O amor em todas as suas formas – a amizade, a fraternidade, o amor político – é uma realidade profundamente racional que está chamada a ser elevada a uma ordem supra-racional, a ordem sobrenatural. Assim como a razão está chamada a desenvolver-se naquilo em que a sua natureza lhe permite e a ser elevada pela fé
POR MARTA LINCE DE FARIA
A amizade, a fraternidade e o amor não são apenas realidades que admitem o racional mas são o culminar de uma vida permeada de racionalidade: quem é profundamente racional acaba por concluir que a maior das suas forças deve ser dedicada ao amor fraterno em qualquer das suas formas mais nobres. Não existem as pessoas especialmente racionais ou inteligentes e as pessoas especialmente fraternas. Quem capta a profundidade da realidade capta que as relações são a maior riqueza do Universo e, não podemos esquecer que o nosso Universo está cumulado de maravilhas naturais. A última encíclica do Papa, Fratelli Tutti, além de compilar uma série de apelos e sugestões que temos ouvido de Francisco acerca da ordem política, social e económica das nações, recorda que dois aspetos fundamentais da vida humana, a amizade e a política, devem partir de uma reflexão racional e ser elevados pela virtude teologal da caridade.
Segundo o Papa a amizade e o amor matrimonial são relações abertas ao mundo, não são meras paixões que nos sequestram do âmbito racional. Em princípio uma amizade verdadeira “chama” mais amigos não os “repele”: “a nossa relação, se é sadia e autêntica, abre-nos aos outros que nos fazem crescer e enriquecem. O mais nobre sentido social hoje facilmente fica anulado sob intimismos egoístas com aparência de relações intensas. Pelo contrário, o amor autêntico, que ajuda a crescer, e as formas mais nobres de amizade habitam em corações que se deixam completar. O vínculo de casal e de amizade está orientado para abrir o coração em redor, para nos tornar capazes de sair de nós mesmos até acolher a todos. Os grupos fechados e os casais autorreferenciais, que se constituem como um «nós» contraposto ao mundo inteiro, habitualmente são formas idealizadas de egoísmo e mera autoproteção” 1
Mas talvez ainda mais surpreendente seja o modo como o Papa descreve o amor político. A mera utilização do adjetivo político unido à palavra amor poderia surpreender. Este amor político não é um ideal utópico mas traduz-se em obras concretas e acessíveis: “reconhecer todo o ser humano como um irmão ou uma irmã e procurar uma amizade social que integre a todos não são meras utopias. Exigem a decisão e a capacidade de encontrar os percursos eficazes, que assegurem a sua real possibilidade. Todo e qualquer esforço nesta linha torna-se um exercício alto da caridade. Com efeito, um indivíduo pode ajudar uma pessoa necessitada, mas, quando se une a outros para gerar processos sociais de fraternidade e justiça para todos, entra no campo da caridade mais ampla, a caridade política. Trata-se de avançar para uma ordem social e política, cuja alma seja a caridade social. Convido uma vez mais a revalorizar a política, que é uma sublime vocação, é uma das formas mais preciosas de caridade, porque busca o bem comum.” 2
Admiro muito o grande serviço que as pessoas que têm responsabilidade de decisão prestam ao mundo. Partilho do ideal do Papa Francisco que a política deve ser concebida racionalmente e depois implementada através dos mecanismo previstos em cada país. E lanço um apelo a que todos que procurem a racionalidade dos aspectos mais fundamentais de vida humana: resolvem-se dilemas, orientam-se decisões e aumenta-se muito a probabilidade de criar um mundo mais feliz, mais justo e mais fraterno.
1 Fratelli Tutti, 180.
2 Fratelli Tutti, 89.
Professora de Comportamento Humano e Macroeconomia da AESE Business School Cátedra de Ética na Empresa e na Sociedade AESE/EDP