Se a economia não crescer e não for capaz de criar riqueza, a única coisa que se vai poder distribuir é a pobreza. A afirmação é de Vitor Bento que, em entrevista ao VER, avalia o estado económico e social do País. Para o economista e conselheiro de Estado, a “algazarra que domina a discussão pública, com muita gente com responsabilidades a negar deliberadamente a realidade”, reflecte-se na “dificuldade de consensualizar a necessária mudança do modo de vida colectivo”. E por isso, “o ajustamento será demorado”, prevê
Se é verdade que “parece que já quase todos se esqueceram da quebra de confiança dos credores que colocou o País à beira da bancarrota”, certo é que a realidade não permitirá aos portugueses, nos tempos mais próximos, esquecer os efeitos da crise: “o ajustamento será demorado”, tanto mais quanto demorado for o reconhecimento da “responsabilidade das opções assumidas”, sentencia Vitor Bento. Numa entrevista em que reafirma a insustentabilidade do estado em que o País se encontra, o economista lamenta que se continue a olhar para o problema “como uma espécie de catástrofe natural que nos foi imposta por fora”, e deixa o aviso: “teremos que rever o modelo de funcionamento do Estado. Gastando menos ou cobrando mais impostos”. Um futuro hipotecado Por outras palavras, embora o caminho pelo qual o Estado tem seguido ao longo das últimas quatro décadas não seja “financeiramente sustentável”, enquanto “esta insustentabilidade não for reconhecida não vale a pena discutirmos medidas” que possam transformar o Estado. Este é o “primeiro desafio que a sociedade tem” que enfrentar nesta altura, acredita. Reconhecer e assumir essa insustentabilidade do Estado é, pois, requisito prévio “para nos dispormos a ajustar”. É necessário fazer “um juízo colectivo” sobre “quanto é que estamos dispostos a pagar pelo Estado, em geral”, para então “desenhar o Estado” nessa mesma medida, conclui. Declinando, “para já”, um comentário ao último relatório do FMI, que propõe despedimentos na função pública e cortes permanentes nos salários e nas pensões, Vitor Bento adianta apenas que está confiante face à possibilidade de se chegar a um consenso, dentro do tempo previsto pelo Governo (até Fevereiro), para apresentar à troika um plano de cortes no Estado na ordem dos 4 mil milhões de Euros. Sem deixar de sugerir que “se calhar já devíamos ter começado há mais tempo”, o economista explica que “o facto de vivermos em estado de necessidade vai facilitar que um acordo seja alcançado”. Portugal acumula hoje uma dívida pública equivalente a 120% do PIB. Na sequência do modelo político seguido há anos, defende que o adiamento sucessivo da resolução dos problemas deixou “o futuro do País hipotecado”. E agora, com que modelos podemos pagar essa hipoteca e garantir que não agravaremos mais o orçamento da geração vindoura? Porque só assim eles nos poderão continuar a “renovar” os empréstimos que constituem a dívida. E, para isso, teremos que rever o modelo de funcionamento do Estado: gastando menos ou cobrando mais impostos. Com que objectivos sustenta a refundação do regime e a revisão da Constituição, conciliando-a com as necessidades reais do País, e que estratégia política terá Portugal de adoptar para chegar ao pacto político-social que implicariam estas medidas? E, a avaliar pela algazarra que domina a discussão no espaço público, não me parece que haja suficiente consciência do problema. Continua muita gente, com responsabilidades, a negar deliberadamente a realidade. No seu livro ‘Perceber a Crise para Encontrar o Caminho’ defende que o ajustamento automático dos desequilíbrios acumulados poderá conduzir a uma profunda e prolongada recessão económica. E, desde o virar do milénio, preconiza que Portugal caminha para a insustentabilidade económica, e que está preso numa armadilha de empobrecimento também prolongado. Os líderes (políticos económicos, empresariais) perceberam finalmente a crise, para encontrar as soluções necessárias?
Porém, a opinião que aparece a dominar o espaço público continua a olhar para este como uma espécie de “catástrofe natural” que nos foi imposta “por fora”, recusando-se a reconhecer a responsabilidade das opções assumidas, a inconformidade entre o que a sociedade quer e o que pode, e o contexto altamente adverso em que Portugal passou a funcionar desde o alargamento da União Europeia e o progresso da globalização. O que se reflecte na dificuldade de consensualizar a necessária mudança de modo de vida colectivo. E por isso o ajustamento será demorado. Resta saber, pois, se conseguindo estancar a hemorragia – com o restabelecimento do equilíbrio externo –, se conseguirão criar as condições de crescimento necessário para absorver a mão-de-obra disponível e satisfazer as aspirações de bem-estar da sociedade. Ou se ficaremos presos numa armadilha de empobrecimento relativo. Esse relançamento da economia é compatível com a manutenção de um Estado social e dos valores da justiça e equidade sociais? Ou, perante os efeitos recessivos da crise – aumento do desemprego, falência das empresas, diminuição do consumo por quebra do poder de compra, etc. –, esse é um caminho utópico? O contrato social tem que contemplar simultaneamente duas vertentes indissociáveis: as condições de crescimento e o processo redistributivo. E tem que assumir, e ser capaz de gerir com razoabilidade, as tensões que estas duas vertentes criam entre si. Sem crescimento não há riqueza para distribuir, sem incentivos diferenciadores não há crescimento e sem coesão social as condições de crescimento são mais difíceis. O ciclo do envelhecimento é um dos fenómenos mais preocupantes e que maiores desequilíbrios gera, em Portugal como em todo o mundo. Com que estratégias se deve combater este fenómeno, de modo a garantir a sustentabilidade demográfica do País? Perante as medidas de austeridade adoptadas, considera que existe uma dissonância entre a imagem que Portugal colhe no exterior, nomeadamente entre os investidores financeiros, e a imagem que fazemos de nós próprios, a qual veicula a ideia de insucesso e algum sentimento de tensão interna. Quando olhamos para o país como nação, podemos dizer que no ADN cultural de Portugal está inscrito um estado crónico de falta de auto-estima e complexo de inferioridade?
E é verdade que o nosso ADN cultural contém diversas adversidades ao nosso desenvolvimento económico. Mas não sou habilitado para fazer uma análise psicológica do “carácter português”. À crise mundial financeira está associada uma crise subjacente de valores que coloca seriamente em causa o modelo capitalista no velho continente. Depois do muito que se discutiu esta matéria em várias frentes e por diferentes lideranças, que futuro preconiza para a Europa? Acredita que retiraremos desta fase de mudanças estruturais alguma (boa) lição, considerando que, como disse “há um conflito de culturas, mais do que divergências económicas”? Por outro lado, a afluência começa por alargar a base do poder das sociedades, através dos meios acrescidos e mais poderosos que permite mobilizar, mas a indolência moral a que a sua persistência acaba por conduzir, torna-se, ao fim de algum tempo, um factor de enfraquecimento cujo prolongamento poderá levar à extinção do seu modo de vida, como aconteceu com o Império Romano. Não temos perspectiva histórica suficiente para fazer grandes extrapolações desta natureza sobre o afluente mundo ocidental em que vivemos. Mas que é um risco, é. E é um problema que deveria mobilizar uma grande reflexão. Sem nunca perder a esperança na capacidade de regeneração da natureza humana. |
|||||||||||||||
Jornalista