elencar as prioridades nesta primeira fase, Pedro Castro Almeida explicou ainda que a garantia da segurança das “suas pessoas” não foi apenas feita ao nível sanitário, tendo sido tomadas decisões que contribuíram também para a sua segurança económica. Logo em Março, o banco anunciou que não iria fazer layoffs – mantendo os muitos trabalhadores temporários e estagiários “da casa” -, pagando os salários por inteiro a todos os colaboradores e antecipando, para quem quisesse, 50% do subsídio de Natal. Outras medidas complementares incluíram plafond extra para os telemóveis, naturalmente justificado pela necessidade de se contactar clientes ou fornecedores, ajuda para o combustível e até um convénio com a HP para aquisição de equipamento informático tendo em conta os trabalhadores com filhos em regime de tele-escola e que precisavam de ter o seu próprio computador.
Afirmando que esta segurança económica foi decisiva para ajudar as pessoas a sentirem, no primeiro embate, que não estavam “afastados”, o responsável pelo Santander referiu que, antes pelo contrário, “nunca tinha assistido, em mais de 25 anos, a tanta colaboração e compromisso” por parte dos trabalhadores. E a “cereja em cima do bolo” foi também o facto de, em finais de Maio, ter sido atribuída ao banco, pela Fundación Másfamilia e pela ACEGE, a classificação máxima da certificação “entidade familiarmente responsável”, que considera como o resultado das 75 medidas de conciliação entre vida profissional e familiar que o banco foi implementando ao longo dos últimos anos.
Assim, declara, estas medidas conferiram a segurança necessária a todos, “reforçando o sentido de pertença e o orgulho de ‘ser Santander’ e preparando-nos para melhor servir os nossos clientes”. Adiantando que o banco conta com 6200 pessoas, quatro mil das quais são comerciais e tendo em conta que o tempo não era para vender nem seguros, nem créditos ou qualquer outro produto financeiro, o Santander apostou, sim, no privilegiar do contacto com os seus clientes, apenas perguntando se estes precisavam de alguma coisa, como por exemplo ajuda para aderirem às moratórias. “Posso dizer que quintuplicámos o nosso nível de contactabilidade com clientes face ao que foram provavelmente os últimos 25 anos”, afiança. Pedro Castro Almeida partilhou também uma ideia vinda de um colaborador do banco, António da Mota, que culminou na iniciativa “Aqui e agora”, a qual teve como objectivo ligar aos seus 150 mil clientes com mais de 65 anos e “que não são digitais”, aferindo se algum deles precisava de alguma coisa, iniciativa esta que acabou por dar origem a “histórias extraordinárias de entrega dos nossos colaboradores e de gratidão dos nossos clientes que davam para escrever um livro”. Um exemplo, entre vários, foi o de Rui Godinho, gestor em Setúbal que, num desses telefonemas, percebeu que o cliente em causa estava isolado em casa, sem família e já com pouca comida, prontificando-se a passar por casa dele, obter a lista de carências e tratar do assunto.
“E foi neste ponto e na maneira que abordámos os nossos clientes nesta crise que eu acredito que os nossos colaboradores passaram a sentir de forma mais verdadeira o nosso propósito, o ajudar as famílias e as empresas a prosperar de uma forma simples, próxima e justa, e não sermos apenas uma fábrica de vendas agressiva, afinada e muito focada em termo de objectivos” que é a imagem que o Santander transmite, diz ainda.
Ainda no que respeita ao apoio à sociedade, o orçamento de banca responsável foi triplicado para este ano, contribuindo para apoiar inúmeras iniciativas, não só ao nível do equipamento hospitalar e de protecção, mas sobretudo ao apoio a redes sociais que combatem a fome, que infelizmente subsiste e que aumentou, e que sem esse apoio muitas pessoas ficariam desamparadas. Pedro Castro Almeida fez ainda referência a um “fundo solidário”, uma ideia de um conjunto de colaboradores do banco, para o qual contribuíram cerca de 1400 pessoas e tendo o Santander duplicado o montante angariado. Adicionalmente, também os fornecedores não foram esquecidos, tendo recebido os seus pagamentos a pronto e não a 30 dias ou mais. Enumeradas as várias medidas e iniciativas, o presidente executivo afirmou ainda que “não deixámos de ter claro que para continuar a cumprir o nosso propósito de apoiar os nossos colaboradores e também a sociedade, precisamos de ter um banco sólido e rentável”. E foi assim que deu o salto para a segunda parte da sua apresentação.
Recuperação, tendências para o futuro e um novo diferente
“Uma verdadeira alteração climática no sector da banca” é o que Pedro Castro Almeida antevê para o futuro, a par de um reinventar do modelo de negócio para a enfrentar. Acreditando que a pandemia terá impacto em todos os sectores, o gestor afirma também que apesar de se falar muito num “novo normal”, o que vamos ter com certeza é “um novo diferente”. Porque o futuro está dependente de um vasto conjunto de variáveis que não controlamos – se vai haver vacina, se vai haver segunda vaga, se os governos irão trabalhar em conjunto, principalmente na União Europeia, se a recessão vai ser mais ou menos prolongada ou como vai ser o desemprego – é impossível saber o que vai acontecer. E, no enquadramento em que vamos estar e que continua a ser uma grande incógnita, “eu diria que é prepararmo-nos para o pior, esperando naturalmente o melhor”, com três tendências a destacar relativamente ao futuro.
A primeira relacionada com a forma de trabalhar que, “claramente irá ser diferente”, diz, com o teletrabalho a desempenhar um papel mais significativo do que até aqui, não só em termos de organização, mas “acima de tudo na captação de talento e na sua mobilidade, bem como no que diz respeito ao equilíbrio da vida profissional e familiar”.
A segunda terá a ver com a forma como os clientes se irão relacionar com a banca: “mais ‘digital first’, mas continuando o banco a desejar ter clientes e não somente ‘users’”, o que constitui uma aceleração dramática de uma tendência que já vinha de trás e que irá implicar decisões muito difíceis. Neste ponto, o responsável pelo Santander afirma que “não vamos precisar de tantos balcões, vamos precisar, sim, de menos pessoas, com competências completamente diferentes, pessoas essas que terão de ter uma mente mais aberta, mais móvel e mais disponível também para aprender de forma constante”, substituindo uma “know-all organization” por uma “learning organization”, na qual exista uma forte cultura não de produto, mas de serviço. “Eu diria que o grande desafio é passarmos de vendedores a servidores”, salientou.
Já a terceira tendência estará relacionada com o que é exigido às organizações, no sentido de estas virem a ser “cada vez mais inclusivas e conscientes do seu impacto social e ambiental, e que isso seja um íman de captação de talento e também de clientes mas, acima de tudo, que tenham um propósito global e que defendam os valores correctos”, diz. Sublinhando que não basta ter um modelo de negócio rentável, mas que é preciso que os negócios sejam sustentáveis para todos os stakeholders, Pedro Castro Almeida confessa que se revê bastante neste “novo diferente” e que enquanto presidente do banco Santander, nunca se sentiria completamente preenchido se apenas tivesse que entregar lucrar ao seu accionista, algo que fará certamente, mas fazendo muito mais do que isso.
Para o líder do Santander, não é um “nice to have” mas sim uma “necessidade”, perceber que “o futuro das organizações terá sempre esta dualidade, ou seja, por um lado, ter um lucro com propósito, cultura e valores e, por outro, atingir um crescimento sustentado” e que, no meio de toda esta adversidade, “há que liderar pelo exemplo e em busca de um bem maior”.
O gestor afirma também que, a seu ver, o maior risco quando se vive uma crise com esta dimensão e com um nível de incerteza e de falta de visibilidade sobre o futuro tão pronunciado é o de “cair na tentação dos famosos três Ds, que são o desânimo, a desistência e o desespero”. Citando a este propósito os desafios propostos pela ACEGE, em particular o de “através da nossa acção, conseguir transformar as empresas e sociedade”, para o também gestor católico este desafio é, exactamente, a resposta que tem de ser dada aos três Ds já enunciados. Por isso, “ao desânimo, que está associado ao medo, há que responder com ânimo; à desistência, responder com persistência e, por fim, ao desespero, a resposta deverá ser a esperança”, que é o que tem constituído o centro deste ciclo de conversas organizado pela ACEGE e que, no seu entender, “é uma força interior que dá o sentido da vida, mesmo quando não o entendemos e que nos dá esta confiança, de pessoas de fé que somos, que a história terá um sentido final e que é também isso que nos faz arregaçar as mangas e atirar-nos à construção dessa mesma história”.
Concluindo a sua apresentação, Pedro Castro Almeida acredita que “o mundo não vai voltar à existência pré-Covid”, que “muita gente vai passar mal” e que é precisamente nessas pessoas “que teremos de concentrar a nossa atenção, focados num bem maior e ter claro, hoje mais do que nunca, que precisamos uns dos outros para ultrapassar esta crise”. Mesmo que seja necessário tomar decisões difíceis.
“Liderar é carácter em acção”
Como habitualmente e no final da palestra proferida, foram várias as perguntas colocadas ao presidente executivo do Santander, sendo que a primeira esteve relacionada com a menção do facto de que um dos desafios para o futuro é “passar de vendedor a servidor”. E será mesmo possível ser-se um servidor num grande banco, numa grande empresa? Não negando que “este é um dos maiores desafios que existe”, Pedro Castro Almeida relembrou que é muito difícil mudar a cultura de uma empresa, e que no banco que lidera, cujos comportamentos estão muito enraizados e centrados no cumprimento de objectivos, “passar de vendedor a servidor está muito relacionado com a sustentabilidade do negócio”. Mas, mesmo sendo um caminho com muitas pedras, o gestor credita que estes tempos trouxeram “um novo sentido de urgência e a percepção de que nenhum negócio terá sustentabilidade se não seguir esse trilho”. E, acrescenta, “temos de nos confrontar com o nosso fixed mindset e, nestes tempos, que são também de discernimento colectivo, acredito que alcançaremos essa mudança”.
Também no que respeita ao facto de o banco ter atingido o nível de “excelência” em termos de conciliação família e trabalho, o presidente executivo do Santander começou por afirmar que “a questão principal nas empresas não está nas competências, mas sim no carácter” e que o nível de excelência atingido não se deve a ele próprio. Como referiu, “destas 75 medidas, muitas delas foram sugeridas pelas pessoas que, em conjunto, foram construindo a ‘casa’ ao longo dos últimos 10 anos” e que nunca deixaram de elevar a sua exigência. “Manter esta inquietude nas pessoas é fundamental”, diz, sublinhando mais uma vez que o sucesso da política de conciliação do banco se deve a “uma co-criação de muitas pessoas e não a uma situação em que uma qualquer liderança se lembrou de tomar essas mesmas medidas”.
A propósito da proximidade que tanto referiu como característica por excelência desde o deflagrar da crise – em particular o que o banco fez relativamente aos seus clientes com mais de 65 anos – ao gestor foi perguntado como ou se é possível manter essa humanização no período pós-Covid. A resposta recaiu no facto de as grandes crises trazerem sempre grandes mudanças, novos paradigmas e novas referências que são realmente mudanças estruturais e que, no caso particular do banco, “há coisas que vieram para ficar, nomeadamente a proximidade com os clientes, bem como a forma como os trabalhadores colaboraram entre si”.
Quanto ao futuro do teletrabalho, outro tema em voga nos tempos que correm, acredita que tem pontos positivos, tanto para as empresas como para os trabalhadores, mas outros igualmente negativos, sendo necessário, e mais uma vez, existir discernimento e equilíbrio. “Primeiro, para as empresas, penso que há coisas que só se sentem presencialmente, aquilo a que chamo de body language, pequenos gestos e acções que são importantes e que podem passar desapercebidos no Zoom, mas acredito também que, ao nível da gestão de equipas, se pode perder muito nesta experiência de 100% em teletrabalho”, principalmente porque “é muito mais difícil haver um partilha de valores, de cultura ou até mesmo de propósito”.
Pedro Castro Almeida foi igualmente questionado sobre o prazo de pagamento a fornecedores, contando que foi a própria ACEGE que desafiou o banco para o tema [v. Compromisso Pagamento Pontual], nunca imaginando que os atrasos fossem tão grandes. A seu ver, “é mais um problema de cultura”, que exige uma alteração de comportamentos e uma “luta que implica persistência diária”, acrescentando ainda que não percebe como é possível o facto de o Estado nunca pagar a horas.
Por fim, e questionado sobre qual a importância de ser católico para a liderança que exerce, o presidente executivo do banco Santander diz ter aprendido que “é em situações de aperto e urgência” que é realmente posto à prova e que é aí que se forma “o grande desafio da unicidade”. E citando o famoso livro “O Monge e o Executivo” [em Portugal, A Liderança Servidora] de James C. Hunter, retira dele uma frase que aprecia particularmente: “liderar é carácter em acção”. Que, a seu ver, foi o que aconteceu ao longo da crise pandémica, que não primou por uma liderança centralizada como se de uma guerra se tratasse, mas antes descentralizada, “conferindo empowerment a vários líderes que sendo católicos, ou tendo alguma espiritualidade ou sensibilidade, conseguiram, conjuntamente, fazer a diferença nas organizações”.
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