“Pensar sobre, envolver-se em e ser bem-sucedido” no futuro consiste na mais importante vantagem competitiva para líderes organizacionais, decisores e políticos. Esta é a convicção de John Elkington, um dos mais reconhecidos especialistas mundiais em sustentabilidade que, através da Volans, consultora que trabalha na intersecção da sustentabilidade, empreendedorismo e inovação, lança agora uma nova medida de avaliação para as organizações: o Quociente Futuro. Para acabar de vez com os erros da pressão de curto prazo
POR HELENA OLIVEIRA
|
© DR
|
Chama-se Quociente Futuro (QF), foi desenvolvido pela Volans – empresa fundada por John Elkington, um dos mais reconhecidos líderes mundiais em sustentabilidade – e pela JWT, e recentemente traduzido para português pela consultora pioneira em Responsabilidade Social e Sustentabilidade, a Sair da Casca. A origem do projecto, transposto agora para um relatório, tem como base a convicção de que se é possível medir o QI ou o QE dos indivíduos, é igualmente exequível estimar o QF enquanto medida do nível de preparação face ao futuro tanto por indivíduos como por empresas. O relatório “O Quociente Futuro -50 estrelas de inovação a longo prazo” apresenta, para além do seu suporte teórico, resultado de uma longa investigação sobre a forma como os líderes seguem ou não uma abordagem de longo prazo, 50 casos de sucesso que escolhem exactamente a abordagem de longo prazo na inovação, partindo de uma metodologia (ainda em evolução) que permite analisar a forma de pensar das equipas e disponibilizando ferramentas que permitem apoiar as empresas nesta análise.
O VER entrevistou John Elkington sobre esta sua mais recente viagem pelo futuro e também Nathalie Ballan(v.Caixa), sócia fundadora da Sair da Casca que, em conjunto, pretendem promover a reflexão do tema da liderança em sustentabilidade em Portugal. Todavia, e para o leitor perceber melhor as variáveis inerentes a este novo conceito, apresentamos um enquadramento do relatório e das suas principais estratégias.
Colocar a empresa no centro do universo não é estratégia inteligente
No prefácio do relatório, é citada a máxima de Albert Einstein que reza que “não podemos resolver os nossos problemas com a mesma linha de pensamento que os originou”, ou seja, que é imperativo “ver o mundo com novos olhos”. E é a partir desta premissa que o QF, enquanto noção teórica e também conceito empresarial, nos desafia a repensar a nossa forma de gerir o futuro. Para atingir um Quociente Futuro elevado, que é apresentado como o equivalente a estar bem lançado no caminho da sustentabilidade, é necessário que as organizações repensem a sua actuação de forma inteligente, o que significa que a sua atitude tem de deixar de estar centralizada. Ou seja, quando se pergunta a um CEO ou a um qualquer gestor de topo, que posicione o seu negócio num dado universo, não é de estranhar que estes o coloquem no centro. Ora, em vez de se centrarem exclusivamente no seu umbigo, os bons líderes do futuro não podem limitar o seu pensamento e actuação “à empresa no centro do universo”, mas devem, ao invés, optar por uma visão social mais abrangente ou por uma “visão centrada na biosfera”.
Relembrando que o movimento da sustentabilidade global comemora um quarto de século, o relatório assume como pontos positivos o aumento dos compromissos corporativos focalizados em iniciativas ligadas à sustentabilidade numa primeira fase da recessão global – com 60% das empresas a afirmarem ter aumentado os seus investimentos nestas áreas em 2010. Todavia, não está a ser cumprido um dos elementos-chave da agenda de Brundtland: a questão das escalas temporais e da equidade de longo prazo intergeracionais. Ou, em conclusão, são ainda raros os líderes, os decisores e os políticos que pensam e actuam numa perspectiva de longo prazo. Com a pressão provocada pela crise instalada, retraem-se com demasiada frequência, reduzem as suas ambições e optam por escalas temporais mais curtas.
Assim, e como alerta o relatório, para que a agenda da sustentabilidade chegue à população de forma eficaz, é necessário encontrar novas formas de liderança (50 exemplos de liderança para o futuro são divulgados no capítulo 3 deste relatório).
Uma nova ordem e um novo paradigma
Quer queiramos, quer não, estamos a assistir ao último fôlego de uma ordem económica vigente, durante a qual a presente geração de líderes forjou o seu próprio caminho até ao topo, no interior de um sistema cujas regras percebia bem, tendo ajudado a defini-las e a fiscalizá-las. Mas, com a emergência de uma nova ordem, e de acordo com a análise realizada para este relatório, os instintos, reflexos e soluções destes líderes da actualidade estão a tornar-se cada vez menos eficazes, o que leva os autores a questionar se estarão estes mesmos líderes habilitados e com as competências adequadas para se adaptarem a esta nova ordem emergente. Daí que este relatório constitua uma preciosa ajuda para se medir o grau de preparação dos líderes relativamente ao futuro.
Em termos gerais, o relatório estabelece, como base teórica por excelência, um imperativo do pensamento e da actuação a longo prazo, como forma de testar os pressupostos dos gestores de topo. De sublinhar que o projecto Quociente Futuro nasceu como resposta à constatação de que os CEO e demais gestores de topo consideravam ter já assumido a sustentabilidade, o que não significa, na realidade, terem conseguido dar resposta à necessidade de uma mudança no sistema. Assim, o relatório analisa igualmente de que modo a liderança deverá esforçar-se por seguir este imperativo, ao mesmo tempo que aponta as principais dimensões que um teste de QF deverá abranger para garantir a verdadeira medida do nível de preparação relativamente ao futuro.
Como já foi anteriormente citado, o relatório destaca ainda 50 casos de sucesso no que respeita a inovação de longo prazo, intitulados “estrelas guias”, e que inclui indivíduos, organizações e economias considerados pela equipa responsável pelo relatório como estando “acima da média dos QF”. Uma versão beta da metodologia para mediação do QF é igualmente apresentada, permitindo uma análise da forma de pensar da equipa que o leitor lidera, como primeiro passo para avaliar o Quociente Futuro. Por último, é apresentado um guia de estratégias e um conjunto de ferramentas para ajudar indivíduos e organizações a melhorar os seus QF.
O VER publica, seguidamente, a entrevista a John Elkington, que oferece algumas luzes sobre a necessidade de se pensar o futuro, de se corrigir a miopia instalada e de se substituir um modelo de “cisão” por um outro, mais abrangente e sustentável, denominado de “fusão social”, que melhor servirá a nova ordem emergente.
O “Quociente Futuro” é, simultaneamente, uma noção teórica e um conceito empresarial. Qual a melhor definição para ambos?
O Quociente do Futuro consiste numa extensão do Quociente da Inteligência, implicando uma capacidade de “pensar sobre, envolver-se em e ser bem-sucedido” no futuro. Para as empresas, esta proposição sempre constituiu uma competência importante mas, numa altura em que a velha ordem económica está a chegar ao fim – e uma nova se esforça por nascer – será ainda mais crítica.
Um dos principais problemas que afecta a nossa sociedade, e sob múltiplas formas, é a noção de curto prazo, do imediatismo, da reacção em vez do pensamento e planeamento de longo prazo. E o Quociente do Futuro alerta exactamente para a necessidade de se alterar esta mentalidade. Que conselhos daria aos líderes para esta mudança urgente?
Algumas das mais bem-sucedidas empresas do mundo escolheram ignorar as pressões para produzirem previsões trimestrais em termos de resultados e relatórios e, entre elas, gigantes multinacionais como a Nestlé e a (de forma crescente) Unilever, em conjunto com as empresas familiares.
A estratégia de “pensamento de longo prazo” é igualmente válida para os países. No relatório elaborado pela Volans, a China aparece muito bem posicionada no seu planeamento de longo prazo, o que poderá explicar o seu recente sucesso económico. O problema é que o Ocidente está a sofrer, tal como também é revelado no relatório, não só de uma ausência de orientação política mas também de uma denominada miopia de mercado. Quais são as mais perigosas implicações desta “visão estreita”?
A China também sofre de miopia, na medida em que o seu ciclo de planeamento de cinco anos ignorou questões críticas como a qualidade ambiental. O Ocidente, ou o norte global, tem vindo a trabalhar no sentido de abordar os desafios ambientais, mas sofre muitas vezes de uma quase deliberada miopia relativamente aos desafios futuros da competitividade, assumindo que o denominado mercado livre irá resolver tudo o que surgir. O que é uma suposição perigosa.
A Volans e a JWT acreditam que, na medida em que é possível medir o Quociente de Inteligência (QI) ou o Quociente Emocional (QE) dos indivíduos, é igualmente possível avaliar o Quociente de Futuro (QF) das equipas, empresas, marcas, etc.. Quais são as principais variáveis desta nova metodologia?
A metodologia está ainda em evolução. Mas as suas dimensões-chave são o âmbito (movendo-se do estreito para o amplo), a análise (de superficial para profunda), a ambição (de baixa para elevada) e a escala temporal (de curta para longa). A capacidade das organizações para operarem ao longo destas quatro dimensões, e aquela que demonstrarem no processo de uma mudança incremental para uma outra transformadora ou sistémica, será de importância crescente.
O relatório chama igualmente a atenção para a necessidade que temos de aperfeiçoar a nossa “engenharia cultural inteligente”. O que pretende dizer com isto?
Quando as pessoas pensam em revoluções culturais ou em manobras de engenharia, recordam-se inevitavelmente de Mao ou da era das Brigadas Vermelhas na China, as quais levaram à morte de dezenas de milhares de pessoas. Por contraste, estamos a falar acerca da necessidade de “empurrar” as pessoas para caminhos que sirvam os seus melhores interesses – em conjunto com os interesses do sistema na sua totalidade e com os das gerações futuras.
O relatório alerta para dois futuros possíveis com dois cenários diferentes: um cenário de “cisão” e um outro mais positivo, no qual uma “fusão social” poderá constituir a resposta. Quais os principais incentivos para esta “agenda de fusão” e que tipo de liderança é a mais adequada para que esta se torne uma realidade?
Quando uma nova ordem económica ou um paradigma emerge, aqueles que investiram na velha ordem combatem a nova. O modelo de fusão tornar-se-á a norma quando os interesses de um número crescente de indústrias e sectores se alinharem com a nova ordem.
“Escalas de tempo intergeracionais, responsabilidade e investimento terão de estar no centro do próximo paradigma”. É possível explicar melhor esta equação?
No passado, o capitalismo criou valor, muitas vezes, através de um consumo horizontal do capital, ou seja, através da exploração dos recursos de novas geografias. De forma crescente, está igualmente a consumir a riqueza longitudinalmente, o que se traduz, efectivamente, por roubar a riqueza das gerações futuras – seja através do colapso dos ecossistemas, do enfraquecimento dos corpos minerais e da destabilização da atmosfera. Assim, a noção de criação do valor e do capitalismo terão de sofrer transformações.
É possível sumarizar os pontos fortes do pensamento para o futuro no que respeita às equipas e às organizações?
As organizações e as economias bem-sucedidas possuem um forte sentido do presente, tanto no que respeita aos riscos como às oportunidades, mas também compreendem, em simultâneo, o passado, possuindo um imenso interesse no futuro, em conjunto com um apetite para a mudança, o que lhes permite fazer a ponte entre estas três dimensões temporais.
Sair da Casca: da reflexão para a acção |
Têm em comum a vontade de promover a reflexão sobre a capacidade dos líderes para pensarem em sustentabilidade, inovação e futuro. Nathalie Ballan, sócia-fundadora da Sair da Casca, explica os motivos que levaram a sua consultora a trabalhar em conjunto com a Volans, sublinhando que é igualmente sua intenção não só reflectir sobre este novo Quociente Futuro, mas também gerar um debate profícuo em seu torno.
A Volans assume-se como uma consultora que trabalha na intersecção da sustentabilidade, empreendedorismo e inovação, com enfoque no futuro. Neste sentido, como surgiu a parceria com a Sair da Casca e que temas em comum partilham ambas as consultoras?
A Sair da Casca está virada para o impacto e para as soluções. O nosso novo posicionamento ilustra uma viragem: passámos de uma fase global de reflexão, compreensão e diagnóstico para a acção. São precisos resultados. É preciso enraizar a sustentabilidade nos produtos e serviços das empresas. Ou seja, precisamos de inovação e atitude empreendedora. A Sair da Casca e a Volans partilham uma mesma convicção e sentimento de urgência análogo, existindo também uma grande empatia entre as nossas empresas, sendo para nós uma honra poder trabalhar com a equipa da Volans.
A Sair da Casca foi pioneira em Portugal nos temas da sustentabilidade e da responsabilidade social. Que novas tendências assume para o futuro?
O que vou dizer não é muito novo… mas estamos na fase de transição para a dita economia verde e, supostamente, num contexto de erradicação de pobreza. Isso, só por si, já é um programa ambicioso. Qual vai ser o papel das empresas nesta luta contra a pobreza, mas também na promoção do consumo mais sustentável, são dois pontos que interessam mais especificamente à Sair da Casca.
Que espaço/resistências considera existir em Portugal para que as organizações adoptem esta nova visão de “planeamento para o futuro”?
Não tenho certeza de que as resistências tenham a ver mais com um país do que com outro e considero, até, que as empresas que conheço, são muito abertas à inovação. Por enquanto estamos a lançar o documento, ainda não criámos um debate em torno dele. Estamos à espera do feedback para poder diagnosticar estas resistências. |
|
|
|