POR HELENA OLIVEIRA
Quando, em 2006, se juntou a Coen Gilbert e Andrew Kassov para a criação do B Lab, uma organização sem fins lucrativos fundada nos Estados Unidos da América que pretendia desafiar as empresas a redefinirem o conceito de sucesso nos negócios, Bart Houlahan não imaginaria que, oito anos depois, este movimento daria origem a milhares de organizações, espalhadas por todo o mundo, que se comprometeriam com o mesmo objectivo: usar o negócio como uma força para o bem. Depois de contar com seis parceiros mundiais – no Canadá, América Latina, Europa, Reino Unido, Austrália & Nova Zelândia, o B Lab chega também a Portugal & África Lusófona pela mão do Laboratório de Negócios Sociais do IES – Business School, o mais recente parceiro deste movimento global.
O evento de lançamento, que contou com a presença de Bart Houlahan, para além de Tomas Pando, fundador da Paez, Merijn Everaarts, fundador da Dopper, e Miguel Neiva, fundador da ColorADD (uma das cinco empresas portuguesas certificada como B Corp), serviu ainda para dar a conhecer a visão holística – porque envolve todos os stakeholders na avaliação dos impactos sociais e ambientais da empresa em causa – deste movimento que ao compromisso de criar soluções que contribuam para a resolução de problemas globais juntou ainda um processo de certificação e uma legislação própria.
O VER, que há alguns anos tem vindo a seguir o caminho das B Corps, conversou com Bart Houlahan sobre os motivos que o levaram a acreditar e a implementar este conceito – mesmo sendo um empreendedor de sucesso no sector privado “tradicional” -, convidando-o a partilhar os principais desafios e sucessos que o B Lab tem encontrado no seu caminho e a explicitar o que é necessário para que uma empresa pertença ao universo das “benefit corporations”.
“Um dia, todas as empresas irão competir não só para serem as melhores do mundo, mas para serem também as melhores para o mundo”. Este “desejo ideal” é, em simultâneo, uma excelente marca ou slogan para o movimento que ajudou a criar. Depois de ter iniciado o B Lab em 2006, quão longe considera estar este “um dia…”?
É uma boa pergunta. E a única certeza que tenho é que existirão, sempre, novas formas de expansão e melhoria. E, dito isto, sinto-me humildemente impressionado com o ritmo veloz que tem caracterizado o crescimento do nosso movimento. Actualmente, existem mais de 1400 empresas com a certificação B, em mais de 130 indústrias e em 42 países, com um objectivo unificador: redefinir o conceito de sucesso nos negócios. Adicionalmente, existem mais de 30 mil empresas a utilizar a [plataforma de] Avaliação de Impacto B, para avaliar e gerir as suas performances sociais e ambientais e mais de duas mil “benefit corporations” registadas [empresas que se comprometem, legalmente, com a sua melhoria contínua e com o aumento positivo do seu impacto social e ambiental] em 30 estados e no Distrito de Columbia [Washington D.C.], onde foi aprovada uma legislação específica para as mesmas. De uma forma significativamente crescente, consumidores, empregados, investidores e líderes de negócios estão a querer utilizar as empresas como uma força para o bem. O que é incrivelmente encorajador e inspirador.
[pull_quote_center]Acreditamos que o capitalismo irá evoluir de um enfoque no valor para o accionista para a criação de um valor de longo prazo para os stakeholders[/pull_quote_center]
O lançamento do B Lab Portugal & África Lusófona constitui um outro excelente sinal deste crescimento. E temos esperança que, com uma equipa aqui dedicada, possamos encorajar, apoiar e fazer crescer a comunidade das B Corp nas regiões em causa. As empresas inspiradoras que aqui vimos irão ajudar a darmos mais um passo em direcção a “esse dia” em que todos poderemos gozar de uma prosperidade partilhada e duradoura.
Quando, em conjunto com Coen Gilbert e Andrew Kassov, decidiu criar o B Lab, questionaram a visão tradicional que considera o conceito de “negócio de sucesso” com base na maximização do seu lucro, tal como Milton Friedman o definiu na sua famosa máxima “o negócio dos negócios é fazer negócio [ou maximizar o lucro]”, uma questão que também faz parte do velho debate sobre “quem devem servir as empresas”. Mas, com o escrutínio a que estão sujeitas todas as organizações na actualidade, não será justo dizer que “o que elas fazem diz respeito a toda a gente”?
Sem dúvida que a afirmação me parece justa e, com todo o respeito que me merece o Sr. Friedman, na verdade tal tem vindo a ser uma realidade há muito tempo, quer o admitamos, quer não. Todas as empresas têm um impacto nos seus trabalhadores, na comunidade e no ambiente. E nós esperamos que ao encorajarmos as empresas a gerir e a avaliar esse impacto, o mesmo será mais positivo, ao mesmo tempo que acreditamos que o capitalismo irá evoluir de um enfoque no valor para o accionista para a criação de um valor de longo prazo para os stakeholders.
Quais foram os principais motivos que o levaram, a si e aos seus amigos e co-fundadores, a considerar a criação do B Lab, especialmente depois (ou ao longo) de uma carreira de sucesso no sector privado? O que vos fez mesmo acreditar que as empresas podem ser, de forma legítima, uma força para o bem ou, ainda mais complicado de se imaginar, que o capitalismo também pode vir a ser (mais) lucrativo se for “inclusivo”?
Enquanto empreendedor, tive, por experiência própria, a certeza de que os negócios podiam ser uma força para o bem, apesar de, no geral, não estarem estruturados para isso. Existem normas culturais reais, em conjunto com impedimentos legais, que aparecem como obstáculos no caminho dos empreendedores quando se tenta escalar os lucros em simultâneo com o propósito. No final da minha carreira como empreendedor, simplesmente me pareceu que deveria existir um melhor caminho – uma oportunidade para as empresa aumentarem a sua escala, angariarem capital, terem eventos de liquidez, mas mantendo sempre a sua missão.
Um dos vossos grandes feitos – o qual descreveu como “um ponto de viragem na evolução do capitalismo” – consistiu na aprovação de legislação que permite a formação das “public benefit corporations”. Pergunto-lhe o quão árduo foi o caminho percorrido até esse dia em 2013 e de que forma é que esta legislação está a ajudar ao crescimento do vosso movimento?
A viagem foi, como seria de esperar, difícil, tal como é qualquer tentativa para se aprovar uma legislação. Contudo e ao mesmo tempo, ficámos surpreendidos com o número de pessoas que apoiaram a legislação, independentemente da sua filiação política. Com 30 votos unânimes, a legislação cruzou as linhas partidárias, tendo contado com um apoio claro bipartidário.
[pull_quote_center]A aprovação da legislação tem sido extremamente útil para fazer crescer o nosso movimento. As leis corporativas tradicionais posicionam o lucro acima de tudo o resto[/pull_quote_center]
A aprovação da legislação tem sido extremamente útil para fazer crescer o nosso movimento. As leis corporativas tradicionais posicionam o lucro acima de tudo o resto. Uma “benefit corporation” consiste agora numa ferramenta legal que alinha investidores, conselhos de administração e accionistas em torno de um objectivo partilhado: criar valor de longo prazo para os accionistas e stakeholders. O que ajuda a proteger a missão da empresa à medida que ela vai crescendo, a trazer para o seu interior capital externo, ou a planear a sucessão, assegurando que a missão possa sobreviver, e bem, a uma nova gestão, a novos investidores e até a novos proprietários.
Até que ponto o conceito “se não é possível medir, não é possível gerir” foi importante para o processo de certificação desenvolvido pelo B Lab?
Avaliar e medir a performance social e ambiental das empresas consiste num importante primeiro passo para o conceito do negócio enquanto uma força para o bem. Durante muito tempo não tivemos acesso a padrões claros e credíveis para a performance social e ambiental. E era muito difícil distinguir entre boas empresas e bom marketing. E foi por isso que criámos a Avaliação de Impacto B, uma plataforma online e gratuita que permite avaliar o impacto que uma empresa tem nos seus trabalhadores, na comunidade e no ambiente. As B Corps usam esta avaliação para irem ao encontro dos requisitos de performance exigidos para a certificação (têm de atingir uma classificação, comprovada, de pelo menos 80 pontos).
[pull_quote_center]Avaliar e medir a performance social e ambiental das empresas consiste num importante primeiro passo para o conceito do negócio enquanto uma força para o bem[/pull_quote_center]
A Avaliação de Impacto B é também a nossa ferramenta por excelência para conferir escala a este movimento, para ajudar as pessoas a passarem da inspiração à acção e para tornar mensuráveis os nossos contributos individuais e colectivos. O que permite a todas as empresas gerir o seu impacto com o mesmo rigor com que gerem os seus lucros. Permite também às empresas compararem a sua performance com a de milhares de outras suas congéneres e criarem relatórios de melhoria customizados, para que possam ter um “roteiro” de melhoria contínua.
E quais são os atributos “absolutamente necessários” para uma empresa ser certificada como uma B Corp?
A Certificação B Corp tem como base três pilares essenciais: performance social e ambiental total, responsabilidade jurídica e transparência pública. No singular, nenhum destes pilares é suficiente. É a combinação dos três que confere unicidade, credibilidade e significado à Certificação B Corp.
[pull_quote_center]Durante muito tempo não tivemos acesso a padrões claros e credíveis para a performance social e ambiental. E era muito difícil distinguir entre boas empresas e bom marketing[/pull_quote_center]
Assim, para esta certificação, uma empresa deve 1) ir ao encontro dos padrões de performance social e ambiental com base numa pontuação comprovada através da Avaliação de Impacto B, 2) preencher os requisitos legais que formalizam o compromisso de se considerar os stakeholders em conjunto [ou no mesmo patamar] com os accionistas e, 3) assinar um termo de compromisso e uma Declaração de Interdependência.
As B Corp estão já espalhadas pelo mundo. Gostaria que me dissesse como é que conseguiram traduzir e implementar esta nova “cultura de negócios” em ambientes tão diferentes e, também, quais são os principais desafios que têm encontrado para expandir o conceito e a estrutura legal das B Corps a nível global.
[pull_quote_left]A Avaliação de Impacto B é também a nossa ferramenta por excelência para conferir escala a este movimento, para ajudar as pessoas a passarem da inspiração à acção e para tornar mensuráveis os nossos contributos individuais e colectivos[/pull_quote_left]
Muito importante é o facto de não termos sido “nós” a conseguir (risos). A forma como temos vindo a fazer crescer o movimento a nível global é trabalhando com entidades não lucrativas “irmãs” em cada um dos mercados que compreendem as normas locais, em conjunto com a sua cultura de negócios e enquadramento legal. Temos, neste momento, dúzias de parceiros em países dos quatro cantos do mundo a fazer “girar” o movimento. Aqui, em Portugal, fizemos uma parceria com o B Lab Portugal & África Lusófona para construirmos e servirmos o mercado das empresas como uma força para o bem. O maior desafio para expandir as B Corps a nível global é apenas a consciencialização pública. A procura por parte dos empresários e dos líderes de negócios é clara – apenas temos de chegar até eles.
Numa altura em que as empresas têm mais poder do que nunca e com o mundo a enfrentar um conjunto de questões complexas e globais, parece que continuamos a viver uma negação colectiva face às ameaçadoras implicações que tudo isto tem para a nossa realidade. Num dos muitos debates sobre o estado do planeta que teve lugar este ano em Davos – e a propósito da existência de vários relatórios que comprovam que são demasiados os líderes que continuam a não integrar a sustentabilidade nas suas estratégias – alguém afirmou que “era mais lucrativo mandar o mundo para o inferno”. Como é que perspectiva o estado de espírito, a curto e médio prazo, dos líderes empresariais? Teremos mesmo de escolher entre a nossa economia e o nosso futuro?
[pull_quote_right]A certificação das B Corps ajuda as empresas a construírem o seu mais importante activo: a confiança[/pull_quote_right]
Estou plenamente convicto de que é possível fazer bem e fazer o bem. Muitas B Corps não são apenas de impacto elevado, mas também de crescimento elevado. Excelentes exemplos incluem a Warby Parker, a Revolution Foods e a Kickstarter nos Estados Unidos, ou a ColorAdd aqui em Portugal. Adicionalmente, à medida que mais e mais consumidores, trabalhadores e investidores procuram alinhar o seu dinheiro com os seus valores, as empresas social e ambientalmente responsáveis estão a ganhar vantagem competitiva. A certificação das B Corps ajuda as empresas a construírem o seu mais importante activo: a confiança. E isto ajuda a que se distingam num mercado sobrelotado, a atrair e reter os melhores empregados e a criar valor de longo prazo, não só para os stakeholders, como também para os accionistas.
Editora Executiva