Apesar de ser ainda prematuro lançar foguetes, o crescimento económico global parece estar, finalmente, a entrar nos eixos. Espera-se que os Estados Unidos reforcem a sua retoma económica, que a China implemente as reformas ousadas que divulgou no seu Terceiro Plenário e que África mantenha os seus saudáveis níveis de crescimento. Notícias menos boas são esperadas para a Europa, cujo crescimento é ainda manifestamente lento e também para a América Latina, que se confronta com alguns novos desafios de peso
POR HELENA OLIVEIRA

Apesar dos fenómenos extremos que, um pouco por todo o planeta, nos fazem temer a força da natureza, as perspectivas para a economia global em 2014 são similares a um conjunto de nuvens ainda escuras, mas com boas abertas. Assim sugere o habitual relatório das Nações Unidas publicado no final do mês de Dezembro de 2013 – que prevê um crescimento global na ordem dos 3,0 % em 2014 e de 3,3% para 2015, comparativamente ao crescimento estimado de 2,1% para o ano que terminou.

De acordo com o relatório World Economic Situation and Prospects 2014 (WESP), e apesar de a economia global ter registado, pelo segundo ano consecutivo, um crescimento significativamente tímido, as melhorias que animaram o último trimestre do ano contribuíram para o tom mais positivo que se pode retirar deste relatório das Nações Unidas. A zona euro parece, finalmente, ter colocado um ponto final na sua prolongada recessão. Os Estados Unidos registaram um crescimento sólido. E algumas das maiores economias emergentes, incluindo a China e a Índia, conseguiram estancar a desaceleração da qual têm vindo a sofrer nos últimos dois anos. Estas evidências apontam, assim, para o aumento do crescimento global, sendo que cautela continua a ser palavra de ordem.

Ainda de acordo com o WESP, a inflação permanecerá “dominada”, e será a (má) situação do emprego que continuará no topo das preocupações e, espera-se, das prioridades. Adicionalmente, outras variáveis impedem um sentimento de euforia, com demasiadas incertezas e riscos a contribuírem para potenciais deslizes no arco político, em conjunto com outros factores não económicos que poderão impedir o ritmo esperado de crescimento.

Por seu turno, as perspectivas divulgadas pelo Fundo Monetário Internacional são, em termos de crescimento previsto para a economia global, mais optimistas (com números ligeiramente diferentes dos apresentados pelas Nações Unidas). Para o FMI, a economia global irá acelerar a um ritmo de 3,6% em 2014 face a 2.9% em 2013.

Para interpretar estas tendências, que obviamente terão particularidades diferentes em cada uma das regiões do mundo, a revista The Atlantic pediu o contributo de alguns economistas de renome mundial, os quais pertencem ao seu organismo parceiro, o Council on Foreign Relations. O VER partilha com os seus leitores as principais convicções veiculadas por estes especialistas.

O novo padrão pós crise: economias em desenvolvimento com crescimento relativo, consolidação do crescimento real económico nos Estados Unidos e a Europa a crescer ainda muito lentamente

Andrew Michael Spence, Nobel das Ciências Económicas em 2001, professor na Universidade de Stanford e membro do Council on Foreign Relations

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“A economia norte-americana está a crescer, em termos reais, entre 1,5 a 2 por cento, estimulada por um sector privado flexível, o qual está a mudar o seu curso para a procura externa no sector transaccionável. Com a ajuda dos ventos de crescimento que sopram das economias emergentes, em especial da China, dos custos energéticos mais baixos provenientes do gás de xisto e de uma desalavancagem persistente no mercado imobiliário e no sector financeiro, o governo americano mantém, contudo, a sua política fiscal, sendo que se deverá manter o desinvestimento tanto no sector público como no privado, o que irá diminuir o seu potencial económico de crescimento a longo prazo.

Na Europa, o Banco Central Europeu (BCE) estabilizou os mercados da dívida pública, sendo que o risco sistémico foi substancialmente reduzido. Todavia, o crescimento não será fácil e muito menos imediato. A maioria dos países do sul da Europa possui custos laborais unitários bem acima dos níveis pós-reforma  da Alemanha e a o processo de reconvergência para taxas de câmbio comuns é lento e difícil. As reformas para aumentar a flexibilidade estrutural e para acelerar uma mudança igualmente estrutural para os sectores de bens transaccionáveis foram limitadas. Assim, o resultado líquido deste reequilíbrio estrutural na Europa levará o seu tempo, sendo que o crescimento projectado será baixo em 2014 e nos anos seguintes.

Por seu turno, a China anunciou um programa de reformas credível e agressivo, o qual emergiu do Terceiro Plenário realizado depois da mudança na administração chinesa, em que foi nomeado Xi Jinping como secretário-geral do PC chinês. Se o mesmo for seguido por um igualmente agressivo programa de implementação para 2014 e anos seguintes, o padrão de crescimento começará a sofrer alterações, privilegiando um cenário mais sustentável caracterizado por níveis de rendimento mais elevados na economia. A retoma nos países desenvolvidos contribuirá, igualmente, para restaurar algum do potencial crescimento proveniente do sector dos bens transaccionáveis, mas não em 2014.

Outras economias emergentes, especialmente aquelas com défices nas balanças de transacções correntes e com um padrão de confiança no capital estrangeiro barato, sofreram alguma instabilidade ao longo de 2013. Todavia, e apesar das acções correctivas poderem contribuir para um abrandamento em 2014, estima-se o seu regresso a um crescimento elevado no longo prazo, com a China a servir de motor de arranque.

Os países africanos, cujo crescimento ao longo da última década tem sido verdadeiramente impressionante, deverão continuar a sua marcha de progresso económico ao longo de 2014, não se prevendo para os mesmos uma excessiva dependência dos preços dos recursos naturais ou dos mercados. Estes denominados “mercados de fronteira”, apesar de não serem colossais em termos de dimensão agregada, estão a emergir como verdadeiras estrelas da resiliência”.

Apesar de alguns sinais promissores, a Europa não se encontra ainda fora da zona de risco e a probabilidade do regresso de uma nova (velha) crise é mais comum do que se pensa

Robert Kahn, membro do Council on Foreign Relations e especialista em política macroeconómica, finanças e resolução de crises

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“Os decisores políticos europeus estão optimistas. O sentimento urgente da crise recuou, sinais tímidos de crescimento apareceram e o capital está, gradualmente,a regressar ao continente. Mas a Europa não está ainda fora da zona de perigo e o risco de que a crise possa regressar é maior do que se julga.

A zona euro está a caminho de um crescimento que pode chegar a um por cento, depois de dois anos de declínio. A contínua desalavancagem bancária, a perspectiva incerta no que respeita ao crescimento global que poderá retrair as exportações, em conjunto com as políticas macroeconómicas excessivamente apertadas e com uma estratégia incompleta no que respeita à união monetária constituem obstáculos poderosos para uma verdadeira retoma. É necessária uma procura mais forte para estimular o crescimento e o relaxamento da austeridade fiscal seria uma medida muito bem-vinda para este item em particular. Por outro lado, o BCE terá de fazer um trabalho melhor no que respeita a estimular o investimento, em particular para as pequenas e médias empresas dos países periféricos.

O problema com esta previsão reside no facto de que um crescimento a este nível não será suficiente para reduzir os elevados níveis de desemprego, que atingiram os 26% em Espanha e os 12% para a zona euro como um todo. O desemprego jovem, cuja média se encontra perto dos 24% na zona euro e excede os 35% em vários países, representa a ameaça mais crítica para o futuro da Europa.

A união bancária constituirá o enfoque por excelência em termos de esforços políticos para o progresso da união monetária em 2014. Os testes de stress conduzidos pelo BCE, essenciais para o restaurar da confiança nos bancos europeus, terão ainda que percorrer um estreito caminho em frente: se forem demasiado “soft”, a credibilidade do BCE poderá sofrer danos irreparáveis; se forem demasiado duros, poderão obscurecer rapidamente os sinais de retoma que têm vindo a surgir. As pressões dos mercados poderão regressar rapidamente caso os países passem a mensagem de que estão a abandonar ou a afrouxar os seus compromissos de reformas, abrindo caminho para a reemergência de mais gaps financeiros.

Mas talvez o mais sério desafio que a Europa terá de enfrentar em 2014 seja de ordem política. As sondagens demonstram que a austeridade está a abalar profundamente a boa vontade dos europeus para aceitar uma união mais aprofundada e que é necessária para socorrer os males económicos do Velho Continente. As eleições parlamentares, que terão lugar em Maio, serão muito possivelmente marcadas por um voto agressivo anti-austeridade. Os governos dos países periféricos, como Grécia e Portugal, podem também ter problemas graves no que respeita à manutenção do apoio para os seus programas de ajustamento.

Assim, o desafio é restaurar o crescimento antes que os mercados voltem a perder a confiança nos processos de reforma em curso. Os líderes europeus precisam de voltar a ganhar a confiança dos seus cidadãos e moverem-se mais rapidamente no que respeita à união política e económica. Se esta estratégia fracassar, 2014 poderá ser o ano do regresso da crise.

Apesar de uma década de crescimento excepcional, os países da América Latina acusaram um declínio a partir de meados de 2011 e as expectativas para 2014 apontam para que os recursos financeiros internacionais sejam mais escassos e os recursos de capitais mais dispendiosos para estas economias

Ernesto Talvi, membro da Brookings Institution, director do CERES (Center for the Study of Economic and Social Affairs) no Uruguai e professor visitante da Universidade de Columbia em Nova Iorque

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“A América Latina, e em particular o Brasil e a Argentina, países menos dependentes do ciclo económico norte-americano, tiveram quase uma década de crescimento excepcional, duplicando a média de longo prazo da região. Este período de exuberância foi sustentado por políticas macroeconómicas sólidas, mas largamente estimuladas por fluxos abundantes de capital estrangeiro e por preços elevados das mercadorias. O crescimento elevado e as políticas de redistribuição activa resultaram num declínio de 13 pontos percentuais nas taxas de pobreza da América Latina, de cinco pontos percentuais nas taxas de pobreza extrema e na emergência de uma classe média ainda incipiente.

Todavia, e desde meados de 2011, as taxas de crescimento da região esfriaram consideravelmente na medida em que o crescimento em importantes economias emergentes perdeu vapor (em particular, a taxa de crescimento da China, que teve uma queda acentuada, de uns extraordinários 12% para 7%) e os preços das mercadorias foram também enfraquecidos. Mais recentemente, as condições financeiras internacionais acusaram também uma contracção – causando alguns arrepios nos mercados emergentes – desde que a Reserva Federal norte-americana anunciou uma retirada gradual dos estímulos monetários. Como resultado, espera-se que os recursos financeiros internacionais sejam mais escassos e os recursos de capitais mais dispendiosos para estas economias.

Assim, os decisores políticos nos países melhor geridos da região irão enfrentar, neste ano de 2014, alguns desafios económicos substanciais, que derivam de um ambiente externo adverso e de constrangimentos financeiros mais apertados. Estes desafios, especialmente o reacendimento do crescimento através das transformações domésticas, são politicamente complexos e levam tempo a produzir efeito (por exemplo, a reforma da educação no México). Preservar a estabilidade macroeconómica e a probidade fiscal numa altura em que o eleitorado está significativamente insatisfeito (com elevadas expectativas devido à tal década de crescimento acelerado) irá pressionar os governos a acomodarem as exigências populares imediatas à custa de políticas mais duras. E a forma como estas tensões serão resolvidas será crucial na determinação das perspectivas económicas da região para os próximos anos. Todavia, e seja para melhor ou para pior, a maior certeza actual reside no facto de que iremos testemunhar a emergência de uma América Latina substancialmente diferente ao longo da próxima década.

Enquanto a agenda política dos líderes seniores (da China) está repleta de questões macroeconómicas, o cidadão médio está mais preocupado com questões de justiça social, de corrupção e ambientais

Yukon Huang, associado sénior do Carnegie Endowment for International Peace e responsável pelo Programa Carnegie para a Ásia, tem como área principal de pesquisa o desenvolvimento económico da China e o seu impacto na Ásia e na economia global

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“O Terceiro Plenário realizado pelo Comité Central do Partido Comunista Chinês em Novembro último apresentou planos políticos ousados no sentido de a China atingir um crescimento económico mais sustentável. Estas alterações políticas são essenciais à medida que a China se aproxima dos níveis de rendimento que, em outros países de crescimento rápido, deram origem a abrandamentos económicos conhecidos como a “armadilha dos rendimentos médios”. Se a China pretender realmente evitar esta armadilha e manter o crescimento de sete por cento até ao fim desta década, terá de se preocupar com o aumento da sua dívida e estimular, de forma significativa, a sua produtividade.

O pacote de estímulo no valor de 600 mil milhões de dólares em 2008 impulsionou o nível da dívida chinesa em 50 pontos percentuais para mais de 200% do PIB. Todavia, e dada a sua elevada taxa de poupança, em conjunto com um nível extraordinário de reservas, este encargo pode ser gerível desde que o seu ritmo de crescimento se mantenha. Assim, uma das maiores preocupações partilhadas no Terceiro Plenário foi a de dar prioridade ao fortalecimento do seu sistema fiscal para que as autoridades locais não tenham de depender dos créditos bancários para financiarem as suas necessidades básicas de despesas.

Todavia, o desafio maior para a gigantesca China será o de aumentar a produtividade, na medida em que a sua confiança passada nas taxas de investimento de crescimento contínuo e no acesso imediato à mão-de-obra barata já não é sustentável. As duas áreas mais promissoras para a reforma de aumento da produtividade são as que irão facilitar um processo de urbanização mais eficiente, permitindo que a economia possa beneficiar do fornecimento em grande escala da força de trabalho que ainda se encontra presa em actividades rurais de baixa produtividade ou em pequenas cidades e aumentar o papel das empresas privadas, cujo retorno do investimento é duas vezes superior ao das empresas detidas pelo Estado.

Mas e enquanto estes problemas macroeconómicos preenchem a agenda dos líderes seniores, o cidadão médio está mais preocupado com questões relacionadas com a justiça social, com a corrupção e com o ambiente. Porém e felizmente, muitas das acções sublinhadas neste Terceiro Plenário vão também ao encontro destas mesmas preocupações. As reformas fiscais e a dependência reduzida face aos bancos irão aumentar a transparência e promover a responsabilização. A diminuição do poder das empresas estatais e a simplificação dos procedimentos governamentais irão restringir as actividades destinadas a maximizar o lucro e a expandir as oportunidades para as empresas privadas. Uma urbanização melhor gerida irá igualmente dar força à voz da classe média e melhorar o ambiente ao mesmo tempo que aumenta a produtividade.

Editora Executiva