A confiança está de volta. Pelo menos para a generalidade dos 1200 líderes empresariais, de 69 países, que responderam ao inquérito anual da PricewaterhouseCoopers. Todavia, a “deslocalização” do poder económico para as economias emergentes traz novos e complexos desafios para os gestores globais que se vêem obrigados a repensar as suas estratégias de recursos humanos e de inovação
POR HELENA OLIVEIRA

Divulgado em Davos, a 26 de Janeiro, o 14th Annual Global CEO Survey da PricewaterhouseCoopers (PwC) comprova que os níveis de confiança no crescimento futuro da economia foram restabelecidos para os que vigoravam antes da crise mundial. Todavia, com a América do Norte e a Europa ainda a braços com os efeitos persistentes da mesma, são muitas as empresas que, procurando um crescimento sustentável, se estão a focar em mercados específicos bem longínquos, ou seja, aqueles que estão a aproveitar da melhor forma a retoma. China, Índia e Brasil, com níveis de desenvolvimento que ultrapassam os das nações mais desenvolvidas, são os grandes responsáveis pela “deslocalização” do poder económico, o que acaba por criar novos e complexos desafios para os gestores mundiais que se vêem confrontados com decisões sobre como e onde investir ao nível dos recursos humanos, instalações e inovação. Por outro lado, o estudo revela ainda que uma maioria significativa dos CEO mundiais foram obrigados a redefinir a sua estratégia ao longo dos dois últimos anos, devido à incerteza económica, às alterações das necessidades dos clientes e, obviamente, por causa da nova dinâmica que caracteriza o período pós-recessão. O VER identifica os principais resultados deste inquérito.

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O crescimento a diferentes velocidades
A divergência no interior da economia global é uma das razões para que 84% dos CEO tenham alterado a estratégia das suas empresas nos últimos dois anos – com cerca de um terço a considerá-la como “fundamental”. Apenas metade do mundo está a crescer a um ritmo robusto. Apesar de o Fundo Monetário Internacional ter previsto um crescimento global de 4,2% para 2011, os países desenvolvidos – responsáveis por cerca de 52% da economia mundial – estão a crescer a um ritmo correspondente a metade desse valor. Por contraste, os mercados emergentes estão em franca expansão, com previsões de crescimento acima dos 6% para a Índia, Indonésia e, obviamente, para a China, unanimemente considerada como o grande motor do crescimento económico mundial.

Desta forma, o “onde” é que os CEO esperam vir a crescer é uma das principais questões. Enquanto 83% dos líderes da Europa Ocidental estão “minimamente confiantes” no que respeita às perspectivas de crescimento geral para 2011, apenas 41% vêm oportunidades domésticas para as suas empresas. Mas estão confiantes porque esperam que o crescimento seja proveniente de outras regiões: a título de exemplo, 92% dos CEO europeus inquiridos esperam um desenvolvimento nas operações que têm na Ásia, enquanto apenas 48% acreditam que esse crescimento será proveniente dos seus negócios na Europa. Por outro lado, os CEO da região Ásia-Pacífico e da América Latina esperam um crescimento mais avultado nas suas próprias regiões do que em qualquer outro local. Em ambos os casos, esta expectativa representa uma quebra com o passado recente, no qual o consumo em mercados desenvolvidos constituía o principal motor de crescimento.

As apostas mais elevadas concentram-se na América Latina e na Ásia, mais concretamente na China que, de acordo com as previsões, poderá vir a ultrapassar os Estados Unidos como a maior economia mundial nos próximos 25 anos. Assim, não é de admirar que 39% dos CEO tenham nomeado a China como um dos três países mais importantes para a sua expansão empresarial. De sublinhar o facto de os mesmos CEO terem afirmado que estão a ser extremamente selectivos na escolha de mercados específicos, em vez de adoptarem uma postura de “caçadeira” para penetrarem nos mercados emergentes de uma só vez.

Em termos gerais, o crescimento está a disseminar-se por todos os mercados emergentes e para além das economias dos BRIC – Brasil, Rússia, Índia e China. Em África, as empresas não estão somente a investir nos seus recursos naturais, mas a apostar na expansão das suas próprias operações neste continente. E este facto não está, obviamente, a passar despercebido aos CEO africanos: 28% já alteraram a sua estratégia devido às “ameaças competitivas”. E muitos desses concorrentes virão de outros mercados emergentes. “Anteriormente, a Europa e os Estados Unidos eram os nossos maiores mercados exportadores. Actualmente, constituem mercados menores para nós, sendo que os da América Latina e de África se tornaram muito mais importantes”, afirma, no relatório da PwC, Sajjan Jindal, vice-presidente do conselho de administração da indiana JWS Steel. “O que constitui uma enorme mudança para nós”, acrescenta.

CEO conscientes dos riscos macroeconómicos
Apesar de este clima de confiança renovada, os líderes mundiais estão bem conscientes do espectro alargado de riscos macroeconómicos existentes. A incerteza e a volatilidade do crescimento da economia mundial, a par da capacidade de resposta dos governos em relação ao deficit surgem entre as maiores preocupações reveladas pelos gestores mundiais no que respeita a possíveis ameaças aos seus negócios. A regulação excessiva, a volatilidade das taxas de câmbio, a instabilidade do mercado de capitais e o proteccionismo compõem a lista de ameaças.

Também as infelizmente famosas políticas de austeridade preocupam a esmagadora maioria dos líderes globais e não só nos mercados em que os cortes orçamentais e os resgates ou a sua possibilidade figuram diariamente nos títulos da imprensa. CEO do mundo inteiro – com excepção feita para os do Médio Oriente – encaram como risco para as suas próprias economias domésticas o possível contágio da crise das dívidas soberanas de países como a Grécia e a Irlanda, bem como os aumentos de impostos e os custos com as despesas públicas que outros governos estão a fazer de forma a tentar conter a epidemia.

Este elevar de consciência no que respeita aos riscos macroeconómicos está a ter um impacto claro nas salas dos conselhos de administração. A gestão do risco está, de forma crescente, a ocupar um espaço cada vez maior nas agendas dos CEO, sendo incorporada nos processos de planeamento e estratégia formais das empresas.

O facto de a estratégia e do risco serem considerados conjuntamente tem estado sempre presente em empresas bem-sucedidas, mas a verdade é que a recente crise colocou um ónus ainda mais pesado nesta prática. A atenção redobrada dada pela gestão sénior a este facto poderá fortalecer a ligação entre as abordagens operacional e estratégica ao risco, reduzindo o impacto de uma outra crise.

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Uma reorientação da estratégia para o crescimento
São três os temas por excelência que emergiram deste relatório no que respeita à forma como os CEO estão a reorientar as suas estratégias e operações para dar resposta à retoma com múltiplas velocidades. Quase metade dos líderes inquiridos sublinhou uma alteração de estratégia com base na incerteza do crescimento económico ou devido a mudanças nas exigências dos consumidores como as principais razões para tal.

A maioria dos gestores globais foi obrigada a dar resposta a um aumento dos consumidores de uma classe média em crescimento nas economias emergentes através do desenvolvimento de produtos e serviços feitos à medida para estes mercados de crescimento acelerado, ao mesmo tempo que tentam responder às necessidades em mudança de mercados mais maduros. Desta forma, a inovação, no contexto de novos padrões de procura, constitui a estratégia primordial para os CEO.

Em segundo lugar, aparece o talento como principal estratégia para os CEO. Quando olham para as suas organizações, os líderes globais temem não possuir o talento adequado para competirem de forma eficaz à medida que a retoma vai tomando forma. Numa altura em que existem elevadas taxas de desemprego em alguns locais do mundo e um número igualmente significativo de jovens recém-licenciados noutros, os CEO estão preocupados com alguns desajustamentos de competências. Muito do investimento em talento nas duas últimas décadas foi feito em economias que estão agora a acusar um grande abrandamento. Se esse talento pode ser adaptado às novas realidades que caracterizam os mercados emergentes de rápido crescimento permanece uma incógnita. E essa é uma das maiores preocupações dos gestores globais neste momento.

Contudo, e de acordo com o inquérito, os CEO não têm necessariamente que se preocupar sozinhos. O que conduz ao terceiro ponto estratégico expresso nas respostas dos inquiridos: uma colaboração mais efectiva com os governos em áreas consideradas críticas para o crescimento empresarial. A educação, a saúde, a protecção da propriedade intelectual ou o desenvolvimento de infra-estruturas, todas elas constituem parte de uma agenda partilhada com os governos para manter a competitividade.

Estes três imperativos de negócio há muito que fazem parte das prioridades estratégicas das empresas. Mas agora, com o temor da crise ainda a pairar e com uma retoma emergente, os CEO vêem-se obrigados a aplicar novas lentes nestes três pontos principais:

Inovação

Como todos sabemos, os verdadeiros momentos “eureka” são poucos e raros. “As pessoas tendem a ver a inovação estritamente em termos de produtos revolucionários, desde tecnologias que sequestram emissões de carbono ou microchips capazes de processar dados 600 vezes mais rápido. Isso é excelente. Mas a maioria das inovações constitui o resultado de melhorias contínuas e constantes”, afirma Paul Polman, CEO da Unilever no Reino Unido. Contudo e como sabemos, as inovações incrementais só se podem transformar em geradores de receitas e lucros quando as empresas relacionam novas ideias com as necessidades dos seus clientes. “A inovação vai muito além do produto. É a forma como se comercializa, como se vende, tudo o que está relacionado com o envolvimento do consumidor”, sublinha Louis Camilleri, presidente e CEO da Philip Morris International. O que significa levar em linha de conta os factores culturais e organizacionais para uns e um pensamento “refrescado” sobre o que a tecnologia pode providenciar para outros. E, no que é apelidado de “inovação ambidextra”, os CEO pretendem ganhar eficiência e diferenciação em simultâneo. Ou seja, os líderes mundiais estão a abordar o espírito das TI tendo a inovação ambidextra em mente. Cerca de 70% dos inquiridos estão a investir em TI para reduzir custos e melhorarem a sua eficiência, enquanto 54% estão a apostar em iniciativas de crescimento através das tecnologias emergentes nos dispositivos móveis, nos media sociais e emsoftware de análise de dados. A “cloud computing”, por exemplo, pode capacitar as empresas a gerir os processos de negócio de uma forma mais eficaz, mas também pode dar origem a modelos de negócio inteiramente novos, como por exemplo aqueles que relacionam os parceiros da cadeia de valor numa oferta diferenciada singular para os clientes. No questionário, os CEO afirmaram que estão a explorar ambas as possibilidades para a tecnologia, em geral, e para o “cloud computing” em particular.

Contudo e mais do que nunca, a inovação começa nos clientes e colocá-los em primeiro lugar é cada vez mais importante. Ou seja, são cada vez mais as empresas que colocam as suas actividades de inovação mais próximas dos seus consumidores, o que significa que são eles que têm uma palavra a dizer no que respeita ao design das ofertas ou à abertura da inovação a um conjunto alargado de parceiros. “Actualmente, a esmagadora maioria dos novos produtos que comercializamos foi produzida com pelo menos um parceiro em alguma parte do mundo”, afirma Bob McDonald, presidente e CEO da Procter & Gamble Company. “Por exemplo, trabalhamos com cientistas de organizações parceiras e da nossa própria organização no mesmo laboratório. E é fantástico aquilo que se pode fazer quando se ultrapassam as barreiras numa organização ou, mais importante ainda, as barreiras existentes entre diferentes organizações”, acrescenta.

Talento

A denominada “guerra pelo talento” foi declarada há mais de 10 anos, mas são poucos os CEO que podem clamar “vitória”. E dado que 84% dos líderes globais afirmam ter alterado as suas estratégias nos últimos dois anos, as necessidades de talento das empresas estão também em mudança. Assim, o número de empresas que pretende contratar novamente é superior comparativamente ao ano de 2010 – sendo que este movimento está a ser liderado por sectores industriais como o dos produtos químicos, o automóvel e o da produção. O sector dos media e entretenimento é o que está menos optimista no que respeita a um crescimento do emprego. Por contraste, o sector da tecnologia é o segundo que maior número de contratações espera realizar. Contudo e à medida que são mais as empresas que pretendem contratar, a crise do talento torna-se também mais aparente: dois terços dos CEO entrevistados acreditam estar a enfrentar um fornecimento limitado de candidatos com as competências adequadas, particularmente à medida que vão estabelecendo uma presença de longo prazo nos mercados emergentes principais. “À medida que nos movemos para leste, temos de nos assegurar que a nossa cultura empresarial e o nosso modelo operacional reflectem os mercados em que estamos inseridos. E tentar encontrar o que é mais acertado é onde eu despendo a maior parte do meu tempo”, afirma o CEO da Unilever, Paul Polman. O gigante de produtos de consumo espera que cerca de 70% dos seus negócios sejam provenientes da região da Ásia-Pacífico num período de 10 anos.

Apesar de números relativamente significativos de novos licenciados nos mercados emergentes, cerca de 40% dos gestores globais sublinham a dificuldade de prever a disponibilidade de talento nestas regiões. “Estes mercados novos colocam vários tipos de incertezas. Uma delas é a do ambiente regulatório. A outra está relacionada com o talento. Encontrar os talentos apropriados para retirarmos vantagem das perspectivas de crescimento dos mercados emergentes é um dos maiores desafios que encontramos”, afirma Louis Camilleri, CEO e presidente da Philip Morris International.

Muitos empregadores fizeram esforços concertados ao longo da recessão para reter o maior número possível de pessoas qualificadas, optando por congelar as contratações. O turnover voluntário declinou nas economias mais maduras ao longo da recessão, mas as tendências históricas indicam que não tardará a voltar. Nos mercados onde o talento é “hot”, como é referido no relatório, as taxas de turnover podem ser elevadas, reflectindo uma escassez. A título de exemplo, o turnover anual na China pode atingir entre 20% a 40% em alguns sectores, comparativamente a valores na ordem dos 10% nos Estados Unidos ou no Reino Unido. E, ao mesmo tempo, reter os talentos é algo muito complexo. “Actualmente, na China, a competição pelas pessoas é extremamente aguerrida”, afirma Ed Breen, presidente e CEO da Tyco International. E a esmagadora maioria de CEO afirmou estar preocupada com a contratação de pessoal qualificado pela concorrência.

Em suma, os principais desafios reportados pelos CEO no que respeita ao recrutamento e à retenção dos talentos reflectem as alterações estratégicas e geográficas que muitas das empresas estão a enfrentar. Ou seja, os líderes globais vêem-se obrigados a terem uma visão de longo prazo na sua abordagem de necessidades de talento em qualquer que seja o mercado em que operem. Os colaboradores com mais experiência e níveis elevados de competências constituem os seus melhores activos e os custos em produtividade perdida e na formação de novos empregados estão agora a tornar-se claros demais.

Governos

Para cerca de metade dos inquiridos, a prioridade dos governos deveria ser a de impulsionar as infra-estruturas do país, seguida da criação e promoção de uma força de trabalho qualificada, do reforço da estabilidade do sistema financeiro e do acesso ao crédito. Mais de 60% dos gestores concordam que os cortes nos gastos públicos ou o aumento dos impostos terão um impacto negativo no crescimento económico do seu país, sendo que 53% estão convencidos de que os impostos vão subir devido à reacção dos governos ao aumento da dívida pública. Todavia, pouco mais de um terço dos líderes globais auscultados confirmou que as suas empresas fizeram alterações estratégicas devido aos cortes nos gastos públicos ou ao aumento dos impostos.

As questões relacionadas com as alterações climáticas e com a redução da pobreza estão também entre as preocupações dos líderes globais, que reconhecem terem a sua quota-parte de responsabilidade na mitigação das mesmas, mas esperando, em simultâneo, que exista uma estratégia de colaboração por parte dos governos para que tal seja possível.

 

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