O Orçamento de Estado (OE) em Portugal é sempre muito mais que um Orçamento de Estado. Costuma ser uma mini reforma fiscal, uma minuciosa lista ao Pai Natal e, frequentemente, um embuste, devido às cativações. Além disso, claro, todos são “documentos responsáveis, equilibrados, promovendo progresso e justiça social”. Desta vez, com um governo minoritário, o OE serve ainda como alçapão para eleições, que nem sempre se abre. Se por momentos esquecermos este debate retórico, como é o OE para 2025?
POR JOÃO CÉSAR DAS NEVES

A primeira coisa a considerar em qualquer orçamento são os grandes números. Todos os grandes números, não apenas aqueles que o debate seleciona. O que mais ressalta desse quadro é a semelhança entre este orçamento e o anterior. Os níveis das taxas de variação das rubricas são praticamente iguais, por vezes um pouco menos aceleradas (o OE 2024 ia a eleições…), mas muito semelhantes. É verdade que os valores estão empolados pelo PRR, que faz subir receitas e despesas, mas já estavam no ano passado.

A despesa total das administrações públicas, que representa aquilo que o Estado manipula, tirando e devolvendo à sociedade, é 45,2% do produto (sem PRR 42,5%), um valor esmagador. O peso de impostos e contribuições, que o governo anterior foi tão criticado por ter levado ao recorde de 37,8% em 2024, será ainda de 37,6% em 2025, apesar de todos os anunciados cortes. Isto quer dizer que, para lá de múltiplas promessas do governo e críticas da oposição, no essencial vamos ficar na mesma. Isto não admira, pois o documento adotou as medidas dos adversários para garantir aprovação.

Depois dos grandes números, devem considerar-se as medidas de política, aquelas parcelas, em geral pequenas, que o executivo seleciona como mais marcantes. Este ano os temas preferidos são o apoio aos jovens, sobretudo na habitação e transportes, às famílias, na redução de impostos e no aumento do salário mínimo, e às empresas, baixando o IRC e dando vários incentivos ao investimento. No ano passado, aquilo que se sublinhava era o apoio aos jovens na habitação e transportes, a descida do IRS às classes médias, a subida do salário mínimo e incentivos ao investimento. Isto até parece a mesma coisa, porque realmente é. Existem, porém, algumas pequenas diferenças: em 2024 subiam-se pensões e salários da Administração Pública e o Estado até se orgulhava do aumento nos salários que ia acontecer nas empresas privadas; este ano desce-se o IRC e “as classes médias” passam a “famílias”.

Este paralelismo não nos deve surpreender. Afinal, o país é o mesmo. Os problemas são graves e aquilo que o Estado pode fazer é realmente pouco. Por isso se faz muito barulho por coisa pequena. Quer isto dizer que as nossas dificuldades não têm solução? Claro que têm. E não é difícil saber como, pois a maioria dos nossos parceiros europeus fazem muito melhor do que nós em quase todos os sectores. Mas isso implicaria uma alteração profunda no sistema, as famosas reformas estruturais, que realmente por cá quase ninguém quer. Se algum governo tentasse realmente modificar o sistema, seria crucificado pelas forças instaladas que beneficiam muito dos 45,2% do produto que o Estado manipula.

É verdade que, se deixassem fazer as reformas, o país teria muito mais progresso e todos, incluindo as tais forças instaladas, ganhariam com isso. Mas um pássaro na mão é melhor que dois a voar. Essa é, afinal, a maldição do atual como dos anteriores orçamentos democráticos.

É bom terminar com aspetos positivos, e neste caso há um que se destaca. Nos últimos anos conseguiu-se vencer a outra velha maldição dos orçamentos democráticos, o défice crónico. Esta é a terceira vez que um orçamento desta democracia se propõe obter um excedente (depois de 2020 e 2024) e, se se realizar, será o quarto saldo positivo (após 2019, 2023 e 2024). Entretanto a dívida pública, que já andou acima de 130% do produto entre 2013 e 2016 e em 2020, está em 95,9% e prevê-se que seja 93,3% para o ano. Pode questionar-se se, na falta das tais reformas, estas melhorias são sustentáveis, mas devemos celebrar enquanto duram. Ao menos nisto temos um pássaro na mão.

Economista, professor catedrático na Universidade Católica e Coordenador do Programa de Ética nos Negócios e Responsabilidade Social das Empresas