Para um conjunto de oradores que estarão presentes no Congresso Mundial da UNIAPAC em Lisboa significa, e em comum para todos, contribuir de forma legítima para o bem comum. Mas, e dada a sua diversidade geográfica, académica e profissional, cada participante no evento elege alguns aspectos por excelência em detrimento de outros. O VER reuniu testemunhos de oito líderes empresariais ou de organizações sem fins lucrativos que partilham os seus ideais de uma liderança que coloca o ser humano no centro de qualquer estratégia de negócio. E que lutam todos os dias para que tal aconteça
POR HELENA OLIVEIRA

“A dignidade de cada pessoa humana e o bem comum são questões que deveriam estruturar toda a política económica, mas às vezes parecem somente apêndices adicionados de fora para completar um discurso político sem perspectivas (…). Quantas palavras se tornaram molestas para este sistema! Molesta que se fale de ética, molesta que se fale de solidariedade mundial, molesta que se fale de distribuição dos bens, molesta que se fale de defender os postos de trabalho, molesta que se fale da dignidade dos fracos, molesta que se fale de um Deus que exige um compromisso em prol da justiça. Outras vezes acontece que estas palavras se tornam objecto duma manipulação oportunista que as desonra. A cómoda indiferença diante destas questões esvazia a nossa vida e as nossas palavras de todo o significado. A vocação dum empresário é uma nobre tarefa, desde que se deixe interpelar por um sentido mais amplo da vida; isto permite-lhe servir verdadeiramente o bem comum com o seu esforço por multiplicar e tornar os bens deste mundo mais acessíveis a todos”

Papa Francisco, Evangelli Gaudium (203)

O XXVI Congresso Mundial da União Internacional de Empresários e Gestores Cristãos (UNIAPAC) tem, sem surpresas, uma forte inspiração nas palavras de Francisco, tendo escolhido como mote do seu evento a ideia de que a vocação de um empresário é uma nobre tarefa. Ou, pelo menos, que devia ser. E é em torno deste princípio que desenvolverá o debate que reunirá líderes de negócios dos quatro cantos do mundo, com backgrounds académicos muitos distintos, o mesmo acontecendo com as suas vidas profissionais e pessoais. Diversidade é, sem dúvida, uma característica deste congresso mundial e, apesar de existirem muitos pontos em comum que unem os seus oradores, nem sempre a sua percepção do que significa, realmente, encarar o negócio como uma vocação nobre, é a mesma. Depois de entrevistar os seus vários Keynote Speakers, o VER, enquanto parceiro de media deste evento co-organizado pela ACEGE, reuniu um conjunto de testemunhos de vários oradores que estarão no congresso, convidando-os a expressar a sua visão sobre o seu tema principal e as formas possíveis para o colocar em prática. Os testemunhos que se seguem – em vários casos obrigatoriamente sumarizados devido à sua extensão – não obedecem a qualquer critério ou ordem de importância, antes espelham a diversidade anteriormente mencionada que fará deste evento mundial a ter lugar em Lisboa um espaço de troca de experiências e de ampla reflexão.


“À medida que o tempo passa, sinto-me mais preparado para enfrentar as crises económicas e as crises que afectam os negócios, aprendendo com os meus erros e sucessos”

Sérgio Cavalieri

Sérgio Cavalieri, que já presidiu aos destinos da UNIAPAC América Latina pertence à terceira geração de uma família de homens de negócios – mais precisamente dos fundadores do Grupo Asamar, no Brasil e que conta com quase 90 anos de existência – ocupando o cargo de presidente do seu conselho de administração. Para este gestor e engenheiro civil, pós-graduado em Finanças e Gestão pelo INSEAD, “liderar, orientar, inspirar e tomar decisões no mundo empresarial da actualidade é um enorme desafio”. Tal deve-se ao facto, como comenta, de “as decisões e acções que se tomam hoje serem julgadas amanhã” e de acordo com normas e regulamentações que estão em mudança contínua e as quais “ainda nem conhecemos”. Assim e neste contexto, “ser um homem de negócios, um empreendedor ou um líder empresarial é uma difícil e nobre vocação, na medida em que envolve riscos e incertezas”, ao mesmo tempo que se assume como “uma tarefa na qual as possibilidades de existirem erros e falhas são muito elevadas”, sublinha. Todavia e como refere também, “vale toda a pena assumir esta responsabilidade”.

“E se mudássemos a nossa percepção da pobreza, encarando-a não como um problema, mas antes como um desafio?”

Martin Burt

A questão é formulada por Martin Burt, o fundador da Fundación Paraguaya, uma ONG devotada ao desenvolvimento de soluções para eliminar a pobreza, responsável pela ferramenta Poverty Stoplight, uma metodologia de avaliação que ajuda as famílias a auto diagnosticarem o seu nível multidimensional de pobreza, como se traçassem um mapa, permitindo de seguida o desenvolvimento e a criação de um plano para a ultrapassar e a cargo de um mentor da mesma ONG paraguaia. Para o também membro do Board of Directors da Schwab Foundation para o Empreendedorismo Social, pertencente ao Fórum Económico Mundial, a ideia de uma actividade empresarial como uma vocação nobre assenta em duas características principais que qualquer negócio moderno tem de ter para servir a comunidade e obter a “licença social” para operar no sistema vigente: “uma capacidade elevada para mobilizar recursos e poder de inovação”. Como declara, “se a geração de rendimento for acoplada à melhoria dos níveis de vida de empregados e clientes, tal terá um impacto significativo na comunidade. E dada a importância dos negócios nas nossas comunidades, esta abordagem poderá contribuir largamente no sentido do bem comum e no acto de ajudar amudar o mundo”.

Se para Sergio Cavalieri, a melhor forma de um líder de negócios aumentar as suas hipóteses de sucesso e contribuir para o bem comum é “decidir e agir com base nos valores cristãos”, enquanto permanentes e universais e colocando, sempre, o ser humano no seu centro, para Martin Burt – que sonha com uma força laboral de “pobreza zero” – o contributo dos líderes empresariais deverá ser feito sob a forma de responsabilidade social corporativa ou através de programas de valor partilhado, os quais devem ser incorporados no “core business”. Cavalieri, por seu turno, alerta para a necessidade de os líderes perceberem que o lucro é apenas uma parte da equação do negócio e que a sociedade é, no cenário presente, o maior stakeholder das empresas. Assim, e como exemplifica, “quanto mais tempo os líderes dedicarem às pessoas, maiores serão as suas possibilidades de sucesso, longevidade, reputação e, consequentemente, maiores lucros existirão para o negócio. Em comum, os dois oradores defendem que, e mais do que nunca, a avaliação do impacto social é absolutamente crucial não só para os diferentes stakeholders, como para as próprias empresas.

“Mudar o mundo começa com uma pequena gota de água que agitará as ondas e terá efeitos positivos em todo o oceano”

Chiara Condi

“Quando uma actividade empresarial é considerada como com uma vocação nobre é porque existe num ecossistema onde todos beneficiam”, afirma Chiara Condi, a fundadora da organização sem fins lucrativos LED BY HER– dedicada à defesa dos direitos das mulheres e a programas de desenvolvimento de empreendedorismo e inovação [no feminino]. A também consultora em questões de diversidade – e considerada uma das ‘Mulheres Mais Influentes de França’ (mesmo nascida nos EUA) – acredita que esta “vocação nobre” existe para criar valor onde antes este não existia, via a reorganização dos recursos existentes num determinado negócio. “O que traz valor às pessoas que têm acesso a novos serviços e produtos, mas também à sociedade enquanto um todo na medida em que as empresas empregam pessoas e criam riqueza para ser possível gerar esse mesmo valor”, sublinha. Chiara Condi afirma também que para uma empresa contribuir de forma autêntica para o bem comum não pode somente investir parte das suas receitas no apoio a causas sociais, “mas ter os valores sociais que a definem devidamente ‘entranhados’ no seu próprio ADN e na forma como conduz o seu negócio todos os dias”. O que significa que ao gerir a organização com estes valores em mente, desde a forma como obtém os seus recursos, ao modo como trata os seus empregados ou como fornece os seus produtos e serviços ao cliente – e para que as empresas possam realmente mudar para melhor – é crucial adoptarem esta filosofia em todos os níveis da sua actividade, a qual deverá também estar devidamente incorporada em todos os trabalhadores.

“A inclusão nas empresas é uma das formas de ‘actualizar’ a dignidade da pessoa, a qual e como sabemos, é criada à imagem e semelhança de Deus”: ou seja, a nossa capacidade de amar e de sermos amados”

Alejandro Pellico Villar

Uma opinião mais “transcendental” tem o mexicano Alejandro Pellico Villar, fundador e director da Solidarium, uma empresa de consultoria dedicada ao fortalecimento institucional através da gestão estratégica com um propósito transcendente e que tem o modelo de gestão ‘centrado nas Pessoas’ como objectivo principal. Para o orador habituado a expor as suas ideias sobre práticas sociais de negócios em palcos nacionais e internacionais – é também o Presidente da União Social de Empresários do México -, a vocação nobre que vai estar em debate consiste “na oportunidade sem paralelo para os detentores e líderes de negócios colocarem a pessoa no centro da actividade empresarial (…), considerando e gerindo a empresa como uma comunidade de pessoas que partilham e contribuem para um bem comum específico, sem excluir a geração de valor económico, mas antes incluí-lo e distribuí-lo de forma adequada, e quando os fins e os meios são colocados na ordem certa”.

Sobre a questão da inclusão – que será um dos grandes temas também em debate no congresso – Chiara Condi acredita que o seu mais crucial aspecto consiste no reconhecimento do porquê de ser importante termos pessoas diferentes de nós mesmos nas empresas. “Se as pessoas não acreditarem, primeiro que tudo, que a diversidade é importante, nunca a irão alcançar pelos motivos certos, nem disponibilizarão os recursos necessários para o fazer”, afirma. “Mas a inclusão é realmente importante porque nos dá novas formas de abordar os desafios dos negócios, bem como novas soluções. Ser inclusivo não é só fazer o que está certo, mas conferir ao negócio uma verdadeira vantagem competitiva”.

Já para Alejandro Villar, e tendo em conta que os humanos interagem através das várias dimensões que constituem o seu ser – físicas, intelectuais, sociais/familiares, emocionais e espirituais – as quais podem ser distintas mas não separadas, “cada interacção abrange todas as dimensões da pessoa, mas com um ênfase particular em uma ou em algumas delas. A inclusão nas empresas e por exemplo, irá enfatizar a dimensão física da pessoa quando integra alguém com incapacidade, ou a intelectual quando inclui na sua força de trabalho uma pessoa com problemas cognitivos (…).”, explica. E, de regresso ao seu modelo de gestão, Villar sublinha que a Gestão Centrada na Pessoa permite uma revisão sistemática bem como uma gestão das interacções no interior da empresa ou de qualquer outra instituição humana, para assegurar que se consideram sempre os efeitos desejados (sentirmo-nos amados – ‘actualização da dignidade da pessoa), através de uma forma concreta de intervenção (amar o outro – solidariedade, subsidiariedade) ”. Ou e como remata, “a inclusão na empresa (…) será atingida quando aborda as as pessoas em causa de uma forma solidária e subsidiária, tentando deliberada e activamente fazer com que estas se sintam amadas (…)”.

“Preservar a dignidade humana é o mais importante”

Paul Dembinsky

O polaco Paul Dembinsky é um economista e cientista político, que preside à International Association for Christian Teaching e da Plateformé Dignité et Développement, na Suíça. A seu ver, ter um negócio é produzir bens úteis e serviços a preços acessíveis mas, e sobretudo, é promover postos de trabalhos decentes. “O lucro só vem – e nem sempre – em último lugar”, declara. Para que as empresas façam a transição necessária para contribuírem para o bem comum, e considerando que “os desafios são muitos”, o mais importante é “preservar a dignidade humana dos consumidores, trabalhadores e gestores num mundo exposto a uma crescente tentação no sentido da fragmentação e complexidade”.

“Se a empresa segue princípios éticos, então é fácil definir o que é uma vocação nobre”

Michal Hrabovec

Mais optimista é o eslovaco Michal Hrabovec, presidente e co-fundador da empresa de software Anasoft– galardoada com o prémio de Empresa do Ano na Eslováquia e reconhecida por vários outros prémios relacionados com as suas actividades de responsabilidade social. Para Michal e tendo em conta que os humanos são dotados de criatividade “nos negócios tal significa que se tem de ser criativo na forma como se serve as pessoas”. Dando o exemplo do segmento tecnológico em que se insere a sua empresa, o jovem empreendedor recorda o quão importante é a tecnologia actualmente para “novos diagnósticos na medicina, para uma melhor educação, para a construção de carros autónomos que servirão para diminuir a elevada taxa de acidentes nas estradas, para as soluções ‘sem papel’ que já existem para salvar as nossas árvores, a denominada energia verde ou as formas que já existem para diminuir os perigos dos elevados níveis de poluição”. Ou e por outras palavras, sublinha Michal Hrabovec, “o empreendedorismo de mãos dadas com a tecnologia pode criar novo valor e riqueza para toda a humanidade”.

“Tomar a decisão certa, arriscar e continuar sempre a trabalhar” são os passos obrigatórios que, na percepção de Michal, servem para que as empresas que demonstrem ter uma vocação nobre possam contribuir para o bem comum. E, em conjunto com estes, “e tendo em consideração que a autenticidade é um resultado da integridade individual, é sempre necessário pensar e agir em harmonia com estas qualidades”, afiança, afirmando também que esta forma de agir deverá ser coincidente tanto na vida profissional como na pessoal, para “sermos capazes de explicar as nossas decisões aos nossos parceiros, empregados e família”. Michal acredita ainda que qualquer negócio deve perguntar a si mesmo “o que é útil ou não para a humanidade” e que todos temos de nos erguer, sermos criativos e trabalharmos arduamente.

“Torne-se no Melhor que conseguir SER!”

Richard Higginson

É o que o reverendo Richard Higginson considera que todos os líderes de negócios devem fazer, afirmando que a actividade empresarial é uma vocação nobre porque “é nosso privilégio enquanto seres humanos cumprir o destino oferecido por Deus (…)”. Para o homem que devotou grande parte da sua vida ao projecto Faith in Business – um recurso único que liga a fé cristã ao mundo dos negócios e que integra as áreas da fé, dos valores e da liderança – sendo agora, depois da sua reforma em Agosto deste ano, o seu Presidente – Higginson acredita ainda que para as empresas contribuírem de forma legítima para o bem comum, têm que ter “disciplina e dedicação ao fornecerem bens e produtos de grande qualidade”e recusando-se a ser a “2ª melhor”. Adicionalmente, terão de “cuidar de todos os relacionamentos com os stakeholders, mantendo um equilíbrio inteligente, sem dar prioridade aos accionistas/investidores” e “agarrar todas as oportunidades que possam defender a esperança que existe no nosso interior – (…) ou ‘estando sempre preparados para responder a qualquer pessoa que vos questionar quanto à esperança que há em vós’  [1 Pedro 3:15]. O reverendo declara ainda “que toda a gente importa”, referindo-se a todos os stakeholders.

“Conduzir uma empresa com uma missão social não é um luxo para uns poucos mas um desafio para os muitos que estão comprometidos em procurar um mundo melhor”

Roberto M. Laviña

Roberto M. Laviña fez os seus estudos no Ateneo de Manila, uma universidade gerida por jesuítas nas Filipinas, tendo mais tarde completado um mestrado em Gestão no Asean Instititute of Management e participado no Programa de Desenvolvimento em Gestão na prestigiada universidade de Harvard. Um puro “homem de negócios”, é COO do Grupo Phinma e igualmente um membro activo da Brotherhood of Christian Businessmen and Professionals (BCBP), uma organização católica comprometida a integrar os valores cristãos no ambiente de negócios. A seu ver, a actividade empresarial transforma-se numa nobre vocação “quando o lucro é apenas um meio que permite à empresa melhorar as vidas dos nossos próximos, em especial as dos desamparados e as dos desfavorecidos”. E todo este processo começa por “uma decisão tomada pelo líder no sentido de colocar os talentos que lhe foram dados por Deus na missão que consiste em ajudar os mais pobres a terem acesso ao que é essencial para uma vida melhor”. Adicionalmente, esse mesmo líder cristão – que, a seu ver, terá de passar por uma transformação pessoal integrando os valores cristãos em si mesmo e envolver outros líderes neste compromisso – terá de “investir em negócios que apoiem essa missão e conduzi-la de uma forma que sustente os valores da integridade e da compaixão”.

Como inicialmente mencionado neste artigo, a diversidade geográfica, profissional e académica dos oradores que farão parte do Congresso Mundial da UNIAPAC é indiscutível, sendo esta apenas uma pequena amostra do que se poderá vir a debater em Lisboa a partir do próximo dia 22 de Novembro.

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