POR GABRIELA COSTA
No âmbito do Ciclo de Conferências ACEGE 2015/2016, o presidente da Fundação Calouste Gulbenkian foi o orador convidado do mais recente debate promovido pela Associação Cristã de Empresários e Gestores, da qual é associado, realizado a 5 de Abril, em Lisboa, sob a temática “Conciliar a criação de valor económico com a criação de valor social”.
Traçando o seu “trajecto de vida”, Artur Santos Silva começou por considerar-se uma pessoa “de grande sorte”, desde logo a título pessoal, por ter nascido numa família “com fortes valores e causas”, graças à qual pôde desenvolver-se “permanentemente rodeado por um ambiente de afectos”. Defendendo que a família “é o activo mais importante para se enfrentar a vida”, o presidente da Fundação Gulbenkian aludiu ainda ao grande apoio que vem recebendo no seio do seu casamento, para concluir que “a família é o palco central” da existência humana, bem a propósito do actual tema do Ciclo de Conferências da ACEGE, dedicado à temática da conciliação família e trabalho.
Também a nível profissional, a sorte vem batendo à sua porta, fez questão de sublinhar, ao longo da extensa e reputada carreira nos meios académico, empresarial e societário, e que o torna hoje numa personalidade incontornável da sociedade portuguesa.
Há trinta anos, “o código de conduta do BPI era uma bíblia”
Do início de carreira como Assistente de Finanças Públicas e Economia Política na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (área da sua formação académica) ao serviço militar prestado na Marinha, até à sua incursão na Banca, onde contribuiu, ao longo de décadas, para a evolução e transformação de um sector ainda totalmente dominado pelo Estado aquando do seu primeiro cargo numa empresa, aos 26 anos, o Banco Português do Atlântico – à data, a maior instituição bancária nacional, e “uma grande escola de gestão e aristocracia” -, passando por uma “curta experiência” a nível governamental (o VI Governo Provisório, onde foi secretário de Estado do Tesouro, entre 1975-1976), todas as experiências foram, para Santos Silva, “muito valorizadas e enriquecedoras”.
Aos 36 anos é nomeado vice-governador do Banco de Portugal, integrando a equipa de Vítor Constâncio e José Silva Lopes, e tendo a oportunidade de acompanhar a visão estratégica de “alguns dos mais brilhantes economistas internacionais” (dois dos quais vieram a merecer, mais tarde, o Prémio Nobel da Economia), numa altura em que havia em Portugal “um enorme desequilíbrio na balança corrente”, recorda.
O seu percurso empresarial na banca fica inevitavelmente marcado pela sua iniciativa na fundação e liderança do BPI – Banco Português de Investimento, onde foi presidente da Comissão Executiva, e permanece, ainda, como presidente do Conselho de Administração. Corria o ano de 1981 e a então Sociedade Portuguesa de Investimentos era a primeira sociedade bancária privada, num contexto em que “não era mais possível continuar a viver com um sistema bancário totalmente nas mãos do Estado”, e “desligado do mercado comum”, para o qual o país caminhava.
[quote_center]A família “é o activo mais importante para se enfrentar a vida”[/quote_center]
Três anos mais tarde, e com o apoio de grandes accionistas internacionais, a SPI transforma-se num banco, agora capaz de captar depósitos, conceder créditos e intervir em mercados e operações cambiais. Mas também, e desde logo, capaz de definir “um código de conduta” reflectindo preocupações sobre “como tratar os recursos humanos, como evitar conflitos de interesses e como tratar a sociedade”, em geral.
Visionário, na ocasião, este código era, nas palavras de Artur Santos Silva, “uma bíblia”, cujas normas “de ética e conduta social” perduram até hoje no BPI, conclui. E neste exemplo se demonstra como, há já três décadas atrás, era possível replicar a criação de valor económico na criação de valor social.
Como sublinha, “sempre considerámos que a responsabilidade social era algo que tínhamos de assumir e na qual tínhamos de participar, definindo programas sustentáveis, com horizontes a 3-5 anos”. Exemplos disso mesmo é o financiamento a equipamentos hospitalares, em parceria com a própria Gulbenkian, e o apoio à cultura e ao ensino superior que o banco presta, diz. Ou, “desde que a crise estalou”, a ajuda dada na capacitação de populações vulneráveis, através das iniciativas Prémio BPI Capacitar, Prémio BPI Seniores e, já este ano, o BPI Solidário.
Outro exemplo ainda é a afectação de 5% do lucro daquele que é o “banco número um em depósitos”, em Angola, à responsabilidade social, em áreas como “a saúde, a educação, a cultura e a solidariedade social” – as quais são também apoiadas pelo BPI em Moçambique.
“A Gulbenkian é uma organização perpétua”
A par do seu trabalho na gestão, na banca mas também em empresas como a Partex Oil & Gas Holdings Corporation, propriedade da Fundação Calouste Gulbenkian, Artur Santos Silva é um homem que preserva também (e talvez graças à sua formação, que para além do curso de Direito inclui o Programa de Gestão para Executivos da Universidade de Stanford, e à sua experiência na docência em universidades como a de Coimbra e a Católica), um homem que preserva a cultura, a ciência e a inovação.
Presidente da Fundação Calouste Gulbenkian para o mandato 2012-2017, orgulha-se de liderar “a mais importante instituição de ciência na área da biomedicina do país, que reúne cerca de 400 investigadores. E de estar aos comandos de uma organização que “concede subsídios e bolsas (de estudo e investigação), “maioritariamente nas antigas colónias”.
[quote_center]”A responsabilidade social é algo que temos de assumir definindo programas sustentáveis”[/quote_center]
A qual, para além das suas actividades directas, “apoia ainda muitas outras instituições através de inúmeros programas”, com o objectivo de produzir impacto social: “o que mais fazemos é para quem tem menos posses”, recorda, adiantando que para chegar mais perto destes targets, a Gulbenkian quer rever a sua política de preços ou apostar nos conteúdos digitais, por exemplo. O impacto social da fundação quer-se cada vez mais efectivo (“esse é o grande desafio”), procurando colmatar os problemas da actualidade, razão pela qual esta dedica em 2016 especial atenção à temática “das migrações e, sobretudo, dos refugiados”.
Contudo, a sua vasta actuação tem permitido debater problemáticas tão díspares, através da elaboração de complexos estudos ou do desenvolvimento de programas e projectos (alguns envolvendo voluntariado, acrescente-se), como a sustentabilidade da segurança social, os modelos futuros de ensino (estudos “em curso”); a tão necessária ligação das universidades às empresas (reflectida em trabalhos como os projectos “Noroeste Global” e “Uma Metrópole para o Atlântico”); ou, em parceria com instituições europeias, a difícil manutenção do Estado Social na Europa. Só para citar muito pouco do tanto que uma fundação como a Gulbenkian analisa, discute, impulsiona, pois impossível seria designar todos os temas sobre os quais se debruça.
Sejam eles quais forem, Artur Santos Silva adianta que “temos um papel a alargar no domínio dos think tanks”, apresentando “ao país e aos políticos desafios sobre os quais pensar. Afinal, e por muito alargada que seja já a intervenção desta acarinhada instituição nacional, como era desígnio do seu fundador “a Calouste Gulbenkian é uma organização perpétua”. Cuja “gestão muito exigente” (e para a qual “os activos em petróleo e gás” da fundação estão, de momento, “a dar uma contribuição muito mais limitada”, por exemplo) encontra hoje respostas para a captação de recursos financeiros através, fundamentalmente, de capacidade de adaptação e uma atitude mais colaborativa, “quer internamente, quer com a sociedade, remata o seu presidente.
Em duas notas finais que são também reflexões para todos e para cada um, Santos Silva deixa os pensamentos de Gandhi e do Papa Francisco, respectivamente sobre o exercício de cidadania e sobre a própria existência.
Do primeiro, uma citação: “a verdadeira fonte dos direitos é o dever. Se todos cumprirmos os nossos deveres, está assegurado o respeito pelos nossos direitos”. Do segundo, um desabafo pessoal que tantas vezes encontra eco no colectivo: “este Papa encanta-me e o mais importante na minha lição de vida é o que Francisco me tem ensinado sobre darmos aos outros, fazermos os outros felizes”. Um valor que, transportado para o mundo de trabalho, deve ser tido como uma “obsessão” sobre a ideia de que “o mais importante nas empresas são as pessoas” e a responsabilidade do líder “é fazer tudo para que cada uma delas seja feliz”. O que mais não é que um exercício de cidadania.
Jornalista