POR MÁRIA POMBO
Para muitas pessoas, empresas são sinónimo de lucro e de dinheiro, e os recursos humanos são uma espécie de máquinas sem vida própria, que apenas têm o objectivo de cumprir a função para a qual foram contratados, alienando-se de si e do mundo durante o horário de trabalho. Felizmente, para outras tantas pessoas, as empresas também representam a criação de valor (ambiental, social, humano e etc.), ultrapassando em muito a ideia de lucro.
A felicidade e a gestão do bem-estar fazem cada vez mais parte das preocupações de muitos líderes empresariais, os quais começam a olhar para os seus colaboradores como pessoas para além da função que desempenham, procurando ir, de forma crescente, ao encontro da satisfação de muitas das suas necessidades – como a flexibilização de horários ou um acompanhamento mais próximo às equipas que gerem. É que procurar a felicidade dos colaboradores tem um impacto positivo na vida destes, mas também tem consequências muito positivas em termos de retenção de talento, produtividade e diminuição das taxas de absentismo. E enganam-se aqueles que pensam que empresas felizes são aquelas que têm muito lucro.
Foi precisamente em torno do tema “Mais felicidade nas empresas” que se realizou recentemente um debate promovido pelo Observador. Fábio Pina (gestor de felicidade na Aubay Portugal), Miguel Pina e Cunha (professor de estudos organizacionais na Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa), João Pedro Tavares (ex-vice-presidente da Accenture e presidente da ACEGE – Associação Cristã de Empresários e Gestores) e Georg Dutschke (professor, investigador e partner da Happiness Works) foram os convidados, num encontro moderado por José Manuel Fernandes, jornalista e cronista no Observador.
A importância de promover o bem-estar dos colaboradores
De acordo com Fábio Pina, um gestor de felicidade gere “o vínculo emocional dos colaboradores à empresa, com os inputs dados pela direcção e pela informação recolhida”, estabelecendo “uma ponte de entendimento e compreensão com tudo aquilo que acaba por não ser quantificado”. Questionado acerca da importância do dinheiro para a promoção da felicidade, o happinness manager da consultora na área das TIC revela que “o dinheiro ajuda sim, a materializar a felicidade, mas não é tudo”. E, embora seja “mais fácil mostrarmos a felicidade de uma maneira material” (através de iniciativas como a distribuição de bilhetes para o futebol, presentes personalizados e almoços semanais), Fábio Pina reforça que os grandes impulsionadores do bem-estar “devem ser coisas mais de ordem moral, mais humanas”, tendo em conta que muitas vezes não importa tanto o valor (residual) da oferta mas sim “o seu impacto” na vida de quem a recebe. Todavia, Fábio Pina não tem ilusões: para si “o dinheiro pesa”.
Na qualidade de presidente da ACEGE, João Pedro Tavares explica que a sua missão é “inspirar os líderes empresariais a viver o amor e a verdade no seu contexto de trabalho e, com isso, melhorar e transformar a sociedade”. Para isso, é preciso ter em conta que, por um lado, “as pessoas estão no centro das organizações e vão continuar a estar, mesmo com robots e com tecnologia” e, por outro, “as empresas são um meio e não um fim em si mesmo cuja finalidade é criar valor”. Importa realçar que, de acordo com o também ex-vice-presidente da Accenture, “um líder deve exercer a liderança como uma forma de serviço e não como um exercício de poder”. Deste modo, viver em amor e verdade não é “andarmos aos beijinhos e abraços nem uma perda do sentido da gestão”, mas sim “a introdução de uma exigência de gestão muito superior”, pautada pelo “espírito de serviço”, o qual “centrado na dignidade das pessoas, procura criar e distribuir valor de uma forma justa”.
Questionado acerca de “como se consegue manter a felicidade numa empresa nas alturas difíceis”, João Pedro Tavares explica que conhece empresas que “em vez de seguirem critérios de produtividade para o despedimento de pessoas, seguiram critérios de situação familiar e procuraram nunca colocar nenhuma família no desemprego”, tendo em conta que “essa é uma situação de pobreza agravada e já não só de exclusão social”. No caso de o despedimento ser mesmo a única forma de manter a empresa em funcionamento, o presidente da ACEGE reforça que o líder deve “tentar acompanhar a pessoa para lá do conceito de ser um colaborador, porque continua a ser uma pessoa que deu muito à empresa”.
Para alcançar a felicidade, é necessário mais do que dinheiro
Em termos académicos, e voltando à (aparente) importância do dinheiro como condição para a felicidade, Miguel Pina e Cunha considera que “limitar este tema à questão monetária é muito redutor”. De acordo com o professor da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa, “há neste momento um conjunto de ferramentas teóricas e aplicadas cujo objectivo é tentar levar-nos a tirar o melhor partido do que temos nas organizações, como por exemplo se é necessário tomar medidas difíceis e fazer um despedimento, que o façamos de uma forma justa”.
O professor académico reforça ainda que “se é verdade que a situação de dificuldade numa organização pode ser geradora de infelicidade, também é verdade que muitas organizações com bons resultados são muito infelizes ou estão cheias de pessoas infelizes”. E a verdade é que não é difícil encontrarmos, ao longo da vida, pessoas muito endinheiradas “que se perguntam o que é que andaram a fazer durante tanto tempo, porque há coisas que não se conseguem recuperar e que, no limite, isso não tem nada a ver com o dinheiro”.
Portanto, nas suas aulas, Miguel Pina e Cunha começa por ensinar aquilo que considera ser o mais importante e que vem desde o tempo de Aristóteles, que é a ideia de que “a felicidade tem pelo menos dois caminhos: o hedónico, que é aquele que nos permite acreditar que a vida pode ser feita de experiências positivas; e o eudemónico, que é o caminho do propósito, que diz que a minha vida tem um propósito, que o propósito é verdadeiro nos tempos bons e nos tempos maus e se eu passar por alguma dificuldade, apesar de tudo, sei muito bem para onde quero ir”. Dando Nelson Mandela como exemplo, o docente explica que este “foi mais feliz no sentido eudemónico, apesar de ter tido uma vida difícil, do que muitos de nós que passamos a vida a saltitar de momento bom em momento bom até que, a uma certa altura, percebemos que, na verdade, nada de especial nos aconteceu”.
O projecto Happiness Works foi lançado em 2011, com o objectivo de avaliar a evolução da felicidade no tecido empresarial português. Seis anos depois, já foram inquiridos 12 mil profissionais de 200 organizações em Portugal, no Peru, em Espanha e no Brasil. Um dos seus responsáveis é Georg Dutschke, que revela que “o que cria felicidade nas organizações muitas vezes não custa dinheiro, é uma questão cultural”. O também docente e investigador explica ainda que, de acordo com a análise feita aos colaboradores das diversas organizações, “o dinheiro contribui em 12% para se ser feliz numa organização”, sendo que os restantes 88% de felicidade são adquiridos por via de “outros factores, como o ambiente interno, o sentido de confiança e o desenvolvimento pessoal”.
Uma outra conclusão da análise é que o que diferencia os trabalhadores “felizes” dos “infelizes” não é a função que ocupam, mas sim a organização onde trabalham e os seus líderes. Ou seja, a felicidade não se mede tanto pelo facto de os colaboradores desempenharem papéis mais ou menos diferenciados, dentro de uma organização, mas mais pela forma como são incentivados pelas chefias e pela forma como gerem as suas expectativas dentro da empresa.
Amizade e confiança não são a mesma coisa
A relação de amizade entre os colaboradores foi outro tema abordado no debate. Para Miguel Pina e Cunha não existem dúvidas de que “a ideia de que para termos uma boa cultura temos que ser todos amigos uns dos outros é uma ideia profundamente perigosa”, sendo que o respeito e a confiança são, do ponto de vista humano, os ingredientes importantes numa organização. Neste sentido, o professor complementa o seu raciocínio, explicando que “a amizade é um fenómeno tão pessoal e tão doméstico que facilmente se transforma noutra coisa qualquer”, e que “as grandes amizades também dão lugar aos grandes ódios, e quando isso fica dentro da organização pode ser profundamente problemático”, sublinhando que “até teria cautela em recomendar que fossemos todos amigos uns dos outros”.
Aliás, para Miguel Pina e Cunha amizade é bastante diferente de proximidade: “uma organização que é capaz de construir um ambiente de proximidade ou de amor é uma organização onde eu sinto que trabalho numa comunidade humana, onde nos preocupamos uns com os outros e não temos um conjunto de pessoas separadas e que não querem saber umas das outras”, sendo, portanto, uma empresa que “actua de uma forma virtuosa e justa, o que também não tem a ver com amizade nem com relações demasiado próximas”. Ainda sobre este tema, Georg Dutschke explica que, no seu projecto, a variável “ter amigos como colegas” conta apenas como 1% daquilo que os inquiridos consideram ser fundamental para serem felizes numa organização.
Questionado acerca de como o amor pode ser transmitido a quem tem outras crenças diferentes da cristã, João Pedro Tavares considera que “viver o valor cristão é, acima de tudo, um compromisso”. O também consultor explica que “muitas vezes, partilhamos mais as nossas falhas, as nossas dificuldades, os nossos desafios, aquilo que não conseguimos do que propriamente aquilo que conseguimos, que são pequenas vitórias”. Complementarmente, o presidente da ACEGE reforça que “se eu partilho com a minha equipa que o meu propósito é não mentir e é viver em verdade e quero que a minha equipa me ajude a fazê-lo, a minha equipa entende perfeitamente”, reforçando que “isso não tem nada de religioso” nem está relacionado com a ideia de “sermos amigos uns dos outros”, mas sim com o facto de “vivermos numa plena confiança”.
Adicionalmente, Miguel Pina e Cunha reforça que “para criar melhores organizações e pessoas mais felizes é preciso dizer-lhes a verdade, e a verdade às vezes dói”, explicando que “criar organizações mais felizes não é criar organizações mais complacentes, é sim criar organizações mais bem geridas, que respeitam melhor as pessoas e que são mais exigentes”.
Em jeito de conclusão, e referindo que “a ideia de amor e felicidade nas empresas é bonita mas tem que dar resultados”, Georg Dutschke salienta que, de acordo com a análise do projecto Happiness Works, “quem é mais feliz falta menos 24% ao trabalho por motivos de doença, o que se traduz em euros; quem é mais feliz pretende mudar de organização em menos 38% comparativamente a quem é infeliz, e isso traduz-se em euros; e quem é mais feliz sente-se mais produtivo em 18%, e isso traduz-se em euros”. Ou seja, as pessoas mais felizes têm menores taxas de absentismo, ficam mais tempo na empresa e sentem-se mais produtivas, aumentando assim os lucros das organizações onde trabalham.
Jornalista