POR GABRIELA COSTA
Foi mais um momento histórico, aquele em que, pela primeira vez, um Papa se dirigiu a uma Assembleia Geral das Nações Unidas, para reafirmar ao mundo que “a adopção da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável na Cimeira Mundial é um sinal importante de esperança”.
Pouco depois da intervenção de Francisco que antecedeu a Cimeira da ONU sobre o Desenvolvimento Sustentável, a 25 de Setembro, o compromisso global com 17 objectivos e 169 metas para acabar com a pobreza e garantir um futuro sustentável à humanidade e ao planeta foi adoptado por unanimidade, num encontro também ele considerado histórico, e que mereceu uma ovação por parte das delegações que incluíam os líderes de mais de 150 países, reunidos em Nova Iorque desde o dia 21, no âmbito da Semana do Clima.
Em causa está “uma nova era de acção nacional e da cooperação internacional”, perante uma agenda que “compromete todos os países” a realizar um conjunto de medidas não só para “enfrentar as causas profundas da pobreza”, como também, e sinergicamente, para “incrementar o crescimento económico e a prosperidade”, melhorando a nível global a qualidade da saúde, educação e apoios sociais, e protegendo o meio ambiente.
Na cerimónia de abertura da Cimeira, o secretário-geral das Nações Unidas enfatizou que a nova Agenda constitui “uma visão universal, integrada e de transformação para um mundo melhor”: esta é “uma agenda para as pessoas, para acabar com a pobreza em todas as suas formas. De prosperidade partilhada, paz e parceria, que transmite a urgência da acção sobre o clima e está enraizada na igualdade e no respeito aos direitos de todos. Acima de tudo, promete não deixar ninguém para trás.”
Os Objectivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) são, portanto, “uma promessa dos líderes para todas as pessoas em todos os lugares”, como também afirma Ban-Ki Moon. E aqui reside o habitual problema destes históricos acontecimentos: são uma promessa. Como o próprio líder das Nações Unidas reconhece, “o verdadeiro teste do compromisso com a Agenda 2030 será a sua implementação”. A qual depende “da acção de todos”, no mundo inteiro, explica: os 17 Objectivos são o nosso guia. São uma lista de coisas a fazer pelas pessoas e pelo planeta, e um plano para o sucesso”.
Quando a implementação das metas é meta
O documento final do acordo que guiará os líderes no caminho do desenvolvimento sustentável durante os próximos 15 anos (aprovado a 2 de Agosto por todos os 193 Estados-membros da ONU, e adoptado agora) mantém uma tónica prioritária no combate à pobreza, relativamente aos antecessores Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM), graças aos quais, e apesar do fracasso significativo de muitas das suas metas, foi possível retirar 700 milhões de pessoas dessa condição desde o ano 2000, segundo dados da ONU.
Mas a meta agora não se limita a reduzir a pobreza. O primeiro e o segundo ODS – Acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares; e Acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e a melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável – deixam claro que o esforço global tem de ir até à erradicação, total e irreversível, deste flagelo.
Como sublinhou o director-geral da FAO – Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura durante a sua intervenção na Cimeira realizada na sede da ONU, a humanidade tem pela frente “uma tarefa enorme, que começa com o compromisso histórico de não apenas reduzir, mas erradicar a pobreza, a fome e a desnutrição, de maneira sustentável”.
[pull_quote_left]Os 17 Objectivos são o nosso guia. São uma lista de coisas a fazer pelas pessoas e pelo planeta – Secretário-geral da ONU[/pull_quote_left]
Alertando que a segurança alimentar, a nutrição e a agricultura sustentável são fundamentais para alcançar as metas propostas até 2030, José Graziano da Silva defendeu que o segundo ODS deverá ser “perseguido com urgência, uma vez que um rápido progresso nessa frente é essencial para atingir outros objectivos” a ele directa ou indirectamente associados – como o terceiro, que prevê a promoção da saúde infantil e materna e o tratamento do HIV/SIDA; os ODS 6 e 7, que visam garantir água e energia para todos; o ODS 10, que prevê a redução da desigualdade social; ou o objectivo 12, que deverá assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis. E entre tantos outros que promovem a inclusão na educação, na igualdade de géneros, na economia e no emprego, nas infra-estruturas e nas cidades; a sustentabilidade ambiental e o combate às alterações climáticas; e ainda, como prevê o 17º e último ODS, a própria implementação desta “parceria global para o desenvolvimento sustentável”.
A “fome zero” mundial é assim uma das principais bandeiras a hastear por todos os Estados-membros da ONU pois, se o Objectivo do Milénio relativo à redução da fome e da miséria foi atingido por mais de metade dos países monitorizados pela FAO, a verdade é que existem ainda cerca de 800 milhões de pessoas que continuam a sofrer de subnutrição crónica, como acusa a organização: “só descansaremos quando conseguirmos a fome zero”, avisa o brasileiro Graziano da Silva, admitindo que será necessário um investimento de 160 dólares anuais por cada pessoa que vive em situação de pobreza extrema, para alcançar esse objectivo. Para logo explicar aos líderes mundiais que “isso representa menos de metade dos rendimentos mundiais em 2014, e “é apenas uma pequena fracção do custo que a fome e a malnutrição impõe às economias, sociedades e pessoas”.
“Fome zero” mundial
Globalmente, o número de pessoas que vive em pobreza extrema diminuiu mais de metade, em relação a 1990 (1,9 mil milhões). Mas em 2015, 836 milhões de pessoas ainda vivem nessa condição: cerca de uma em cada cinco pessoas nos países em desenvolvimento vive com menos de 1,25 dólar por dia.
O Sul da Ásia e a África Subsaariana continuam a ser “o lar da esmagadora maioria” das pessoas afectadas por este flagelo, e os maiores índices de pobreza registam-se nos países mais pequenos, economicamente frágeis e afectados por conflitos armados e guerras, alertam as Nações Unidas nos novos ODS.
Também a nível mundial, a proporção de pessoas subnutridas em regiões em desenvolvimento caiu quase para metade, no mesmo período (de 23,3% em 1990-1992 para 12,9% em 2014-2016). Mas uma em cada nove pessoas no mundo (795 milhões) ainda é hoje subnutrida.
[pull_quote_left]O investimento na pobreza zero é apenas uma pequena fracção do custo que a fome e a malnutrição impõe às economias, sociedades e pessoas – Director-geral da FAO[/pull_quote_left]
A larga maioria de pessoas que passa fome vive em países em desenvolvimento, onde 12,9% da população é subnutrida, sendo a Ásia o continente cuja população passa mais fome: dois terços do total. Já a África Subsaariana é a região com a mais alta prevalência (% de população) de fome, com uma em cada quatro pessoas subnutrida.
A má nutrição é responsável pela morte de 3,1 milhões de crianças anualmente, quase metade (45%) do total de mortes abaixo dos cinco anos de idade. No mundo, uma em cada quatro crianças do mundo sofre crescimento atrofiado. Todos os dias, 66 milhões de crianças em idade escolar primária assistem às aulas com o estômago vazio, dos quais 23 milhões são meninos africanos.
A agricultura é hoje a maior fonte de rendimento e de trabalho para as famílias pobres rurais, constituindo o maior empregador no mundo, e garantindo meios de subsistência a 40% da população global actual, sublinha também a ONU.
Não é por acaso que acabar de vez com a pobreza e com a fome são os ODS 1 e 2, e também não é por acaso que a estes objectivos está associado tanto um combate global em todas as frentes, “universalmente aplicável”, e que articule os diferentes níveis de desenvolvimento e políticas nacionais, como a promoção da agricultura sustentável: a “cooperação Sul-Sul (ou seja, as relações entre os países em desenvolvimento) terá um papel fundamental na implementação da Agenda 2030 e na implementação dos ODS”, na medida em que “pode fornecer soluções rentáveis e replicáveis para os desafios enfrentados por muitos países em desenvolvimento”, avisou Ban ki-Moon um dia depois de a Assembleia Geral da ONU ter adoptado o acordo global. Os grandes obstáculos ao desenvolvimento sustentável – “má governança, iniquidade, guerras e alterações climáticas” – farão sofrer principalmente os países em desenvolvimento, onde “existem e existirão refugiados climáticos”, disse na Cimeira sobre o Desenvolvimento Sustentável o presidente Obama. E é preciso não só obter “um acordo efectivo sobre o clima, na Conferência de Paris (COP21), em Dezembro, mas também alcançar a igualdade social, “dando meios aos países que, apesar do progresso, são submetidos a grande pobreza, exclusão e dependência”, pediu o Papa às Nações Unidas.
A Agenda 2030 é única no “apelo por acção” que faz a todos os países”, ricos ou pobres. E reconhece que acabar com a pobreza implica um acordo que impulsione o crescimento económico e dê resposta a inúmeras necessidades e desigualdades sociais, incluindo ao nível da educação, saúde e trabalho, promovendo o desenvolvimento sustentável das pessoas e do planeta.
Ciente da enorme ambição deste ‘plano’, Francisco coloca esperança na nova Agenda das Nações Unidas, (“sem as quais a humanidade estaria muito pior que actualmente”), para logo lembrar que “os compromissos sólidos não são suficientes”. É preciso dar passos concretos para acabarmos com a exclusão social e económica”, porque “a magnitude e os custos de vidas inocentes”, obriga-nos a não aceitar meramente “uma declaração que amenize as consciências”.
“Mais conectividade tirará 160 milhões de pessoas da pobreza”
Num fórum paralelo à Cimeira do Desenvolvimento Sustentável, que reuniu sector privado, sociedade civil e governos na sede da ONU para promover uma aliança a favor dos ODS, foi anunciado o lançamento da plataforma on-line SDG Compass, que permite o acompanhamento dos Objectivos e estimula o estabelecimento de novas parcerias entre o estas três partes, com vista ao seu cumprimento. A ferramenta visa alcançar mais integração, monitorização e responsabilização para as metas definidas, através destas parcerias.
Entre outras personalidades presentes, o CEO da rede social Facebook anunciou o seu compromisso em “colaborar com a universalização da Internet, fundamental para a implementação dos ODS”. Segundo Mark Zuckerberg, “ao conectar mais pessoas em países em desenvolvimento temos a oportunidade de criar mais de 140 milhões de novos empregos, tirar 160 milhões da pobreza e dar a mais de 600 milhões de crianças acesso à ferramentas económicas de aprendizagem”.
Outro encontro, intitulado “Mobilizando a Geração Fome Zero”, reuniu jovens empresários e activistas, líderes globais, políticos e celebridades para discutir como mobilizar os jovens para o ODS2: defender a agricultura sustentável e a segurança alimentar para ajudar a acabar com a fome no planeta. O evento foi organizado por três agências das Nações Unidas (FAO, Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola e Programa Mundial de Alimentos), e pelo Governo da Irlanda.
Jornalista