Há mais de 50 anos que escreve manifestos que inspiram activistas de todo o mundo a derrubar regimes ditatoriais através de actos não violentos. Gene Sharp tem 83 anos e, apesar de admirar Gandhi, defende o pacifismo por questões práticas, mais ao estilo de Clausewitz ou Maquiavel. O intelectual norte-americano é mais um pensador que um revolucionário, mas é apontado como o grande inspirador das recentes revoluções na Tunísia e no Egipto. E consta da lista de “inimigos a abater” de um vasto clube de ditadores
Era uma vez um egípcio que, tendo sido pai a semana passada, resolveu dar o nome “Facebook” à sua filha primogénita. A notícia já correu mundo e legitima, mais uma vez, o poder e as oportunidades que a famosa rede social teve e está a ter nos países árabes como a grande força impulsionadora para apelar à mudança. Passemos agora a outra história. Num pequeno e pobre bairro de Boston, numa casa velha e a precisar de pintura, funciona uma operação de baixíssimo orçamento mas com um nome pomposo q.b: o Albert Einstein Institute. No seu interior e de acordo com discrições lidas pelo VER em artigos internacionais, existem três computadores velhos, um aquário enorme e abandonado, um bule de chá e uma cadela chamada Sally. No pequeno espaço, que conta apenas com duas salas, livros, papeis, panfletos e jornais velhos amontoam-se em pilha, cheios de pó. E, no meio deste cenário e com a ajuda de uma única assistente, trabalha um homem, de 83 anos. Chama-se Gene Sharp, não percebe nada de computadores (e muito menos de Facebook) – a sua paixão são as orquídeas – e é considerado por um clube alargado de ditadores como o responsável pelo instigar à revolta contra poderes ditatoriais instituídos. Ao longo do último meio século, Sharp já recebeu ameaças de morte, foi considerado como um agente da CIA infiltrado em vários países, foi envolvido, no Irão, numa imaginativa conspiração que contava também com o senador John McCain e com o multimilionário George Soros e foi ainda apresentado como o “diabo” num discurso televisivo por parte de Hugo Chávez, na Venezuela, no qual também foi acusado de ter ligações com a CIA. E tudo isto porquê? Bem, na verdade, Sharp é um cientista político e um investigador reformado de Harvard, mas é também o autor do panfleto “From Dictatorship to Democracy”, um documento passível de ser descarregado no website do Albert Einstein Institute, traduzido em 24 línguas – em árabe incluído – e em vários dialectos e que já serviu de inspiração (e de motivo de prisão) para inúmeros dissidentes por esse mundo fora. Mas a notícia é que todos os argumentos de Sharp se baseiam na não violência como forma de derrubar regimes opressores. De Gandhi a Maquiavel ou Clausewitz O primeiro livro de Sharp, publicado em 1973 foi, na verdade, financiado pelo Pentágono. Intitulado “The Politics of Nonviolent Action”, o livro de 900 páginas conferiu a Sharp, na altura, o epíteto de “o mais influente promotor do mundo de activismo político não violento”. Há uns anos, o The Wall Street Journal dedicou-lhe um perfil e apresentou-o como o homem que “ajudou nos avanços para o despertar democrático global” e que inspirou “movimentos que derrubaram governos na Sérvia, Ucrânia, Georgia e no Quirguizistão”. E, no passado dia 16 de Fevereiro, o The New York Times publica um artigo no qual o apresenta como o intelectual tímido que criou o guia utilizado pelos jovens na revolução do Egipto. Em 1983 e enquanto ensinava ciência política em Harvard, Sharp resolveu fundar o seu instituto, dando-lhe o nome de Albert Einstein devido às preocupações que o proeminente físico demonstrava relativamente ao totalitarismo. Aliás, foi o próprio Einstein que escreveu o prefácio da primeira incursão de Sharp na literatura, nomeadamente sobre Gandhi. Quando era jovem, foi o responsável por sessões de formação a dissidentes de Cuba, Tibete, Bielorrússia, Letónia, Estónia e Lituânia, e infiltrou-se clandestinamente na Birmânia para se encontrar com activistas locais Na verdade, os seus escritos práticos sobre revoluções não violentas, em especial o já mencionado “From Dictatorship to Democracy”, com 93 páginas, têm sido utilizados por grupos de dissidentes de países tão díspares como a Birmânia, a Bósnia, a Estónia, o Zimbabué e, mais recentemente, também da Tunísia e do Egipto. Aliás, foi a pedido de um democrata birmanês no exílio (e já falecido), Tin Maung Win, editor de um jornal na Tailândia, que Sharp resolveu escrever este “livreto”. Como conta o próprio numa carta disponível no seu website, a ideia era que o mesmo fosse apenas utilizado pelos democratas birmaneses e por vários grupos étnicos que clamavam pela independência da Birmânia. Mas Sharp, por não ter conhecimentos suficientes sobre os conflitos específicos na zona, decidiu escrevê-lo como uma análise genérica e com base nos seus 40 anos de pesquisa e de reflexão sobre conflitos não violentos, ditaduras, sistemas totalitários, movimentos de resistência, teoria política e outros tópicos similares. E, só na Birmânia, foram mais de 400 as pessoas que, por terem na sua posse, uma cópia do manuscrito, foram condenadas a vários anos de prisão. Apesar de não existirem esforços alguns (nem fundos) para promover a publicação para ser utilizada em outros países, esta “espalhou-se”, tal como a revolução que tem vindo a contagiar vários países árabes, por um sem número de outros países, através de indivíduos e organizações não governamentais. E, com a ajuda de um coronel do exército norte-americano, já na reforma, que a apresentou num workshop que teve lugar em Budapeste, na Hungria, são muitos os sérvios que garantem que foi ele o “responsável”pela queda de Milosevic. No Verão quente de 2009 no Irão, nos protestos que se seguiram à contestada reeleição do presidente Mahmoud Ahmadinejad, o livreto “From Dictatorship…” foi descarregado do website do Albert Einstein Institute e só numa semana, 3,487 vezes contra 79 apenas um mês antes. Razão mais do que suficiente para as autoridades iranianas terem optado por uma acusação conjunta, de mais de 100 políticos a activistas que, para além de terem sido condenados à prisão, resultou, pelo menos, na execução de um deles. O motivo: seguiram “instruções” de Sharp e faziam espionagem ao serviço de outros académicos norte-americanos. Como atacar a fraqueza dos ditadores Vale a pena sublinhar alguns dos argumentos defendidos por Sharp. Um dos principais é o de que “se se luta com violência, está-se a lutar com a melhor arma do inimigo e pode-se vir a ser um herói bravo, mas morto”. E, acrescenta, “estes regimes apresentam-se sempre como todo-poderosos – absolutamente omnipotentes, para que a resistência se sinta fútil (…) mas se se descobrir que neles existem cinco… ou 20 fraquezas – que podem ser deliberadamente agravadas – o regime enfraquecerá. E ajudará à sua queda”. Mas e para Sharp o primeiro passo para a mudança de um regime injusto reside na capacidade das pessoas rejeitarem a visão delas próprias como fracas, acrescentando que até o mais brutal dos tiranos deve confiar, até certo ponto, na cooperação e união dos cidadãos que tiraniza e não só nos militares que o protegem. Sharp cita sempre a análise histórica para enfatizar os seus argumentos. E garante que a violência, mesmo ao serviço de uma causa justa, só resulta em mais problemas do que aqueles que resolve, conduzindo a injustiças e sofrimentos ainda maiores. E é por isso que sublinha que as acções não violentas constituem os melhores meios para se derrubar regimes corruptos, violentos e repressivos, para além de que este tipo de activismo gera um apoio interno e internacional muito mais coeso, abrindo um caminho mais fácil para a democracia e para regimes não militarizados. Ao longo da História, escreve, a resistência não violenta teve um papel muito mais importante do que aquele que é geralmente reconhecido pelos historiadores. “Ao utilizarem a acção não violenta, as pessoas conseguiram melhores salários, quebraram barreiras sociais, alteraram políticas governamentais, frustraram invasores, paralisaram impérios e dissolveram ditaduras”, escreve também. Em declarações recentes à Scientific American, Gene Sharp afirmou que a revolução egípcia poderá constituir “o mais poderoso exemplo do ‘poder das pessoas’ na história mundial”. E, citando Gandhi, o senhor da não-violência recorda: “se as pessoas não sentirem medo da ditadura, então é porque esta se encontra com muitos problemas”. Sharp afirma ainda, em escritos que podem ser acedidos no seu website, que nada tem a ver com os movimentos revolucionários. “Apenas tentamos fornecer materiais que capacitem as pessoas a agir no terreno, que o conhecem muito melhor do que nós, e que podem tomar as decisões adequadas”. E é através de greves de fome, boicotes, greves, grafittis, vigílias, funerais simulados e um sem número de outros actos pacíficos, mas interventivos, que Sharp delineia as suas estratégias. E avisa que, tal como os generais, os activistas não violentos têm de saber traçar estratégias e, tal como os soldados, estar preparados para sacrificar a sua liberdade, bem como as suas vidas. Sharp está prestes a lançar um novo livro, com um título imponente: “Sharp’s Dictionary of Power and Struggle: Terminology of Civil Resistance in Conflicts” que será publicado no próximo Outono pela Oxford University Press. E, talvez ainda esta Primavera, estreará um documentário, realizado por um cineasta britânico, sobre a sua vida e respectivos métodos pacifistas com o objectivo de servir como ferramenta para activistas, estudantes, decisores políticos e futuros investigadores. |
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