POR HELENA GONÇALVES e ANA ROQUE
De acordo com os resultados do estudo Ethics at Work: 2018 survey of employees do Institute of Business Ethics (IBE) que acabou de ser divulgado em Londres, o nível de pressão para comprometer princípios éticos aumentou em termos europeus. Ou seja, e como refere Philippa Foster Back, a presidente da organização, “os trabalhadores estão, mais do que nunca, pressionados para obter resultados, o que aumenta a pressão para desvios éticos”.
O estudo, trienal (desde 2005), é efectuado através de um inquérito a uma amostra representativa da população activa em cada país e este ano, pela primeira vez, inclui Portugal, através de uma parceria com a Católica Porto Business School.
Os países representados são Reino Unido, Alemanha, França, Espanha, Itália, Irlanda e Suíça e agora Portugal, tendo a amostra em conta a idade, género, sector de actividade e dimensão da empresa.
São analisadas três grandes áreas: a cultura ética (essencial para entender o papel que a ética desempenha na organização e quão profundamente os valores estão enraizados no processo de tomada de decisão); a identificação de riscos éticos (para compreender quais os assuntos que devem ser o foco do programa de ética de uma organização) e o apoio à ética no local de trabalho (para perceber quais são os elementos dos programas éticos das organizações e qual a sua influência no comportamento dos trabalhadores).
Este ano, na análise dos resultados, foi dado especial destaque a dois aspectos: denunciar/reportar más práticas e o papel das chefias na ética. Em função disso, a senioridade dos respondentes foi usada para analisar como as atitudes em relação à ética no trabalho mudam entre chefias e não chefias.
Cultura ética: uma janela para o que é considerado aceitável nas organizações
Portugal (85%), juntamente com o Reino Unido e a Irlanda, são os países onde os trabalhadores consideram as suas empresas mais honestas. Quatro em cinco têm essa percepção, afirmando que a honestidade é praticada pelo menos frequentemente nas suas empresas. Os trabalhadores das PME são os mais convictos dessa honestidade.
Quanto à actuação responsável nos negócios (actuar sempre de forma responsável) Portugal está abaixo da média europeia; o país onde a percepção relativa à responsabilidade da empresa nos negócios é maior é a Suíça com 80%.
Mas serão os trabalhadores capazes de identificar questões éticas nas escolhas diárias que enfrentam no trabalho? Até que ponto aplicam valores éticos na sua tomada de decisão? Foram feitas perguntas relativamente a nove potenciais más práticas éticas no sentido de aferir se os trabalhadores as consideravam mais ou menos aceitáveis (figura 1) e os resultados apontam para uma maior tolerância em aspectos ligados ao uso de equipamentos e meios da empresa para uso pessoal, como o telefone ou a internet, aceitáveis para cerca de 40% colaboradores e uma menor tolerância em aspectos que incluam falta de rigor em questões financeiras, tais como exagerar as despesas de deslocação, uma actuação considerada inaceitável para cerca de 90%.
De notar que os trabalhadores portugueses consideram cada uma das nove situações analisadas mais inaceitáveis do que a média dos europeus. A título de exemplo, enquanto em média, 40% dos colaboradores consideraram aceitável usar o email da empresa, em Portugal apenas 9% tiveram a mesma opinião.
Sobre a forma como estas questões são debatidas no interior da empresa é de referir que apenas 20% dos colaboradores europeus (e Portugal está alinhado com a média) considera que as questões de “certo e errado” não são discutidas nas reuniões de equipa. Este é um aspecto que consideramos especialmente relevante e uma verdadeira oportunidade de melhoria no desenvolvimento de uma cultura ética nas organizações.
Risco ético: quão frequente é o comportamento não ético nas organizações e que tipo de práticas são identificadas pelos colaboradores
O estudo foca-se em dois indicadores de perigo de aumento do risco de falhas éticas: a percepção dos trabalhadores sobre a conduta no local de trabalho e a pressão potencial que sobre eles é exercida para comprometer as normas éticas das suas organizações (quanto maior a pressão, maior o risco).
Relativamente à percepção sobre a conduta, foi perguntado se, durante o ano anterior, tinham tido conhecimento de qualquer conduta dos seus colegas ou empregadores que, na sua opinião, violasse a lei ou as normas éticas da sua organização (figura 2) e um em cada três trabalhadores (30%) teve conhecimento de um comportamento não ético no trabalho. Portugal está acima da média com 35%.
Quanto ao tipo de práticas, roubo e fraude (como é hábito, condutas passíveis de serem combatidas através de procedimentos) foram as menos observadas, mas, surpreendentemente, a discriminação, um comportamento que podendo ser condenado pelas organizações entra mais na esfera da responsabilidade individual, também é dos observados (figura 3).
Mas sentir-se-ão os trabalhadores pressionados para comprometer a ética?
Sim, por vezes, especialmente em Portugal e França. Dezasseis por cento dos respondentes na Europa dizem que sentiram alguma forma de pressão para comprometer as normas éticas das suas organizações, sendo que em Portugal e França o número sobre para 22 e 20%, respectivamente.
A falta de tempo aparece em primeiro lugar na lista de pressões, seguida de ordens do chefe; em termos de média europeia, e alinhado com Portugal, o pedido para “cortar caminho”. Ambas as respostas são um sinal da importância da liderança.
Promover a ética no local de trabalho
Qual a percentagem de organizações que desenvolvem um programa de ética para os seus colaboradores?
A existência, e respectiva robustez, de um programa foi aferida através de um conjunto de perguntas correspondentes a elementos do que pode ser considerado um programa formal de ética. Essas perguntas vão no sentido de saber se a organização tem um código de ética ou um documento similar; um canal para reportar condutas impróprias; uma “linha de aconselhamento” para esclarecer dúvidas ou pedir informações; e formação em ética.
Os resultados mostram que a maioria dos trabalhadores sabe que sua organização tem orientações escritas sobre ética, um código, mas os outros indicadores de um programa de ética são muito menos comuns. A título de exemplo, mais de metade dos inquiridos não tem conhecimento de que sua organização ofereça formação sobre conduta ética ou que tenha uma linha de aconselhamento ou informações sobre ética (figura 4).
Ou seja, a maior parte das organizações continua a ter um código que, aparentemente, não implementa devidamente. É esse o caso de Portugal onde apesar de 60% dos inquiridos afirmarem que a sua organização possui um código (“normas escritas de conduta ética empresarial que definem orientações para o meu cargo”), apenas 37% dizem que oferece formação e 35% referem a existência de uma linha de informações para conselhos sobre uma conduta ética.
Esta deficiente implementação dos códigos, e a sua existência enquanto elemento isolado, representam, por um lado, um risco para a organização (o código é um compromisso público de conduta ética que, não sendo conhecido internamente, potencialmente não será cumprido) e, por outro, limita os benefícios da sua existência.
E de acordo com este estudo, esses benefícios são muitos: os trabalhadores de organizações com um programa de ética são mais propensos a concordar com a afirmação de que a sua chefia directa explica a importância da honestidade e da ética no trabalho (79% em comparação com 32% em organizações sem programa); é um bom exemplo de comportamento ético nos negócios (83% comparativamente a 46%) e apoia os trabalhadores a seguir os padrões de comportamento ético da organização (84% em comparação com 34%).
A diferença faz-se notar também na percepção da própria organização, sendo que as organizações com um programa de ética são consideradas como tendo uma conduta responsável por parte de 86% dos trabalhadores, contra 57% em organizações sem programa.
Um aspecto que se considera poder ser também promotor da ética no local de trabalho é a existência de incentivos, mas poucos (23%) os referem. Quando existem, materializam-se, regra geral, na avaliação anual de desempenho (figura 5)
Aspectos de destaque
1: Reportar más práticas
A confiança para apresentar questões é uma componente essencial de uma cultura organizacional ética, aberta e solidária.
Em Portugal metade (49%) dos trabalhadores que detectaram más práticas afirmaram terem-nas reportado (figura 6), o que nos parece um número elevado, apesar de ser a percentagem mais baixa dos países estudados, nos quais tem verificado uma tendência crescente na facilidade em reportar.
O aumento da facilidade em falar pode estar relacionado, de acordo com Philippa Foster Back, com a visibilidade de movimentos globais como o #metoo e o #timesup que estão a ter repercussões no local de trabalho e que levam a que as pessoas falem não só de assédio mas também de outros assuntos. Como refere a directora do IBE: “Esperamos que este seja o começo de uma era, em que relatar seja visto com natural, como business as usual”.
Também a este nível se observa uma diferença entre as organizações com programas de ética e as outras: 73% dos trabalhadores de organizações com programa que observaram más práticas, reportaram, contra 42% em organizações sem programa. O tratamento destas denúncias ou reclamações também foi diferente: 72% dos trabalhadores em organizações com um programa de ética abrangente que observaram e reportaram más práticas éticas estão satisfeitos com o resultado, ao contrário de 28% nas organizações sem programa.
Mas nem todos os trabalhadores reportam e a principal razão para não o terem feito, em termos europeus, é não acreditarem que acções correctivas seriam implementadas. De facto, muitas organizações destacam nos seus códigos as potenciais consequências de violações de normas éticas. No entanto, muito menos organizações publicam dados externamente sobre violações éticas e medidas disciplinares.
Uma pesquisa separada realizada em 2017 pelo IBE mostra que apenas 16 empresas do índice “FTSE 100” incluem esse tipo de informação nos seus relatórios de sustentabilidade ou responsabilidade corporativa. Apenas três, dessas 16 empresas, informam que nenhuma violação concreta do código de ética/conduta foi relatada durante o ano anterior, o que nos pode levar a questionar a capacidade das organizações reconhecerem violações e agirem sobre elas.
O estudo do IBE mostra que pouco mais de metade (53%) dos trabalhadores na Europa acredita que a sua organização pune os que violam as normas éticas da organização.
Esse é um aspecto que nos parece fundamental para reforçar a confiança no sistema de gestão de reclamações e promover o reporte.
2: A ética e as chefias
O papel das chefias é crucial na promoção da ética uma vez que estão posicionadas entre a direcção e a base e são frequentemente vistas como modelos pela equipa, o que significa que podem influenciar significativamente as percepções e o comportamento da sua organização.
Este relatório analisa as atitudes das chefias em relação à ética nos negócios por meio de duas lentes diferentes: a sua própria visão e a percepção que os trabalhadores têm das suas chefias. Relativamente à percepção dos trabalhadores, são usados quatro indicadores: se as chefias são vistas como um bom exemplo de comportamento ético nos negócios; se apoiam os colaboradores a seguir os padrões de comportamento ético das suas organizações; se explicam a importância da honestidade e da ética no trabalho e, inversamente, se recompensam funcionários que obtêm bons resultados, mesmo que usem práticas eticamente questionáveis.
A percepção da maioria dos inquiridos na Europa em relação ao comportamento da sua chefia directa é positiva, particularmente no que diz respeito à sua capacidade de dar um bom exemplo de comportamento ético. No entanto, 27% acreditam que a sua chefia directa recompensa os funcionários que obtêm bons resultados, mesmo que estes usem práticas eticamente questionáveis (veja a Figura 7). Em Portugal esse número sobe para 29%, acima da média europeia.
Este premiar de resultados alcançado através de práticas eticamente questionáveis pode estar relacionado com a visão assumida por 30% das chefias de que, nos negócios, as pequenas falcatruas são inevitáveis (figura 8) e que é aceitável (13%) aumentar artificialmente os lucros nos registos desde que não haja roubo de dinheiro.
Esta permissividade das chefias poderá estar relacionada com a pressão a que estão sujeitas, tanto dos que estão acima, como dos abaixo, que as pode encorajar a “ir por atalhos” para alcançar resultados. Para mudar esta situação, como refere Philippa Foster Back do IBE, é preciso garantir que “as chefias são especialmente treinadas e apoiadas natomada de decisões éticas, especialmente porque a pressão sobre os colaboradores tem vindo a aumentar.” E uma forma de as apoiar é desenvolver verdadeiros programas de ética nas organizações.
A parceria entre a Católica Porto Business School e o IBE
O interesse da Católica Porto Business School por este estudo começa em 2015 e enquadra-se numa procura activa de criar conhecimento sobre a realidade portuguesa, que permita a definição de estratégias adequadas por parte das organizações para promover a ética empresarial.
Nesse ano, utilizando este mesmo questionário, foi feita uma primeira experiência com os seus ex-alunos, cujos resultados foram então debatidos num seminário e divulgados (A ética empresarial do ponto de vista dos colaboradores).
Posteriormente foi sugerido às empresas do Fórum de Ética da Católica Porto Business School, também constituído em 2015, que aplicassem internamente o questionário para diagnóstico e apoio à reflexão interna, tendo o resultado sido considerado muito positivo.
O passo seguinte foi, através do Memorando de Entendimento assinado em 2017 com o IBE, incluir Portugal no estudo europeu e poder, assim, disponibilizar uma ferramenta de apoio à sociedade portuguesa, não só para apoiar a reflexão sobre ética empresarial,mas também para criar e partilhar conhecimento no domínio da ética.
Nota: Em Setembro, serão publicados os resultados completos de cada país, data a partir da qual a Católica Porto Business School organizará eventos para a sua divulgação e discussão
Helena Gonçalves e Ana Roque, coordenadoras do Fórum de Ética da Católica Porto Business School