POR HELENA OLIVEIRA
“As economias fortes têm como base uma boa gestão, e não boas escolas de negócios”, Henry Mintzberg
A importância dos MBA, ou mais precisamente, das escolas de negócios constitui tema em debate há décadas e uma problemática já anteriormente analisada pelo VER. E, de tempos a tempos, volta a assumir-se como questão polémica no mundo da gestão, não só em termos académicos, mas também tendo em conta a própria forma de “fazer negócios”.
Particularmente criticadas a seguir ao crash de 2007, tendo sido consideradas como cúmplices da crise financeira que viria a alastrar-se um pouco por todo o mundo, as escolas de negócios foram culpadas por muitos analistas por abrirem caminho a atitudes particularmente nocivas, ao mesmo tempo que ter um MBA não evitou que as pessoas incorressem em práticas arriscadas ou corruptas, antes encorajando-as. Pelo menos é essa a visão de muitos observadores, sendo que e como sabemos, também é fácil colocar a culpa em ombros alheios.
Martin Parker é professor de Estudos Organizacionais na Universidade de Bristol e há mais de 20 anos que trabalha em escolas de negócios. Parker é igualmente o autor do polémico livro “Shut Down the Business School: What’s Wrong with Management Education”, o qual provocou um aceso debate primeiramente no Reino Unido, mas que já extravasou as suas fronteiras, estando agora a dar que falar, entre defensores e críticos, um pouco por todo o mundo.
O principal argumento do livro aponta para o facto de as b-schools não passarem de meras “cash cows”, cujo modelo não só está isento de rigor académico, como está a falhar redondamente. Assim, e tal como o título indica, o autor alerta para a necessidade de “se chamarem bulldozers [para as destruir] e exigir uma forma inteiramente nova de se pensar sobre gestão, negócios e mercados”.
Com base num excerto longo do livro em causa republicado no The Guardian e intitulado exactamente “Why we should bulldoze the business school”, o autor sumariza os seus principais argumentos que incluem um aguerrido ataque a esta “indústria” a partir do seu interior – na medida em que a conhece bem – e junta-se a um grupo cada vez maior de académicos dissidentes das b-schools, o qual integra, por exemplo, o guru da gestão Henry Mintzberg (que em 2004 publicou, em forma de manifesto, o livro “Managers not MBAs”) ou o aclamado Jeffrey Pfeffer, professor de Comportamento Organizacional na Stanford Graduate School of Business, o qual tem vindo a criticar feroz e abertamente o estado das escolas de negócios nos Estados Unidos.
Da história das b-schools – as quais, e ao contrário do que a maioria das pessoas pensa, tiveram início em França e não nos Estados Unidos -, às similitudes que as unem, até em termos arquitectónicos, ao que verdadeiramente ensinam – uma questão muito mais difícil de responder do que parece -, aos perigos variados que representam, ao fenómeno de assumirem o capitalismo como uma ciência e não como uma ideologia, ao facto de serem locais que ensinam a tirar dinheiro do bolso das pessoas ‘normais’ para este ser usado em benefício próprio, entre outros temas muito pouco simpáticos, e concorde-se ou não, a forma como Parker sustenta os seus argumentos é, em muitos casos, difícil de rebater. Tendo ou não razão, o VER partilha algumas das ideias de Martin Parker que, no mínimo, obrigam a uma interessante reflexão. E que talvez ajudem a compreender alguns males da nossa economia de mercado, a contextualizar a falta de ética que marca um conjunto tão vasto de empresas e a questionar se, realmente, uma escola de negócios cumpre os seus propósitos de criação de bons gestores ou se limita a ser “uma máquina que transforma as avultadas receitas dos alunos [na maioria das vezes suportadas pelos seus pais] em lucro, sendo este o seu principal objectivo”, como assegura o professor.
Demasiadas e demasiado parecidas
Em 2011, a Association to Advance Collegiate Schools of Business estimava que existiam, em todo o mundo, cerca de 13 mil escolas de negócios. Como sugere Parker, pensemos alguns momentos sobre este número. “Pensemos no elevado número de pessoas empregadas por estas instituições, sobre os exércitos de graduados que delas marcham munidos com um diploma de negócios e sobre as gigantescas somas de dinheiro a circular em nome da educação”. A título de curiosidade, o autor recorda que em 2013, o top 20 dos programas de MBA nos Estados Unidos rondavam os 100 mil dólares e que, já em 2018, a London Business School estava a anunciar uma propina de 110 mil dólares pelo seu programa.
Para o autor e apesar da sua gigantesca influência, as escolas de negócios são crescentemente consideradas – ainda que sejam poucos os que têm coragem para o afirmar – como fraudulentas e encorajadoras de uma cultura de curto prazo e de ganância. Parker admite também que a visão que tem não é partilhada pelos seus colegas, mas que os seus 20 anos de experiência lhe mostraram que, e mesmo assim, a maior parte das críticas é proveniente do próprio interior das escolas. Como escreve, muitos professores, em particular da América do Norte, têm vindo a concordar que as instituições em que trabalham se têm vindo a perder. “As b-schools têm-se vindo a corromper, com as suas direcções a privilegiar o dinheiro, os professores a darem aos ‘consumidores’ aquilo que eles querem, os investigadores a produzirem papers cheios de números que ninguém lê e os estudantes a esperarem qualificações em troca do seu dinheiro (ou, na verdade, do dinheiro dos seus pais)”.
As críticas de Parker são duras e, a seu ver, não são resolvidas, como muitos advogam, por um regresso a práticas supostamente mais tradicionais e morais, traduzidas em meros elementos decorativos como a utilização de termos como “ética” ou “responsabilidade”. E é por isso que defende uma reestruturação radical das escolas de negócios.
Uma das “curiosidades” que relata no livro prende-se com a “forma” e o “formato” similar que a generalidade das mesmas assume. “Se visitar um campus de uma universidade ‘comum’ é extremamente provável que o edifício mais novo e ostentoso pertença a uma b-school. E esta b-school tem o melhor dos edifícios porque é a que gera mais lucros mediante uma forma de conhecimento que ensina as pessoas a gerar lucros”, afirma. O primeiro capítulo do livro – What goes on in business schools – começa por identificar, com um humor deveras sarcástico – o quão arquitectonicamente são parecidas a generalidade das escolas de negócios, a sua decoração, os seus logótipos, as frases inspiradoras que ostentam, o marketing que fazem, as empresas ou filantropos que dão nome às suas salas, entre um conjunto de outros elementos, “cuja missão é a de projectar eficiência e confiança”.
Todavia, para Parker, o maior perigo das escolas de negócios reside naquilo que ensinam – entre os curricula explícitos e os “escondidos” – e que têm o mesmo objectivo: a eleição do “manegerialismo” do mercado capitalista como se não existisse uma forma alternativa de se olhar para o mundo.
“Se ensinarmos, ‘com unhas e dentes’, aos nossos graduados a inevitabilidade do capitalismo, não será de todo surpreendente que tenhamos justificações para o pagamento de salários massivos às pessoas que correm riscos gigantescos com o dinheiro de outrem”, afirma. “Se lhes ensinarmos que não existe mais nada para além das receitas, as ideias sobre sustentabilidade, diversidade, responsabilidade, entre outras, servem apenas para decoração”, acrescenta. “A mensagem que o ensino e a investigação em gestão transmite, na maioria das vezes, é a de que o capitalismo é inevitável e que as técnicas legais e financeiras para o fazer funcionar constituem uma forma de ciência”, afirma ainda. Ou e em suma, “é esta combinação de ideologia e tecnocracia que transforma a escola de negócios num local perigoso”.
O professor de Estudos Organizacionais analisa ainda a forma como são ensinadas algumas das mais importantes disciplinas pertencentes aos programas de MBA. Desde as finanças, cujo propósito é, na sua opinião, “ensinar que as estratégias financeiras bem-sucedidas são aquelas que produzem o máximo retorno no mais curto dos períodos, o que e consequentemente exacerba as desigualdades sociais que as tornaram possíveis em primeiro lugar”; à gestão de Recursos Humanos, que apesar de utilizar a palavra “humanos”, não está particularmente interessada no que significa “ser humano”, mas antes em considerar estes recursos para produzir uma organização bem-sucedida, (…) constituindo uma função que procura tornar-se “estratégica” para ajudar a gestão sénior na formulação dos seus planos para “abrir uma fábrica aqui ou fechar uma filial ali”.
Adicionalmente, além de assegurar que o mesmo tipo de lente poderá ser usado para outras disciplinas que fazem parte da generalidade dos programas das escolas de negócios, o autor concentra-se na ética empresarial e na responsabilidade social corporativa, concluindo que estes são provavelmente os únicos domínios que poderão questionar as consequências da educação e da prática de gestão tal como a conhecemos. Mas o problema, refere, é que e, mais uma vez, num tom de dura crítica, ambas as disciplinas não passam de “mera fachada para o marketing das b-schools ou de uma cortina de fumo para cobrir a consciência dos seus deões – como se falar de ética e de responsabilidade fosse a mesma coisa do que as praticar”. E acrescenta ainda que estas falham, na maioria das vezes, em abordar sistematicamente a simples ideia de que, e na medida em que são as actuais relações sociais e económicas que produzem os problemas que as disciplinas de ética e de responsabilidade social corporativa devem tratar e estudar, são essas mesmas relações sociais e económicas que precisam de ser alteradas.
O capitalismo assumido como ciência e não como ideologia
Não se limitando a questionar a forma como as áreas de estudo que integram os programas de MBA são abordadas, Parker vai ainda mais longe e coloca em causa as premissas mais gerais que, no seu ponto de vista, definem as escolas de negócios.
Por exemplo, o facto de a aceleração do comércio global, a utilização de mecanismos de mercado e técnicas de gestão, a extensão das tecnologias relacionadas com a contabilidade, finanças e operações não serem rotineiramente questionadas No interior das escolas de negócio, diz, o capitalismo é assumido como o “fim da história”, enquanto modelo económico que superou todos os outros, sendo agora ensinado enquanto ciência e não como ideologia.
A segunda premissa criticada é a de que o comportamento humano – dos empregados, dos clientes, dos gestores, entre outros – é melhor compreendido se todos nós nos comportarmos como egoístas racionais. Esta ideia, de acordo com o autor, abre o caminho necessário para o desenvolvimento de modelos de como os seres humanos podem ser geridos de acordo com os interesses da organização. Motivar empregados, corrigir falhas de mercado, desenhar sistemas de lean management ou persuadir os clientes a gastar dinheiro são considerados como a mesma espécie de problema. Ou seja, “o interesse principal resume-se ao facto de a pessoa que deseja controlar, e as pessoas que são objecto desse mesmo interesse, possam ser tratadas enquanto pessoas que podem ser manipuladas”.
Por outro lado, os estudantes das escolas de negócios são recompensados por pensarem na gestão como uma simples questão de ganhos e perdas. “O curriculum ensina a maximizar o valor para o accionista, a vender produtos e serviços que as pessoas não querem ou precisam, a como evitar o pagamento de impostos e de que forma se externalizam custos para o ambiente e para o Estado”. Acrescentando ainda que em troca de propinas substanciais as b-schools fazem promessas sobre os salários chorudos que os estudantes irão ganhar e vendem a ideia de que o gestor deve ser melhor recompensado do que aqueles que gere, o ácido autor acusa-as ainda da seguinte lista de pecados: não ensina o conhecimento ou as práticas como um bem intrínseco; não ensina trabalhadores, cidadãos ou activistas; não colabora com outras instituições de ensino e não explora pesquisa que possa ajudar esses mesmos trabalhadores, cidadãos ou activistas a terem impacto no mundo. E “dada a importância da ética e da política para políticos, professores, médicos, jornalistas ou juízes, por que motivo se deve assumir que a educação em gestão deverá evitar discutir algum tema que não seja o retorno de alguma coisa?”, questiona ainda, ao que acrescenta ainda outra ideia: por que aceitamos o ensino de uma sociedade baseada na acumulação e no egoísmo como se esta fosse a única visão da natureza humana?”
Outra acusação é a de que as escolas de negócios contribuem também para prejudicar a economia real. De acordo com a visão de Parker, “os instrumentos financeiros que são rotineiramente utilizados pelos bancos e pelos traders, e que foram responsáveis por fazer ajoelhar a economia global há uma década, são igualmente ensinados no interior das escolas de negócios, E o mesmo acontece com as ideias sobre a necessidade de crescimento económico, comércio internacional e evasão à regulamentação a favor do ‘comércio livre’”, diz. Para o autor, e apesar de tal constituir o senso comum nos negócios globais, representa um perigo real para as pessoas e para o planeta. Ou, por outras palavras, as escolas de negócios estão a gerar o senso comum inerente ao “business as usual” o qual cria as desigualdades no interior e entre nações, é propício a gerar crises financeiras sistemáticas e falha em reconhecer, por exemplo, a importância de uma economia livre de carbono. “Qualquer que seja o modelo económico e genuinamente sustentável imaginado, o mesmo não pode ser o que temos actualmente, e que é reproduzido pelas escolas de negócios”.
O mundo “vendido” pelas escolas de negócios não é agradável
No entender de Martin Parker, as b-schools assumem também o capitalismo, as empresas e os gestores como o formato padrão de uma organização, e tudo o que é diferente como uma anomalia, uma excepção ou uma alternativa não viável. Ou seja, em termos de curriculum e pesquisa, tudo o mais é periférico. Mas se a esmagadora maioria destas escolas faz parte das universidades, e sendo estas últimas entendidas como instituições com responsabilidades para as sociedades que servem, por que devemos então assumir que os MBA devem apenas ensinar uma única forma de organização – a do capitalismo – como se este fosse a única forma de acordo com a qual a vida humana pode ser organizada? A pergunta tem como resposta o facto de o mundo que é produzido pelo mercado “manegerialista” e vendido pelas escolas de negócio não ser, de todo, agradável. Para o autor, este mundo é “uma espécie de utopia para os ricos e poderosos, ao qual um grupo de estudantes é encorajado a imaginar que dele fará parte, mesmo que esse privilégio seja comprado a custo elevado, e que tenha como resultado catástrofes ambientais, guerra por recursos, migrações forçadas, desigualdade, encorajamento para o hiper-consumo, bem como práticas de trabalho persistentemente anti-democráticas”. E ignorar estes problemas, mesmo que os mesmos sejam mencionados como desafios e seguidamente abolidos em termos de prática de ensino e de pesquisa, está errado.
Para este professor desiludido, se realmente pretendemos responder aos desafios que são colocados à vida humana neste planeta, teremos que investigar e ensinar o maior número possível de formas de organização que, em conjunto, possamos imaginar. E é por isso que Parker defende o caminho para a destruição, pois se a ideia é acabar com o “business as usual”, há que reimaginar radicalmente a “business school as usual”. O que significa começar de novo.
NOTA: Para não matar o mensageiro e para a leitura de um bom contraditório a tudo o que foi escrito – da perspectiva do autor, é claro – nesta peça, aconselhamos vivamente a leitura do artigo Another cheap shot at business schools publicado na revista Forbes.
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