No âmbito da conferência “Ética e Trabalho Híbrido: Reflexos e Reflexões”, foi realizada a mesa-redonda “Ética e Trabalho Híbrido: Perspetivas em Diálogo”, com moderação de Sofia Salgado, docente da Católica Porto Business School e que contou com a presença de Gonçalo Quadros, Fundador e Chairman da Critical Software, José Teixeira, Presidente do Conselho de Administração do DST Group, Maria Manuel Araújo Jorge, Investigadora no Instituto de Filosofia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto e Sofia Reis Jorge, Administradora da ALTRI. A vertente ética do trabalho híbrido está e estará em discussão, como comprovam estes valiosos contributos
POR PEDRO COTRIM
Depois da conferência inaugural, com o orador internacional Muel Kaptein, especialista em Ética, sobre os desafios e as oportunidades do trabalho hibrido e o aceso debate com os participantes que se lhe seguiu e depois da apresentação da Livro Coletivo Proximidades e Distâncias: Desafios Éticos do Trabalho Híbrido e dos principias do resultados do Inquérito “Ética e Trabalho Híbrido: no Rescaldo da Pandemia”, os participantes da mesa redonda foram interpelados pela moderadora sobre o que mais os havia surpreendido.
Gonçalo Quadros confessa ter ficado surpreendido com a escala do «não regresso», pois esperava uma maior adesão no regresso ao trabalho presencial. Para desfazer equívocos, afirma que o trabalho híbrido é muito bem-vindo. Não era uma novidade antes da pandemia, mas sucedia obviamente a uma escala diferente.
Afirma que o trabalho híbrido permite desde logo melhorar significativamente a qualidade de vida das pessoas sendo necessária, contudo, uma definição para este regime de trabalho, com muito mais informação.
Para o fundador da Critical Software, há um grande desafio ético na construção da cultura da empresa, que deverá ser elaborada e escrutinada em conjunto. Quando não se partilham os mesmos espaços, há maior dificuldade na construção deste conceito.
O gestor afirma ainda que há uma ideia muito clara sobre os três modelos possíveis de trabalho: apenas remoto, presencial e híbrido e acredita que o equilíbrio assenta efectivamente no trabalho híbrido, pois permite contemplar estes dois aspectos essenciais: a melhoria da qualidade de vida das pessoas sem deixar de ter a oportunidade de se construir “comunidade” em torno do mesmo.
Para Gonçalo Quadros, é esta a questão essencial em relação ao trabalho híbrido, porque, na realidade, este talvez corresponda a um contexto próximo do “full remote”. Vai-se com alguma regularidade ao escritório, mas as pessoas vêem-se muito pouco porque os dias em que uns comparecem não são os mesmos dias em que outros o fazem. Feitas as contas, há pouco contacto.
O gestor conclui afirmando que é muito importante que se comece a pensar no que significa o trabalho híbrido. Não se pode limitar a dizer às pessoas que têm de comparecer dois ou três dias em cada cinco ou vice-versa, originando muita distância em relação aos outros. Teme resultados em termos de cultura de empresa, pois sem se construir comunidade, tudo se torna mais difícil.
Sofia Reis Jorge confessa igualmente a sua surpresa perante a circunstâncias de as pessoas não quererem voltar ao local de trabalho. Segundo a gestora, é um local de partilha. Adianta que gostaria de perceber a situação geográfica desta preferência, pois entende que quando se trabalha numa grande cidade, como Lisboa ou Porto, e onde há que enfrentar duas horas de trânsito para chegar ao local de trabalho, a qualidade de vida seja muito maior com a possibilidade de trabalho híbrido.
A administradora da Altri afirma que a maioria das pessoas que trabalha na empresa não manifesta esta vontade, talvez por se encontrarem fora dos grandes centros urbanos. Adianta que 80% da força de trabalho são pessoas que não podem fazer trabalho híbrido. Acredita que seja necessário arranjar soluções no futuro para estas pessoas terem a possibilidade de usufruir de trabalho híbrido, com novas tecnologias e novas formas de controlo remoto a partir de casa.
Diz a gestora que, em cidades pequenas, os escritórios ou as instalações da empresa são a segunda casa, com quase toda a gente a mostrar vontade de estar presente, vontade de interagir, vontade de ter a pausa para almoço com os colegas e os cinco minutos para o café. Enfatiza o contacto pessoal e a diferença em ter por perto um colega a quem recorrer. Afirma que pode ser surpreendente, mas que é o que constata.
Sofia Reis Jorge acredita que o ser humano se adapta com muita facilidade, pois a pandemia mudou radicalmente a forma de olhar para muita coisa. Há três anos pouco se falava em trabalho híbrido, a não ser nas grandes tecnológicas, onde o trabalho remoto era já uma realidade, mas em organizações como a Altri era impensável.
A gestora acredita que, genericamente, as organizações ainda não estão preparadas para esta mudança. Sendo uma das responsabilidades de Sofia Reis Jorge a área das pessoas e de recursos humanos, repara que nas entrevistas, especialmente aos candidatos mais jovens, se coloca frequentemente a pergunta pela possibilidade de trabalho remoto e sobre a obrigatoriedade de ir à empresa. Hoje em dia é um “must have”, já não é um “nice to have”.
A responsável afirma que esta circunstância de trabalho será procurada pelos millennials e pela geração Z. As novas gerações irão exigi-lo e as empresas terão de responder a este desafio.
Para José Teixeira, a maior aprendizagem foi verificar que é possível vencer aquilo a que chamou «czarismo empresarial». Para este responsável, o conceito radica no sentido de controlar a vida das pessoas através do ponto e através do horário.
Refere que no DST group sempre houve ponto, que as pessoas picavam para entrar, para sair e para o almoço e para voltar do almoço. De repente desapareceu o ponto e tudo está bem. Na opinião do gestor, esta aprendizagem ainda não chegou ao Estado, afirmando que nas áreas da educação e da saúde este czarismo continua a existir. Refere que não será por haver 10% de trabalhadores incumpridores que os outros terão de pagar por esta postura.
Na opinião do gestor, as empresas aprenderam. Afirma estar ele próprio ainda em processo de aprendizagem e de ser ainda muito cedo para tirar conclusões. Diz que mesmo as amostragens que se apresentam são emotivas e flor da pele à mostra que aqui tivemos alguns depoimentos que é normal, porque nós precisamos que tudo isto mature precisamos dar um bocadinho de tempo para depois fazermos as nossas aprendizagens.
Nas palavras de José Teixeira: «quando me foi colocada a questão sobre a ética de trabalho híbrido, eu fiquei encostado à cadeira. Houve várias interrogações e iniciativas suscitadas por este Cisne Negro da pandemia. O que teríamos nós de fazer?»
O gestor afirma que, no final da pandemia, se optou por regressar à natureza primária, à ancestralidade, ao valor das Humanidades, da filosofia, ao valor das artes, ao valor da espiritualidade, para haver encontros do contexto de trabalho.
José Teixeira conta que a empresa tem mais de dois mil trabalhadores e que em teletrabalho havia 370 ou 380. Há realmente muita coisa que não pode ser feita em teletrabalho, assegura, e os responsáveis passaram a estar mais com os trabalhadores. Fomentou-se a oportunidade de todos poderem falar e interagir. Cerca de 25% dos trabalhadores estão sempre em teletrabalho de forma rotativa. Há obviamente os casos em que as próprias casas dos trabalhadores não lhes permitem o recolhimento para o teletrabalho. A decisão é conjunta.
O gestor optou por incluir sessões de leitura de poesia na empresa, de leitura e discussão de textos e de vários pensadores. Houve várias iniciativas que se prendem com hábitos de leitura e de debate que, na opinião de José Teixeira, representarão sempre um ganho. Sugere que assim se abriu a porta para a ética entrar na empresa.
A antecipação, nas palavras do responsável, faz parte desta dinâmica e implementar a ética. Acompanha-se do combate ao sexismo nas empresas, à homofobia e aos estigmas das doenças mentais. Há muita coisa a discutir e a questão do trabalho híbrido é uma das facetas. É uma experiência que está em curso e à qual urge dar resposta.
Maria Manuel Araújo Jorge começa por afirmar que, na sua visão, o aparecimento da ética no interior da investigação científica se assemelha muito ao que já sucedia nas organizações empresariais. Afirma, ainda sob o seu prisma, que a aproximação entre estes dois mundos acaba por ser muito grande devido ao carácter inegável da mercantilização da investigação.
Segundo a investigadora, chegou-se a uma situação em que muitos cientistas são empresários e muitos empresários dominam as questões tecnocientíficas. Importa evidentemente não esquecer que a sociedade científica tem responsabilidade social, tal como as empresas. Enquanto organizações, todas produzem riqueza, lucro e poder, e todas contribuem para o bem das sociedades.
Maria Manuel Araújo Jorge afirma esta sensação de completude ética. Existe, contudo, a dificuldade da tradução de todas as regulamentações que a sociedade foi criando para o quotidiano de uma forma eticamente relevante, e por isso fala-se muitas vezes de «ética mínima». Verifica a preocupação de as pessoas se afirmarem eticamente no exercício das suas funções, sejam ou não de liderança. A pergunta surge sempre: «Que pessoa sou eu?»
A filosofia e a ética filosófica trazem também outro género de questões que ultrapassam a questão imediata, conforme sucede na equidade do trabalho híbrido. Afinal todos têm direito ou não? É uma relação com impacto no ecossistema e de âmbito muito profundo em cada um.
Suscita-se a questão da tecnologia, pois a espécie de «comando central» do mundo chega pela tecnologia. A tecnologia venceu, instalou-se e comanda as nossas vidas. Segundo a investigadora, a mesa redonda incide sobre trabalho híbrido porque existe o computador e existem as redes digitais – o mecanismo. Surgiu a questão da tecnologia e surgiram as questões da ética.
Maria Manuel Araújo Jorge aborda a ambiguidade da sociedade em relação à inovação. Afirme-se a aceitação, mas não a qualquer custo, adverte. A ética é um mecanismo de facilitação da instalação da tecnologia através de uma revisão dos valores individuais e sociais.
A professora da Universidade do Porto acredita que a tecnologia permitirá alcançar sociedades mais ricas, com mais lucro, mais poder, mais sustentabilidade, surgindo também a questão de se saber se pode ser construído, por exemplo, um tecido maior de consciência moral. A resposta será igual à questão, pois estes valores adquirem-se com mais tecnologia.
Na opinião da investigadora, a própria ética será obrigada a apresentar-se como um domínio com uma dimensão empírica e calculável em termos computacionais. Perante a tentação de trazer a ética para um domínio de cálculo que a filosofia também questiona, suscita-se a perspectiva de que, num mundo dominado pela tecnologia, tudo o que está diante de nós é material calculável. Parece haver, por trás de tudo, uma metafísica que nos convida a achar que não surge qualquer fricção quando se instala a própria ética num domínio mecanizável e computacional, sendo questões de fundo que exigem tempo e reflexão e depois do trabalho concreto. A investigadora salienta a urgência de gestão e do concreto computacional quando se exige rapidez para as questões efectivas e se querem resolver os problemas.
A professora chama igualmente a atenção para o facto de a mesa-redonda se chamar «Ética e Trabalho Híbrido: Reflexos e Reflexões». Suscita que existe um raciocínio quase darwinista em relação à novidade e que é quase sempre pensada como uma oportunidade, sendo que a evolução pode igualmente significar a extinção de uma espécie. Sugere por isso a maior ponderação sobre este tema.
Conclui afirmando que há muitos anos, havia quem afirmasse que era muito difícil ser um cientista virtuoso, pois há muitas observâncias implicadas. Diz a investigadora que hoje em dia é muito mais difícil ser um empresário virtuoso.
Em modo de conclusão, cientes da importância de se conhecer muito bem os colaboradores, as pessoas, e de para isso termos que estar perto uns dos outros, não nos podendo deixar atrás de um qualquer ecrã, cientes do muito que foi partilhado neste espaço e neste tempo desta mesa-redonda sobre Perspetivas em Diálogo, mas também cientes do tanto que ficou por partilhar, Sofia Salgado lembrou que este estudo convida a futuros contributos e reflexões sobre o tema.
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