Em 1995, foi publicado o Segundo Relatório de Avaliação do IPCC. Foi um marco importante no desenvolvimento da compreensão científica das alterações climáticas. Concluiu-se que «o equilíbrio das provas sugere que existe uma influência humana discernível sobre o clima da Terra». Esta conclusão baseou-se em muitas provas, incluindo o aquecimento observado, a distribuição da precipitação e outras variáveis climáticas
POR PEDRO COTRIM
Hoje é dia 2 de Março; a Primavera começou ontem. Não essa em que está a pensar, que é a astronómica, e que começa efectivamente dia 20. Já a Primavera solar vai adiantada, tendo sido iniciada no dia 5 de Fevereiro. Entraremos nesta explicação noutros artigos sobre alterações climáticas. Importa agora consagrar o relatório do IPCC de 1995.
Sem gases de efeito estufa, congelaríamos. A temperatura média da Terra seria de -18° C, aproximadamente, em vez dos +15° C que temos a fortuna de sentir na pele. Mais há muito mais que quente e frio no complexo mundo da nossa atmosfera. Muita coisa se passa por baixo e por cima das nuvens abarrigadas que desenhámos na escola; também na escola aprendemos o ciclo da água. Não são só rios e nuvens e o clima é um sistema extremamente complexo governado por múltiplas interacções entre diferentes reservatórios. Tudo influi num espectro amplíssimo de escalas de tempo e é muito mais complexo do que supusemos há poucas décadas.
Evaporação, condensação, precipitação e escoamento. Parece pouco, quase como um sistema de climatização de um edifício. Fazemos a revisão?
Evaporação é o processo pelo qual a água se altera do estado líquido para gasoso. Genericamente, a água evapora-se das superfícies dos oceanos, lagos, rios, e outros corpos de água devido ao calor do sol.
Condensação é o processo através pelo qual o vapor de água se transforma novamente em água líquida. À medida que o ar quente e húmido sobe e arrefece, o vapor de água condensa-se em gotículas de água, formando nuvens.
Precipitação é o processo pelo do qual a água cai das nuvens para o solo. Pode ser neve, chuva, granizo, nevoeiro, sincelo ou orvalho.
Escoamento é o processo pelo qual a água flui sobre a superfície da Terra em corpos de água, como rios, lagos, e oceanos. Parte da precipitação que cai em terra fluirá para os rios e eventualmente para o oceano.
Infiltração é o processo pelo qual a água se entranha no solo e se transforma em lençóis de água subterrânea; pode fluir para corpos maiores de água ou ser absorvida pelas plantas.
Esta complexidade explica por que razão evoluiu aparentemente devagar o estado do conhecimento. São muitos os avanços científicos a assinalar o campo de pesquisa nos últimos anos, e que muito influenciaram os relatórios IPCC. A grande mudança ocorreu entre 1990 e 1995.
Em 1995, foi publicado o Segundo Relatório de Avaliação do IPCC. Foi um marco importante no desenvolvimento da compreensão científica das alterações climáticas. Concluiu-se que «o equilíbrio das provas sugere que existe uma influência humana discernível sobre o clima da Terra». Esta conclusão baseou-se em muitas provas, incluindo o aquecimento observado, a distribuição da precipitação e outras variáveis climáticas.
O relatório forneceu igualmente uma análise detalhada dos impactos potenciais das alterações climáticas, incluindo a subida do nível do mar, as alterações na produtividade agrícola e a propagação de doenças. Concluiu-se que muitos destes impactos poderiam ser graves, particularmente nos países em desenvolvimento e nas zonas de baixa altitude.
O relatório de 1995 foi significativo porque representou um grande passo em frente na compreensão científica das alterações climáticas e ajudou a sensibilizar o público para esta questão. Também forneceu uma base científica para as negociações que conduziram à adopção do Protocolo de Quioto, o primeiro acordo internacional para limitar as emissões de gases com efeito de estufa.
Há portanto uma grande mudança em relação ao relatório de 1990. É verdade que o aumento do efeito de estufa ligado às actividades humanas e o aquecimento do clima ao longo do último século, que afirmados em 1990, foram plenamente confirmados em 1995, mas a posição dos cientistas sobre uma possível relação causal entre estas duas observações mudou. No relatório de 1990 concluíra-se que «A magnitude do aquecimento observado é aproximadamente consistente com as previsões do modelo climático, mas também comparável com a variabilidade climática natural». O aquecimento observado poderia ser devido a esta variabilidade natural; inversamente, a variabilidade natural, combinada com outros factores relacionados com a actividade humana, poderia ter mascarado um efeito ainda maior do aumento dos gases com efeito de estufa.
Esta noção de surpresa climática decorre directamente das descobertas feitas naqueles cinco anos nos últimos anos, por glaciologistas e paleo-oceanógrafos. Graças a estudos realizados no meio marinho (corais) e continental (anéis das árvores), bem como a partir de períodos glaciares, este conhecimento progrediu e tornou possível situar melhor o aquecimento observado durante o século XX numa perspectiva histórica. No entanto, permanece muito desadequado, em especial em termos de cobertura geográfica.
Nos últimos séculos, as actividades antropogénicas alteraram significativamente a composição da atmosfera. Entre meados do século XVIII, o teor de metano multiplicou-se por 2,5 (por dois e meio e não é gralha), sobretudo devido à agricultura intensiva. O uso de combustíveis fósseis é em grande parte responsável pelo aumento da concentração de CO2 desde o início da era industrial. Estes combustíveis fósseis conduziram, devido a estas práticas agrícolas, a um aumento de cerca de 15% no teor de óxido nitroso no mesmo período.
A atmosfera é transparente para a radiação visível do Sol, estes gases absorvem a radiação infravermelha reemitida pelo solo. O papel principal cabe ao vapor de água e ao dióxido de carbono. O ano de 1995 bateu o recorde anteriormente alcançado em 1990. Verificou-se que a temperatura média global da superfície aumentara cerca de 0,5°C desde o final do século XIX. A subida significativa do nível do mar observada durante os últimos 100 anos é largamente atribuível à expansão do oceano que resultou deste aumento de temperatura. Outras informações, como um maior aumento nas temperaturas nocturnas do que nas diurnas, estão bem documentadas. E embora existam algumas lacunas de dados, os peritos concordaram em 1995, conforme haviam feito em 1990, que o aquecimento global é uma realidade.
No relatório de 1995 afirma-se que «várias provas sugerem que existe uma influência humana discernível sobre o clima global». Esta é ainda uma conclusão extremamente conservadora, mas é claramente uma das conclusões importantes do novo relatório, que em si mesmo, não alterava as previsões de aquecimento para o século seguinte, mas deu-lhes uma credibilidade que antes não tinham. Ficou o assunto resolvido e também ficou sanada uma velha querela política.
Os cépticos que colocaram esta conclusão sob os holofotes de uma controvérsia que tem sido amplamente noticiada na imprensa internacional (principalmente nos Estados Unidos, em menor grau na Europa) não se enganaram. Sugerir, como fazem os cientistas, coloca as alterações climáticas no centro dos problemas ambientais que a nossa sociedade terá de enfrentar no próximo século e confere-lhe uma inegável dimensão socioeconómica e política.
Houve reconhecimento da forçagem radiactiva negativa (efeito de arrefecimento) causada pelos aerossóis artificiais, agora plenamente reconhecida mas ainda difícil de fixar com precisão. Estes aerossóis, principalmente compostos de enxofre, estão presentes sob a forma de partículas microscópicas suspensas no ar. Têm origem na queima de combustíveis fósseis, biomassa e outras fontes. O arrefecimento que pode resultar desta situação segue-se rapidamente ao aumento ou diminuição das emissões e concentra-se em certas regiões e áreas subcontinentais (enquanto o aquecimento associado ao aumento do efeito de estufa é de natureza global).
O melhor conhecimento das variações climáticas ao longo dos últimos séculos levou os especialistas em climas passados a indicar que a temperatura média global do ar é pelo menos tão elevada no século XX como era em qualquer outro período entre o período actual e 1400. Deve notar-se, contudo, que ainda há muito a fazer na área da chamada variabilidade climática recente; por exemplo, as mudanças associadas à Pequena Idade do Gelo na Europa entre os séculos XV e XIX estão mal documentadas à escala global.
Finalmente, este conjunto de provas é complementado por estudos estatísticos, a maioria dos quais detectou alterações significativas que demonstram que a tendência de aquecimento observada é pouco provável que seja de origem exclusivamente natural. Nenhuma delas é prova em si mesma, mas foi a sua convergência que levou os cientistas a sugerir que existe uma influência humana discernível sobre o clima global.
Sabemos que se parássemos imediatamente as emissões de GEE – parar subitamente de usar qualquer combustível fóssil – as consequências das alterações climáticas se iriam manter por muitos anos. O mal está feito; está visto que vamos continuar a fazê-lo.
Editor
Um artigo competente e honesto, sobre um tema relativamente ao qual ainda existem algumas dúvidas científicas, mas em que a influência humana sobre o clima, na era industrial e pós-industrial, se afigura inegável e por isso estamos a agir coletivamente (sobretudo na Europa!) para reduzir as emissões de carbono (as partículas de carbono podem manter-se por mais de um século na atmosfera). O artigo dá-nos uma visão que encoraja uma Ecologia otimista, o contrário da abordagem totalitária de certos grupos ativistas que, com a conivência de alguns partidos políticos e de grande parte dos media, no fundo querem derrubar a economia de mercado e a democracia pluralista com o argumento terrorista de que estamos a dar cabo do planeta!
A aposta nas energias renováveis (apesar dos seus limites) e no nuclear, bem como as tecnologias de ponta para apreensão do carbono permitem uma abordagem otimista da evolução deste tema.
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