Com o intuito de procurar estratégias que permitam alcançar, até 2030, os Objectivos do Desenvolvimento Sustentável, um grupo de trabalho holandês promoveu recentemente uma conferência informal junto de diversos parceiros europeus, em conjunto com um modelo replicável nos demais Estados-membros, que ajudará a uma uniformização de vontades e acções. A ideia é criar uma “linguagem comum”, sendo necessário o empenho de todos os stakeholders – sem excepção – para que a sustentabilidade do planeta seja verdadeiramente alcançada
POR
MÁRIA POMBO

Foi para “transformar o mundo” através de um “contrato social entre os líderes mundiais e os povos” que a ONU criou os 17 Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Inspirados no “sucesso” – relativo – dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM), estas novas metas pretendem ir mais longe e acabar, até 2030, com “todas as formas de pobreza” a nível mundial, entre outras metas ambiciosas. Resta agora transformar a teoria das boas intenções em práticas efectivas.

Na Europa, e pese embora todos os demais desafios que a mesma tem vindo a enfrentar, estes objectivos têm sigo encarados por vários líderes como uma “oportunidade de ouro” para a economia e também como uma forma de tornar mais inclusivo e sustentável o Velho Continente. E foi precisamente para debater as melhores formas de implementar os ODS dentro e fora da Europa que, numa abordagem multi-stakeholder, cerca de 300 pessoas se reuniram em Bruxelas, nos passados dias 30 e 31 de Maio. Denominada “How to make SDGs Europe’s Business: A Multi-Stakeholder Approach”, a conferência informal foi promovida pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros da Holanda, pelo Comité Económico e Social Europeu (CESE) e pela Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável (RSDS). O mesmo contou com a participação de indivíduos de diversos sectores e com as mais variadas experiências – como representantes de instituições europeias, governantes de diversos países, líderes empresariais, membros de instituições financeiras, filantropos, académicos e elementos da sociedade civil, incluindo sindicatos, associações de jovens e ONG. Explorar as melhores formas de atingir os ODS foi o complexo objectivo deste evento.

No discurso de abertura, o primeiro vice-presidente da Comissão Europeia, Frans Timmermans, sublinhou que o Velho Continente deve “dar o exemplo e agir”, considerando que os ODS reflectem os valores europeus e “proporcionam a promoção de um modelo social que a Europa deve continuar a defender e do qual deve sentir orgulho”. Uma ideia também bastante clara durante o encontro foi que muito do trabalho já está a ser desenvolvido junto dos cidadãos, por diversas empresas e organizações sem fins lucrativos, as quais têm vindo a estabelecer laços fortes e a criar soluções que vão ao encontro das metas do desenvolvimento sustentável. Cabe agora aos representantes dos Estados-membros da UE demonstrar que os ODS fazem, de facto, parte da agenda política e que a sua implementação será uma prioridade, até 2030.

Paralelamente à primeira ideia – de que estes objectivos vão ao encontro dos princípios defendidos na Europa –, existe, contudo, a consciência de que nem tudo está bem – para não dizer que muito está mal – e de que os mesmos significam uma oportunidade de introspecção e mudança. Apesar de a Europa estar bem posicionada no que respeita ao cumprimento de algumas das metas estabelecidas, continuam a existir desafios que requerem uma acção particularmente urgente. Lidar com as alterações climáticas, por exemplo, implica seguir um longo caminho de transição entre a actual utilização de energia e um conjunto de políticas baseadas na ciência e na tecnologia e que potenciam a preservação ambiental e a sustentabilidade do planeta, respeitando os seus limites.

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Adicionalmente, também as migrações, o desemprego (que afecta principalmente as gerações mais jovens) e as crescentes desigualdades sociais traduzem um conjunto de desafios urgentes para a Europa. A este respeito, Paul Polman, director geral da Unilever, sublinhou que deve ser dada importância à sustentabilidade da gestão empresarial, de modo a “reduzir as diferenças e proteger os mais desfavorecidos”. Esta opinião é partilhada por Seamus Jeffreson, director da Concord (Confederação Europeia das ONG de Desenvolvimento e Ajuda Humanitária), que destaca o papel fundamental dos governos na luta contra a pobreza e na redução das disparidades sociais.

Pessoas, planeta, prosperidade, paz e parcerias

Sendo considerada, pelo menos até então, como uma das regiões mais ricas e constantes do mundo, que beneficia de elevados níveis de educação e cuja população tem diversas competências ao nível tecnológico, a Europa encontra-se numa posição privilegiada para conduzir esta “mudança desejada”, utilizando os ODS como guias para a inovação. Os mesmos podem também assumir-se como medidas de avaliação de resultados, ajudando a identificar as transformações que vão ocorrendo em termos sociais e económicos, e também as estratégias utilizadas pelos gestores, governantes e outros agentes, para as alcançar.

A ideia de que a colaboração entre todos os stakeholders é condição essencial para que sejam cumpridas as metas de desenvolvimento sustentável foi defendida pelos participantes em geral. Contudo, e como sabemos, as negociações entre uns e outros nem sempre são pacíficas, sendo necessário encontrar novos mecanismos de cooperação, nomeadamente com base na regra dos cinco Ps (pessoas, planeta, prosperidade, paz e parcerias). Para facilitar a colaboração e a partilha de conhecimentos entre todos, passando da teoria à prática, o CESE anunciou que vai ser criada uma “plataforma multi-stakeholder”. Complementarmente, e inspirada no exemplo holandês da “Carta para os Objectivos Globais”, foi também anunciada a criação de uma rede que pretende fortalecer a colaboração entre os parceiros europeus.

No primeiro dia, os participantes tiveram também a oportunidade de discutir de que modo a agenda internacional vai ser organizada e como vão ser debatidos alguns tópicos importantes, como a agricultura, a energia, o clima, o sector financeiro e a sustentabilidade das cidades. Para debater estes temas, foram promovidos diversos workshops com o objectivo de encorajar a criação de parcerias e a troca de ideias e conhecimentos que estimulem a colaboração entre os líderes de diversas nações e a consequente criação de uma verdadeira rede europeia de “inter-cooperação”.

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Para além dos “líderes”, também os “cidadãos comuns” têm um papel importante no que ao alcance de resultados favoráveis diz respeito. São estes que, no papel de consumidores e investidores, instruídos e conscientes, vão permitir que seja alcançada a verdadeira transformação social. As gerações mais novas, em particular, têm a “missão” de desenvolver novas soluções e a oportunidade de desafiar as estruturas actuais, numa época em que todos os esforços devem ser feitos para promover a igualdade de género, por exemplo.

Por seu turno, os governantes têm a oportunidade de utilizar os ODS como meios de alavancagem de orçamentos para mobilizar o financiamento privado. Na conferência, concluiu-se que devem ser promovidos debates e devem ser criadas plataformas, a nível local, nacional e internacional que assumam a função de “pontes” entre as ideias dos Governos e as dos intervenientes de índole não-governamental. No fundo, pretende-se que seja criada uma “linguagem comum” que facilite a compreensão e a cooperação por parte dos stakeholders de variados sectores.

Neste sentido, é importante que exista uma regulamentação que garanta o equilíbrio entre as várias partes envolvidas, para que o trabalho desenvolvido tenha o efeito desejado: promover a inovação entre os diversos sectores, assegurar que todos os stakeholders trabalham com vista ao alcance dos ODS e permitir, igualmente, o desenvolvimento de abordagens “da base para o topo”. A promoção de um pensamento integrado entre as estratégias de negócio das empresas e os ODS, do empenho de todas as partes envolvidas e do apoio à criação de plataformas e incubadoras são as “condições-chave” que garantem o sucesso desta acção.

É urgente continuar a quebrar barreiras

21072016_ODSou3Apesar de muitas (grandes) empresas terem já reconhecido as enormes oportunidades de investimento que os ODS representam, há ainda muito caminho a percorrer no que respeita à criação de modelos de gestão sustentáveis e inclusivos, nomeadamente em termos de envolvimento com as pequenas e médias empresas, as quais têm – sem surpresas – uma capacidade limitada de acção. Os processos de transformação industrial devem ser acompanhados por políticas activas em matéria de emprego, com vista a garantir a criação de trabalho justo, legal e adequado, tendo em conta que a redução das desigualdades e a implementação do princípio de que nenhuma pessoa é deixada para trás constituem os principais motivos para que a Europa lute mais ainda contra a pobreza.

Os workshops em torno de alguns dos principais – ou mais urgentes – temas continuaram a ser promovidos no segundo dia desta conferência, cuja dificuldade em transformar ideais em acções efectivas continua a ser o maior dos desafios. Garantir que todos os stakeholders desempenham o seu papel de forma justa, articular as ideias discutidas com a realidade que se vive a nível local, e estabelecer uma política para a formação de parcerias foram os principais desafios identificados. Por outro lado, a promoção da colaboração entre todos os sectores – conseguida através da remoção de diversas barreiras ainda persistentes – foi encarada como uma das principais oportunidades, nomeadamente no que respeita à expansão de muitas iniciativas já existentes.

Na prática, e após dois dias de trabalho, concluiu-se que promover a sustentabilidade em sectores “críticos” como a agricultura, os têxteis e a energia é um dos primeiros e mais importantes passos a dar após este encontro. Neste sentido, foram partilhadas experiências, nomeadamente sobre boas práticas, tendo sido também exploradas algumas formas de acordos que podem ser estabelecidos entre diversos stakeholders, tendo o evento funcionado também como uma boa oportunidade de networking.

Por fim, ficou também claro que cabe aos governos das diversas nações europeias o papel de continuar a quebrar barreiras, criando, ao invés, incentivos à mobilização de fundos e recursos que apoiem a Europa no que ao alcance dos ODS diz respeito. Na Holanda, formou-se um grupo de trabalho multidisciplinar que já começou a aprofundar diversas questões relacionadas com os ODS na Europa. Tendo assumido o papel de pioneiro no que respeita à discussão destas novas abordagens e instrumentos discutidos ao longo do evento, este grupo é também considerado como um modelo que pode ser replicado noutros países da UE para que, localmente, possam ser encontradas e implementadas novas e melhores formas de tornar mais sustentável o planeta Terra.

Apelando a um maior compromisso por parte dos membros da UE, o presidente do CESE, Georges Dassis, referiu, na conferência, que “o aspecto mais notável desta nova agenda global é que, num mundo onde as tensões, o egoísmo nacional e os conflitos têm vindo a aumentar, os líderes mundiais chegam a um acordo sobre uma visão comum que responde aos principais desafios globais dos nossos tempos: terminar com a pobreza e assegurar o bem-estar, o respeito pelos direitos humanos, a paz e a protecção do nosso planeta”.


Pequenos passos num longo caminho

21072016_ODSou4Com o objectivo de monitorizar os progressos já conseguidos em termos de desenvolvimento sustentável, a nível regional e também mundial, a ONU apresentou recentemente o primeiro Relatório de Acompanhamento dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável. Considerando que, desde o lançamento oficial dos ODS, em Janeiro deste ano, ainda não existem transformações sociais significativas, os promotores deste documento recorreram a alguns dados anteriores para conseguirem apurar de que forma o mundo tem vindo a evoluir, determinando quais são os principais desafios para o futuro.

Os progressos são visíveis. Entre 1990 e 2015, a mortalidade materna – número de mulheres que morrem devido à gravidez ou após o parto, por cada 100 mil nascimentos – diminuiu em cerca de 44%; complementarmente, caiu para menos da metade o número de mortalidade de crianças com menos de 5 anos. No entanto, 13% da população mundial vive ainda em pobreza extrema, 800 milhões de pessoas passam fome e 2,4 mil milhões de cidadãos não têm acesso a saneamento básico.

Dados de 2013 referem que 59 milhões de crianças em idade escolar estavam ainda impedidas de frequentar estabelecimentos de ensino e 757 milhões de adultos (principalmente mulheres) não sabiam ler nem escrever. Este valor vai ao encontro da elevada percentagem de mulheres, quando comparada com a dos homens, que em 2015 eram vítimas de trabalho não remunerado ou estavam em situação de desemprego.

As diferenças regionais continuam a persistir, sendo ainda tremendo o fosso entre as regiões mais ricas – que têm mais e melhor acesso a todo o tipo de bens e serviços – e as mais pobres – que ficam sempre para trás. E é por quem vive nestas últimas regiões que, sob o claim de “não deixar ninguém para trás”, a ONU pretende continuar a lutar.


Jornalista