POR GABRIELA COSTA
Numa das suas mais recentes alocuções a líderes empresariais, o Papa Francisco reflectiu e fez reflectir sobre o valor da inclusão económica e social. As “empresas não devem existir para ganhar dinheiro”, mas “para servir”, disse, alto e bom som, aos mais de 500 participantes da Conferência Internacional “Líderes Empresariais promotores da inclusão económica e social”, que se realizou na cidade do Vaticano, nos passados dias 17 e 18 de Novembro.
Francisco recebeu os participantes da Conferência promovida pela UNIAPAC – União Internacional de Empresários e Gestores Cristãos e pelo Conselho Pontifício para a Justiça e a Paz, a quem afirmou a necessidade de “recuperar o sentido social da actividade financeira e bancária”. O que implica assumir o risco de “complicar a vida”, renunciando a possíveis lucros, avisa à audiência de líderes de todo o mundo, reunida para uma reflexão pouco habitual entre o mundo empresarial e responsáveis da Igreja pela área da economia e justiça social.
Na Sala Nova do Sínodo, o Papa sublinhou que a actividade dos empresários como agentes de inclusão económica e social pode constituir um “exercício da misericórdia” (coincidindo o Encontro com a conclusão do Jubileu Extraordinário da Misericórdia). Mas será necessário que as empresas sejam capazes de enfrentar e de resolver muita coisa.
Por exemplo, a desigualdade na atribuição de crédito, com a criação de linhas acessíveis ao sector privado; o papel do Estado na protecção de bens colectivos; a corrupção, uma chaga que impede o progresso social; a “actividade usurária” a nível internacional “contra os países mais pobres, quando pedem financiamento”; a urgência de garantir o acolhimento aos migrantes; a necessidade de recuperar o sentido de gratuidade na vida social e económica; e a valoração do dinheiro como um instrumento de intermediação e não como um fim em si mesmo. Tudo temas abordados por Francisco na conferência internacional dos empresários católicos no Vaticano, que sucedeu à edição de Julho de 2014, dedicada ao Bem Comum.
“As empresas existem para servir”
Reconhecendo, no seu discurso, que “a actividade empresarial assume constantemente uma diversidade de riscos”, o Papa Francisco identifica três, sobre os quais centra a reflexão que faz: o risco de usar bem o dinheiro, o risco da honestidade e o risco da fraternidade.
O primeiro é “um dos temas mais difíceis da percepção moral: o dinheiro”. Está sempre presente no mundo empresarial e é visto como “o esterco do diabo” pelos Santos Padres, para quem “as riquezas são boas quando se põem ao serviço do próximo, de contrário são iníquas”. “Não tem um valor neutro”, mas “adquire valor segundo a finalidade e as circunstâncias em que se usa”, porque “quando se afirma a neutralidade do dinheiro, está-se a cair em seu poder”, como alerta o pontífice.
E, ao contrário, “o dinheiro deve servir em vez de governar”. “É um princípio chave”, diz Francisco: “o dinheiro é só um instrumento técnico de intermediação, de comparação de valores e direitos, de cumprimento das obrigações e de aforro”. Neste contexto, “as empresas não devem existir para ganhar dinheiro, ainda que o dinheiro sirva para medir o seu funcionamento. As empresas existem para servir”.
[quote_center]Quando se afirma a neutralidade do dinheiro, está-se a cair em seu poder[/quote_center]
Mas na realidade, e como alerta o Papa, “é urgente recuperar o sentido social da actividade financeira e bancária, com a melhor inteligência e criatividade dos empresários”. O que supõe “assumir o risco de complicar a vida, tendo que renunciar a certos ganhos económicos”.
Neste ‘modelo de governação’, o crédito deve ser acessível para as casas das famílias, para as pequenas e médias empresas, para os agricultores, para as actividades educativas, para a saúde em geral, e para o melhoramento e a integração dos núcleos urbanos mais pobres, diz, lamentando a existência de “uma lógica financeira do mercado” que faz com que “o crédito seja mais caro e difícil para quem tem menos recursos, ao ponto de deixar as franjas mais pobres da população nas mãos de usurários sem escrúpulos”.
Também a nível internacional, o financiamento dos países mais pobres converte-se facilmente numa actividade usurária. Na perspectiva de Francisco, este é um dos grandes desafios para o sector empresarial e para os economistas em geral, que devem “conseguir um fluxo estável e suficiente de crédito que não exclua ninguém e que possa ser amortizável em condições justas e acessíveis”.
E é precisamente nesta possibilidade de criar mecanismos empresariais que sejam acessíveis e funcionem em benefício de todos (para o que “também fará falta a intervenção do Estado”) que reside a ideia do risco de usar bem o dinheiro: “há que reconhecer que fará sempre falta uma generosa e abundante gratuidade”, diz.
“Não há progresso social com corrupção”
Há um segundo risco “que deve ser assumido pelos empresários”, afirma o Papa. Trata-se do risco da honestidade, face ao qual a corrupção é a “pior praga social”, a “mentira de procurar o proveito pessoal”, a “destruição do tecido social”, a “lei da selva disfarçada”, o “engano e a exploração”, o “mais crasso egoísmo”. A corrupção “abre as portas a outros males terríveis como a droga, a prostituição e tráfico de pessoas, a escravatura, o comércio de órgãos, o tráfico de armas”, e “é uma fraude à democracia”.
[quote_center]A gratuidade é um elemento imprescindível da vida social e económica[/quote_center]
Recordando que a corrupção existe na política mas também nas empresas, nos meios de comunicação, nas Igrejas e nas organizações sociais, Francisco sublinha que uma das condições necessárias para o progresso social é a sua ausência total. Porque “qualquer tentativa de corrupção, activa ou passiva, é já começar a adorar ao deus dinheiro”.
Mais uma vez, a importância da gratuidade. Enquanto elemento imprescindível da vida social e económica, é ela que está no pensamento do pontífice quando enuncia o terceiro risco mais eminente para a actividade empresarial: o da fraternidade. E já Bento XVI escrevera, em Caritas in veritate, que “o desenvolvimento económico, social e político necessita […] dar espaço ao princípio de gratuidade como expressão de fraternidade”. Neste contexto, a actividade empresarial “tem sempre” que integrar este elemento.
Nas empresas – para o Papa “uma comunidade de trabalho onde todos merecem respeito” -, as relações de justiça devem ser respeitadas, entre dirigentes e trabalhadores e com a comunidade local. De certo modo, todas as relações jurídicas e económicas devem viver-se num ambiente de fraternidade, defende ainda. E os muitos exemplos de acções solidárias a favor dos mais necessitados, realizadas por pessoas ligadas às empresas ou universidades, deveriam ser “um modo habitual de actuar, fruto de profundas convicções por parte de todos, evitando que se converta numa actividade ocasional para acalmar a consciência ou, pior ainda, num meio para obter um crédito publicitário”, conclui.
[quote_center]A corrupção é uma fraude à democracia[/quote_center]
Ainda no âmbito deste terceiro aspecto destacado na sua intervenção aos mais de quinhentos líderes empresariais presentes no Congresso dedicado à economia inclusiva, o Papa Francisco não pode “deixar de partilhar o tema das emigrações e dos refugiados, que oprime os nossos corações”.
As actuais “deslocações de uma multidão de pessoas em busca de protecção converteram-se num dramático problema humano”. Afirmando os esforços extraordinários que a Santa Sé e as Igrejas locais estão a fazer para procurar “a pacificação das regiões e países em guerra” e promover “o espírito de acolhimento”, o Papa pediu a ajuda dos empresários para que, por um lado, “tratem de convencer aos governos para que renunciem a qualquer tipo de actividade bélica”, e por outro, “colaborem na criação de fontes de trabalho dignas, estáveis e abundantes, tanto nos lugares de origem como nos de chegada”.
[quote_center]O financiamento dos países mais pobres converte-se facilmente numa actividade usurária[/quote_center]
Para Francisco, “há que fazer com que a imigração siga sendo um factor importante de desenvolvimento”. Notando que “a maioria” dos participantes presentes pertence a famílias de emigrantes, “de Itália, Espanha, Portugal, Líbano ou outros países da América do Sul e do Norte, quase sempre em condições de pobreza extrema”, mas que “puderam formar uma família, progredir e até converterem-se em empresários porque encontraram sociedades acolhedoras”, o Papa apelou aos líderes para que “transmitam este espírito que tem uma raiz cristã, manifestando também aqui o génio empresarial”.
Recordando o empresário argentino Enrique Shaw, “um dos vossos fundadores, cuja causa de beatificação pude promover quando era Arcebispo de Buenos Aires”, o Papa Francisco concluiu a sua alocução na conferência internacional da UNIAPAC recomendando aos líderes “que sigam o seu exemplo e peçam a sua intercessão para serem bons empresários”.
Jornalista