A problemática das notícias falsas é complexa e multifacetada, estando enraizada numa mistura de incentivos económicos, agendas políticas e factores psicológicos. O seu impacto na sociedade é inegável, minando as instituições democráticas, exacerbando as divisões sociais e ameaçando a saúde pública. O combate a este problema exige a colaboração de vários sectores, desde a regulação das plataformas digitais até à promoção da literacia mediática entre a população. Embora o panorama digital torne a luta contra as notícias falsas um desafio, um esforço colectivo e informado pode ajudar a mitigar os seus efeitos perniciosos e a proteger a integridade da informação na nossa sociedade
POR HELENA OLIVEIRA 

As afirmações falsas ou enganosas do multimilionário Elon Musk sobre as eleições nos EUA ultrapassaram os 2 mil milhões de visualizações na plataforma de comunicação social X este ano, de acordo com um relatório do grupo sem fins lucrativos Center for Countering Digital Hate

A proliferação de notícias falsas ou fake news (termo em inglês que se generalizou) é um dos grandes desafios no mundo digital interligado, distorcendo a opinião pública, minando a confiança nos meios de comunicação social legítimos e exacerbando as divisões sociais. E, crescentemente, estas fake news, que se referem a informações deliberadamente fabricadas ou enganosas apresentadas como notícias, prosperam frequentemente nas redes sociais e nas plataformas online, apesar de não serem um fenómeno recente.

Historicamente, a divulgação de informações falsas sempre foi utilizada para influenciar a opinião pública ou desacreditar uma determinada oposição. No entanto, no século XXI e com a era digital, a Internet potenciou o seu alcance, impacto e poder. O modelo económico das empresas de comunicação social da Internet e os algoritmos que utilizam para destacar o material com maior probabilidade de atrair a atenção dos utilizadores, muito do qual é polémico, ajuda de forma significativa a sua proliferação. Adicionalmente, as fake news constituem uma grande percentagem do conteúdo envolvente, porque estimulam emoções fortes e porque esse conteúdo personalizado confirma e valida as crenças e preconceitos existentes dos utilizadores.

No que respeita às motivações subjacentes à sua produção, estas podem ser classificadas em vários tipos. E, como sabemos, um dos mais comuns está relacionado com a manipulação política, ou seja, o desejo de influenciar os resultados políticos.

Motivações políticas

As notícias falsas são frequentemente utilizadas como uma ferramenta de manipulação política, com a disseminação deliberada de informações falsas ou enganosas ao serviço de objectivos específicos. As motivações para a utilização de notícias falsas na esfera política são multifacetadas e incluem influenciar eleições, moldar a opinião pública e minar os adversários políticos.

Um dos exemplos mais proeminentes de manipulação política através de notícias falsas é a interferência nos processos eleitorais. Durante as “grandes” eleições, são propagadas histórias falsas sobre os candidatos, afirmações enganosas sobre os procedimentos de votação ou controvérsias fabricadas para influenciar o comportamento dos eleitores. As eleições presidenciais americanas de 2016 mostraram como as campanhas de desinformação, muitas vezes orquestradas por entidades estrangeiras, podem influenciar os eleitores. Tácticas semelhantes têm sido utilizadas a nível mundial, visando processos democráticos em vários países.

Os actores políticos utilizam notícias falsas para difundir propaganda que se alinhe com as suas narrativas. Ao disseminarem meias-verdades ou mentiras, estes actores podem distorcer a realidade para reforçar as suas posições. Os regimes autoritários, em particular, são conhecidos por utilizar notícias falsas para reforçar a sua legitimidade, desacreditar os dissidentes ou justificar medidas repressivas. As notícias falsas orientadas para a propaganda procuram manipular as emoções e simplificar questões complexas, facilitando a persuasão de grandes grupos de pessoas.

Os políticos e os seus apoiantes também podem utilizar notícias falsas para desacreditar os seus adversários. Esta táctica inclui a difusão de falsos rumores, escândalos fabricados ou factos distorcidos para prejudicar a reputação de um adversário. Estes esforços podem ser altamente eficazes, especialmente quando as notícias falsas são partilhadas rapidamente nas plataformas das redes sociais, onde se torna difícil desmenti-las.

Ao espalhar estrategicamente notícias falsas, os actores políticos podem amplificar as divisões nas sociedades, colocando diferentes grupos uns contra os outros. A desinformação visa frequentemente crenças profundamente enraizadas ou medos sociais, contribuindo para um ambiente polarizado em que o discurso construtivo é substituído por animosidade e desconfiança.

A manipulação política através de notícias falsas é uma estratégia poderosa porque tira partido das emoções e preconceitos das pessoas e da velocidade de disseminação das redes sociais. Também representa um desafio significativo para as democracias, uma vez que prejudica a tomada de decisões informadas e corrói a confiança nas fontes de notícias legítimas e nas instituições públicas.

Motivações económicas

Um dos factores económicos mais importantes das notícias falsas é a procura de receitas de publicidade. Os sítios Web que alojam notícias falsas são frequentemente monetizados através de modelos de publicidade pay-per-click. Ao publicar conteúdos sensacionalistas ou emocionalmente “carregados” que atraem um grande número de visitantes, estes sites podem gerar receitas significativas. Quanto mais escandaloso ou provocador for um título, maior é a probabilidade de atrair cliques, partilhas e envolvimento, o que se traduz num número superior de anúncios e em maiores receitas de publicidade.

A verdade é que criar conteúdos de notícias falsas é relativamente barato. Um único indivíduo ou uma pequena equipa pode gerar inúmeras histórias falsas utilizando recursos mínimos, enquanto os ganhos financeiros provenientes das receitas dos anúncios podem ser bastante elevados. Esta dinâmica de baixo custo e alto lucro incentiva a produção contínua de notícias falsas, especialmente em regiões onde as oportunidades económicas são limitadas. Por exemplo, durante os principais eventos noticiosos ou ciclos políticos, os sítios Web de notícias falsas registam um aumento do tráfego, aumentando ainda mais os seus ganhos.

Por outro lado, as plataformas de redes sociais e os motores de busca dão prioridade aos conteúdos que geram envolvimento. Uma vez que as notícias falsas suscitam frequentemente mais reacções do que as notícias factuais devido à sua natureza sensacionalista, os algoritmos amplificam-nas, apoiando inadvertidamente a sua rentabilidade. Quanto mais uma história é partilhada ou apreciada, mais aparece nos feeds dos utilizadores, aumentando as visualizações e as potenciais impressões de anúncios. Este ciclo económico reforça a criação de conteúdos adaptados à viralidade, independentemente da sua veracidade.

Existem operações inteiras, frequentemente designadas por “quintas de conteúdos”, dedicadas à produção de notícias falsas com fins lucrativos. Algumas destas operações estão estrategicamente localizadas em países onde a mão de obra é barata, permitindo a estas “fábricas” maximizar as receitas. Nestes casos, o motivo é puramente económico, com pouca ou nenhuma consideração pelo impacto social das falsas narrativas que divulgam.

Nalguns casos, as notícias falsas são utilizadas como veículo para promover produtos ou serviços. Os artigos podem conter afirmações enganosas ou exageradas para direcionar o tráfego para ligações de afiliados, onde os criadores ganham uma comissão sobre as vendas. Esta estratégia de marketing esbate a fronteira entre conteúdos genuínos e interesses comerciais, contribuindo para a disseminação da desinformação.

Motivações psicológicas

Para complicar ainda mais as coisas, sabemos igualmente que os seres humanos estão psicologicamente programados para se envolverem e partilharem conteúdos que provoquem fortes reacções emocionais, sejam elas de indignação, medo ou alegria.

Esta tendência humana é explorada pelos fornecedores de notícias falsas, que criam conteúdos que são altamente partilháveis e susceptíveis de se tornarem virais. Além disso, as pessoas estão mais inclinadas a acreditar e a propagar informações que se alinham com as suas crenças existentes.  Este enviesamento cognitivo faz com que os indivíduos tenham maior probabilidade de aceitar e partilhar notícias falsas que estejam de acordo com os seus pontos de vista, mesmo que essas histórias não tenham credibilidade.

O desejo humano de se sentir validado nas suas crenças contribui para a rápida disseminação da desinformação, especialmente em contextos sociais polarizados. E, em simultâneo, o papel da influência social é crucial para compreender a propagação das fake news. As pessoas partilham frequentemente informações para se integrarem num grupo ou para obterem a aprovação dos seus pares. Quando a desinformação se espalha numa rede social, é reforçada pela credibilidade percebida pelos amigos ou familiares. Este reforço de grupo pode criar câmaras de eco onde as notícias falsas circulam repetidamente sem serem contestadas.

Outra forma de propagação das fake news é através do denominado efeito Dunning-Kruger, o qual consiste num enviesamento cognitivo em que os indivíduos com poucos conhecimentos ou experiência num determinado domínio sobrestimam a sua compreensão. As pessoas que são vítimas deste efeito podem acreditar que conseguem discernir facilmente a verdade e, como resultado, são mais susceptíveis de espalhar notícias falsas, convencidas das suas próprias capacidades de interpretação.

Por outro lado, o grande volume de informação disponível online leva a uma sobrecarga e a uma preguiça cognitiva, fazendo com que as pessoas recorram a “atalhos mentais” para avaliar a veracidade das notícias. Ou seja, e consequentemente, é menos provável que as pessoas avaliem criticamente o conteúdo que encontram, sendo mais propensas a espalhar a desinformação. Este fenómeno é ainda mais exacerbado pelo ritmo acelerado das redes sociais, que privilegiam o consumo rápido em detrimento de uma análise ponderada.

Por último, as pessoas utilizam as redes sociais para construir e expressar as suas identidades. A partilha de conteúdos, mesmo que sejam falsos, constitui uma forma de se alinharem com determinados grupos políticos, culturais ou sociais, reforçando um sentimento de pertença e identidade. Ao publicar ou partilhar informações que se alinham com os seus valores ou crenças de grupo, os indivíduos assinalam a lealdade ao seu grupo, mesmo à custa da divulgação de imprecisões.

O impacto na sociedade

As consequências das notícias falsas são de grande alcance e profundamente preocupantes, afectando vários aspectos da sociedade:

  • Erosão da confiança

A confiança nos meios de comunicação social e nas instituições tradicionais diminuiu significativamente na sequência dos escândalos das notícias falsas. Quando as pessoas estão constantemente expostas a informações contraditórias, torna-se difícil distinguir entre factos e ficção. Esta erosão da confiança enfraquece os alicerces das democracias informadas e torna mais fácil para os regimes autoritários semearem a confusão.

  • Polarização e divisão

As notícias falsas exacerbam facilmente as divisões sociais e políticas. Ao apresentar pontos de vista polarizados como realidade, aprofundam as clivagens ideológicas e dificultam o diálogo construtivo. Em muitas democracias, estas divisões têm-se manifestado em climas políticos cada vez mais hostis, onde o compromisso se torna quase impossível.

  • Ameaças à saúde pública

O impacto das notícias falsas na saúde pública tem sido particularmente acentuado durante crises como a pandemia de COVID-19. A desinformação sobre o vírus, as vacinas e os métodos de tratamento contribuiu para uma confusão generalizada e para a resistência às medidas de saúde pública. Este facto teve consequências na vida real, como o aumento da hesitação em vacinar e a proliferação de tratamentos não comprovados e potencialmente perigosos.

O impacto na democracia

O impacto das notícias falsas na democracia é profundo, colocando sérias ameaças aos processos e instituições democráticas. Eis várias maneiras pelas quais a disseminação de desinformação prejudica as sociedades democráticas:

As notícias falsas contribuem significativamente para o declínio e erosão da confiança do público nas instituições democráticas, como os governos, o poder judicial, a imprensa e os sistemas eleitorais

Quando as pessoas são continuamente expostas a informações falsas ou enganosas, especialmente sobre estas entidades, podem começar a duvidar da legitimidade e funcionalidade da governação democrática. Por exemplo, quando as notícias falsas visam a integridade das eleições, podem levar a um cepticismo generalizado sobre os resultados eleitorais, minando a confiança do público na própria democracia.

A disseminação de notícias falsas exacerba a polarização política e social, reforçando crenças pré-existentes e criando câmaras de eco

Estes ambientes amplificam pontos de vista extremos e aprofundam as divisões entre grupos. Como é menos provável que as pessoas encontrem ou se envolvam com perspectivas diversas, o diálogo torna-se mais difícil e a construção de consensos – um aspeto crítico de uma democracia saudável – é prejudicada. A natureza divisiva das notícias falsas pode tornar quase impossível a união das sociedades em torno de questões comuns, desestabilizando ainda mais a governação democrática.

Um dos impactos mais perigosos das notícias falsas é o seu potencial para manipular a opinião pública e influenciar o comportamento dos eleitores

Ao divulgar informações falsas ou enganosas, os actores maliciosos podem influenciar as opiniões sobre questões ou candidatos críticos. Esse tipo de manipulação ameaça a base da democracia, que depende de um eleitorado informado que toma decisões com base em informações precisas. Mais uma vez, o exemplo da eleição presidencial de 2016 nos EUA destacou o papel das notícias falsas na formação de percepções e escolhas dos eleitores

A proliferação de notícias falsas também mina a credibilidade das fontes de notícias legítimas

Quando informações falsas são misturadas com reportagens factuais, as pessoas podem ter dificuldade em distinguir entre jornalismo fiável e conteúdo enganoso. Esta confusão pode levar a uma desconfiança generalizada em relação aos media, o que é prejudicial para uma democracia que depende de uma imprensa livre e informada para responsabilizar o poder e informar o público.

As notícias falsas servem para suprimir o debate informado

A democracia prospera com o debate informado e a troca de ideias. As notícias falsas perturbam este processo ao espalharem desinformação que pode obscurecer a verdade e induzir o público em erro. Quando os debates públicos se baseiam em falsidades em vez de factos, a elaboração de políticas pode ser influenciada por mitos em vez de se basear na realidade. Esta situação não só distorce o discurso democrático como também pode conduzir a políticas que não reflectem as necessidades ou os desejos genuínos da população.

Os governos podem ver-se forçados a lidar com notícias falsas, dedicando recursos à verificação de factos e ao combate a narrativas falsas. Isto pode desviar a atenção de tarefas importantes de governação e enfraquecer a capacidade das instituições democráticas para funcionarem eficazmente. Além disso, em alguns casos, a percepção da ameaça das notícias falsas pode levar a pedidos de regulamentação que podem inadvertidamente restringir a liberdade de expressão e de imprensa, criando um equilíbrio delicado entre o combate à desinformação e a defesa dos valores democráticos.


Sugestão de livro

The Anatomy of Fake News: A Critical News Literacy Education, de Nolan Higdon, é uma exploração crucial e oportuna das origens, impactos e estratégias educativas para combater as notícias falsas na sociedade contemporânea. A obra de Higdon destaca-se pela sua abordagem abrangente à literacia mediática, abordando uma questão crítica que se intensificou na sequência das eleições presidenciais americanas de 2016 e do aumento da desinformação.

Ao enquadrar a sua análise historicamente, Higdon investiga as raízes profundas da desinformação na sociedade americana, traçando a sua evolução e examinando a forma como várias forças políticas e económicas utilizaram e beneficiaram das notícias falsas ao longo dos anos. Esta perspetiva histórica não é apenas informativa, oferecendo também uma compreensão fundamentada da razão pela qual o problema persiste actualmente.

Uma das características mais marcantes de The Anatomy of Fake News é a ênfase de Higdon na educação como solução. Em vez de defender apenas medidas regulamentares ou culpar as plataformas tecnológicas, o autor apela a um currículo alargado de literacia mediática crítica. Este enfoque educativo é sublinhado pela inclusão de um “kit de detecção de notícias falsas”, uma ferramenta prática concebida para capacitar os estudantes e os leitores a avaliar as notícias de forma crítica e a distinguir fontes credíveis de fontes enganosas.

O kit é composto por um processo de dez pontos que visa promover uma população mais informada e com mais conhecimentos sobre os meios de comunicação social, tornando o livro tanto um guia prático como um estudo académico.

Para mais informações sobre o livro e as suas perspectivas críticas, pode explorar os recursos da University of California Press e do Project Censored.


Imagem: Utsav Srestha/Unsplash.com

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