Prefere chamar-lhe “desenvolvimento em Ética” do que “formação” e está convicta que este é um instrumento vital para integrar a Ética na cultura organizacional. Em entrevista, a Provedora de Ética da EDP partilha os vários formatos e impactos positivos desta aposta para os colaboradores e, consequentemente para a empresa, acreditando igualmente que o “estímulo ao estudo e à reflexão sobre os comportamentos adequados” ajuda a uma melhor tomada de decisão. Para Manuela Silva, é igualmente crucial que exista uma utilização harmoniosa de vários recursos para que, em conjunto, o clima ético se torne dominante em um dos gigantes do sector energético
POR HELENA OLIVEIRA

Não foi preciso o tema virar moda para que a EDP pensasse nele e o pusesse em prática. Em 2005, a empresa apresentava o seu primeiro Código de Ética, que ainda hoje perdura apesar de sofrer as actualizações necessárias tendo em conta as várias tendências que vão surgindo nesta matéria. Posicionando-se, há vários anos, nos lugares cimeiros de rankings internacionais que avaliam a ética das empresas, de que são exemplo o Dow Jones Sustainability Index pela S&P, o Ethics Quotient pelo Ethisphere Institute, o Sustainalytics e o FTSE4Good, e tendo em conta que é uma das organizações que está a liderar a transição energética, a EDP sempre apostou na formação/desenvolvimento dos seus colaboradores no que a esta temática diz respeito.

A sua Provedora de Ética, Manuela Silva, conversou com o VER e explicita as formas e os formatos que este “desenvolvimento” inclui, guiando-nos ao mesmo tempo no caminho complexo que a empresa tem vindo a trilhar para ser considerada uma das organizações mais éticas do mundo.

De uma forma geral, qual a importância da formação em ética nas organizações?

Na EDP preferimos usar a expressão “desenvolvimento em Ética” ao invés de “formação em Ética”…E isto sobretudo porque a função “desenvolvimento em Ética” atua positivamente na modulação do carácter dos colaboradores – aqui numa lógica “top down” (há, claro, uma responsabilidade individual no desenvolvimento em Ética de cada um de nós, portanto num movimento “bottom up”) –, ajuda ao seu alinhamento com os princípios éticos da empresa, e evidencia, sobretudo pelo(s) exemplo(s), o que são comportamentos adequados e desadequados. A Ética não se “ensina”; o que é possível fazer é ajudar, pela reflexão e pelo exemplo, a desenvolver em cada colaborador a consciência de “fazer bem” aquilo que tem que que se fazer (“do the right thing”).

Podemos dizer que há efeitos do “desenvolvimento em Ética” nas organizações com uma natureza “intangível”: construção de equipas fortes do ponto de vista da sua integridade e sentido de “fazer as coisas certas” que defendem a empresa, maior envolvimento e confiança dos colaboradores, alinhamento com os valores fundamentais, entre outros. E há também efeitos de natureza “tangível”, muitas vezes menosprezados, mas que são igualmente muito importantes e impactam directamente os resultados e o valor económico das organizações: mitigação de riscos, diminuição da litigância, criação de defesas legais fundamentais, proteção da reputação, etc.. Com estes múltiplos efeitos “tangíveis” e “intangíveis” creio que se pode compreender bem a importância do “desenvolvimento em Ética” nas organizações.

Quais os principais impactos da formação em ética no que respeita à cultura organizacional?

No modelo que usamos na EDP para “gerir” a Ética, o “desenvolvimento em Ética” é crucial para a construção e consolidação da cultura organizacional. E isto é assim porque o “desenvolvimento em Ética” influencia positivamente aqueles que são os três pilares fundamentais da cultura ética, a saber: a incorporação da Ética nos valores da organização; as políticas, processos e procedimentos em Ética; a liderança ética. Em cada um destes pilares, é através de um maior ou menor grau de intensidade do “desenvolvimento em Ética” dos colaboradores que se obtêm melhores resultados e a cultura ética é mais forte. Com um grau de intensidade mais forte no estímulo ao estudo e à reflexão sobre os comportamentos adequados, teremos colaboradores mais preparados para a tomada de decisões que o seu dia a dia suscita. E os padrões de cultura resultarão progressivamente mais elevados.

Considera que a formação é o caminho certo a percorrer para a ética se tornar parte integrante da cultura da empresa?

O “desenvolvimento em Ética” é um dos principais instrumentos a que as empresas podem recorrer para incorporar a Ética na cultura organizacional. Mas, como eu referia antes, a “gestão” da Ética numa empresa pressupõe a utilização harmoniosa de vários recursos para que, em conjunto, o clima ético se torne dominante no clima organizacional.

A seu ver, a formação em ética melhora realmente a reputação organizacional?

Na medida em que uma organização actue no seu negócio e na relação com todos os seus stakeholders espelhando os comportamentos adequados que consignou no seu Código de Ética, poderemos acreditar que a reputação da organização está defendida; e isso é feito pelas pessoas, por cada colaborador ao seu nível. Se todos os colaboradores puderem ter beneficiado do “desenvolvimento em Ética” na medida certa, são eles que asseguram esses comportamentos e, por essa via, a defesa da reputação da empresa.

A EDP há muito que aposta fortemente na formação nesta área. Que métodos práticos elege para integrar a formação em ética na rotina organizacional?

É verdade que este terá sido o instrumento de “gestão” da Ética que a EDP mais utilizou e desde muito cedo – o 1.º plano de formação em Ética na EDP deverá ter sido levado à prática há mais de 10 anos. No início, numa fase em que a configuração da empresa era bem diferente da de hoje, terão sido realizadas sessões presenciais com todos os colaboradores sobre o 1.º Código de Ética, escrito em 2005; mais tarde, a EDP desenhou uma 1.ª formação em Ética em formato elearning, recorrendo à utilização de pequenos casos exemplificadores de boas e de más práticas éticas. Era, nesta altura, um método inovador.

A partir de 2019, mas alavancando naturalmente em toda a experiência anterior, pode dizer-se que foi possível evoluir para um estádio de “maturidade” do “desenvolvimento em Ética”, em que o planeamento se tornou fundamental: em cada ano são definidos os objectivos a atingir nesta área e são calendarizadas as diversas intervenções a realizar. Os conteúdos são baseados no Código de Ética da empresa, mas vão sendo actualizados em cada ano tendo em conta as tendências em matéria de Ética e, muito particularmente, com base nos resultados do processo de gestão de denúncias da empresa, procurando, neste caso, ir ao encontro dos temas que se revelaram mais sensíveis e que carecem de maior reflexão e ajustamento comportamental.

O Plano anual define o tipo de acções a realizar – transversais, para todos os colaboradores, ou especificas, destinadas a sectores diferenciados da população – os respectivos destinatários e, claro, os métodos a utilizar em cada caso. Além da já referida preocupação com o conteúdo das sessões, são também tidas em conta as preferências dos colaboradores sobretudo no que respeita aos métodos de aprendizagem, por forma a obter a maior adesão possível às sessões planeadas.

Nos últimos dois anos temos recorrido, sobretudo no “desenvolvimento em Ética” para managers, à análise e discussão de casos de estudo, o que, tratando-se de sessões presenciais, proporciona um muito interessante debate que é essencial ao bom entendimento sobre o que é, afinal, a Ética, na nossa intervenção diária na empresa.

E para as sessões destinadas aos colaboradores em geral, temos privilegiado soluções mais “leves”, baseadas em “cartoons” exemplificativos de situações concretas e em vídeos curtos alusivos aos vários temas do Código de Ética. E mantemos, ainda que simplificando bastante, sessões de elearning e/ ou infografias que se justifiquem para abordar temas que exigem maior partilha de informação.

Um plano de comunicação desafiador tem sido também um bom complemento no “desenvolvimento em Ética”: falamos, por exemplo, da realização de Ethics Talks sobre temas relevantes e mais disruptivos (Riscos éticos na tecnologia, numa das sessões) e da celebração do Dia Mundial da Ética que fazemos já há alguns anos e com a qual procuramos ligar todas as nossas geografias, num determinado momento, em torno da reflexão sobre temas-chave da cultura ética (este ano falamos da importância de uma politica de Speak up forte para a construção de uma empresa transparente e confiável, tendo convidado uma oradora internacional de referência)

Em suma: planeamento, satisfação das preferências dos participantes, métodos adequados às populações e aos tempos que vivemos; temas actuais e desafiadores através de vários formatos, mas sempre tendo como base o Código de Ética da Empresa, serão, talvez, os nossos “factores críticos de sucesso” nesta área.

Alguns números mais recentes de que nos orgulhamos são:

  • Taxa de execução global da formação – 78% em elearning, 75% em acções presenciais
  • Avaliação média global (1 a 5) – 4
  • % de colaboradores que consideram positivo na sua actuação o impacto da formação que tiveram (Survey 23) – 85%

Enquanto Provedora de Ética, quais são os seus principais contributos e responsabilidades nesta área?

O meu contributo principal nesta área terá sido, de certo modo, a sua profissionalização, se assim lhe podemos chamar: a forma como estamos a trabalhar desde 2019 nesta área reflecte o investimento que fizemos na construção de um Modelo Global de Formação em Ética, que temos agora vindo a aperfeiçoar em cada ano. O Modelo é um guia fundamental, seguimo-lo com disciplina, e mantemo-nos atentos aos sinais dos colaboradores, “nossos clientes” para as actualizações necessárias.

E as minhas responsabilidades são, para além de assegurar a proposta anual do Plano de Desenvolvimento em Ética e o seguimento da sua implementação, estar atenta às evoluções nesta área, trazendo para o nosso seio as inovações que possam tornar este instrumento ainda mais poderoso no apoio aos colaboradores para fazerem “as coisas certas”. E, também, escutar atentamente os comentários e sugestões dos participantes nas diversas ações, procurando ir ao encontro das preferências deles e adaptando conteúdos e métodos sempre que faça sentido fazê-lo.

Quais os desafios/obstáculos que podem surgir durante a implementação de programas de ética e, em particular, o que pode a EDP sublinhar a este respeito tendo em conta a sua experiência e o seu historial de sucesso nesta matéria?

Creio que se refere aos Planos de formação/ desenvolvimento em Ética, certo?

Há de facto alguns desafios de implementação, de que destacaria:

  • A necessidade de criar condições para mobilizar os colaboradores para a importância do tema, fazendo com que a Ética entre regularmente nas suas agendas e se habituem a ter um tempo para “pensar Ética” – é preciso agir, e sabemos que com urgência face ao contexto que vivemos, mas também é preciso ter tempo para pensar, para “afinar” os nossos comportamentos de acordo com os princípios éticos da empresa. E claro que para essa mobilização contam muito os aspectos que já referi: disponibilização de conteúdos com qualidade, métodos que enderecem as actuais dificuldades de concentração fora do foco nas actividades diárias, etc. No fundo, é indispensável criar condições de prazer na reflexão e na aprendizagem:
  • A capacidade para fazer face a uma oferta externa de desenvolvimento em Ética que não é abundante, o que implica um esforço grande de construção interna – de elearning, micro-elearning, vídeos, etc.
  • No caso da EDP, a dispersão geográfica da sua actuação, logo cultural, implica um cuidado acrescido no desenvolvimento dos conteúdos que “cheguem” a todos.
  • E, “last but not least”, é preciso ter um orçamento para fazer face aos custos de implementação do Plano.

Quais são alguns benefícios tangíveis que a EDP tem vindo a colher ao investir em formação em ética?

Acreditamos que esse investimento tem contribuído, entre outros factores, para a construção de uma cultura ética que tem permitido à EDP desenvolver os seus negócios de um modo sério e consistente, alargando progressivamente a sua operação no mundo, e prosseguindo na sua senda de ser uma empresa líder na transição energética em que há muitos anos está empenhada. Sem dúvida que, com melhores pessoas, de carácter moral mais forte, as empresas podem ir mais longe! E esse carácter pode ser, e tem sido, fortificado com o desenvolvimento em Ética dos colaboradores que é prosseguido há também muitos anos.

E, ainda que os reconhecimentos externos tenham um valor relativo – poderiam resultar apenas de uma “cortina” de boas práticas e não de convicções fortes numa atuação ética estrutural, mas como sabemos, esse não é o caso da EDP – a empresa tem vindo a ser reconhecida ao longo de anos em diversos índices internacionais – Dow Jones Sustainability Index pela S&P, Ethics Quotient pelo Ethisphere Institute, Sustainalytics, FTSE4Good, etc. – como uma das empresas mundiais cujas politicas e práticas em matéria de Ética são distintivas e progressistas, facto que certamente tem contribuído para o reforço da sua reputação, o que não deixa de ser, como já antes referido, um relevante benefício tangível.

Que áreas da empresa podem ser “tocadas” e melhoradas graças a esta formação e que principais casos de sucesso poderá elencar a partir da experiência da EDP?

Em boa verdade, para que possamos falar de uma cultura ética forte, toda a empresa deve ser “tocada”- é uma boa expressão! – pela Ética, isto é, pelos esforços para o desenvolvimento moral dos colaboradores. Porque não há competência profissional sem qualidade moral!

No entanto, nós temos dado uma importância particular ao desenvolvimento em Ética dos managers tendo em conta a sua especial responsabilidade na construção da cultura organizacional e no compromisso das suas equipas, e desenvolvemos para eles um programa que inclui uma aula sobre os fundamentos da Ética (vamos até Aristóteles!) e a discussão de casos que permitem a reflexão sobre alguns dos temas de natureza ética que são hoje mais relevantes na nossa realidade. Após o debriefing dos casos, procuramos fazer com os participantes uma leitura do que diz o nosso Código de Ética sobre tais temas. Este programa, implementado entre 2022 e 2023 – e que abrangeu cerca de 500 managers e se estendeu a várias partes do mundo – teve uma excelente aceitação por parte dos participantes e, acreditamos, terá constituído um importante momento de reflexão sobre as suas tomadas de decisão.

Ainda um exemplo do que fazemos e que é muito interessante, além de fundamental para a consistência da cultura ética da nossa empresa: tendo em conta que somos uma “empresa alargada”, que toca um universo grande de pessoas que falam e agem em nome da EDP – refiro-me aos parceiros de negócio aos vários níveis de intervenção, mais operacional ou menos – nós proporcionamos regularmente “desenvolvimento em Ética” a essas pessoas, escolhendo métodos facilmente aplicáveis a grandes públicos, como é o caso, por exemplo, e em anos mais recentes, dos smart learning maps. Através deste instrumento, visitamos os temas mais relevantes do Código de Ética, procurando alinhar todos os parceiros com a política de ética empresarial da EDP.

Tendo em conta os inúmeros casos de corrupção, fraude, favorecimento, entre outros, que continuam a assombrar o comportamento de empresas nacionais e internacionais, até que ponto pode a formação em ética minimizar este contínuo mau comportamento empresarial? Acredita que quem corrompe ou quem é corrompido mudará de ideias por ter formação em ética ou é simplesmente uma questão de ganância, poder e, sobretudo, de falta de carácter?

São perguntas de difíceis respostas…Não há certezas e os resultados do “desenvolvimento em Ética” não serão sempre excelentes, dependem seguramente do contexto das organizações. Mas parece relativamente consensual que as empresas que investem de um modo sério e sistemático no reforço da “fortaleza ética” – sendo esta a qualidade  que permite a cada pessoa manter as suas convicções morais e os seus valores éticos – constroem empresas mais fortes. E, com empresas mais fortes, podemos acreditar que a sociedade em sua volta também melhora…Lembro-me sempre de um pensamento do Professor Raul Dinis, Presidente Emérito da AESE Business School a este propósito: “Da ética das empresas depende, em grande parte, a ética da sociedade.” E também de uma outra ideia que lhe é particularmente querida e que nos ajuda a ter esperança na bondade deste caminho: diz-nos o Professor que “a ética não é flor de um dia; exige luta constante, treino permanente.” Portanto, se insistirmos no caminho, chegaremos onde é preciso chegar.

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