A Quarta Revolução Industrial, também conhecida como Indústria 4.0, já está a provocar profundas alterações na sociedade e nas pessoas em áreas como mobilidade, habitação, ensino, saúde, defesa, aconselhamento médico e jurídico ou economia. O tema será discutido no “Fórum Empreendedorismo e Inovação Social” integrado na edição deste ano do Portugal Economia Social, no Centro de Congressos de Lisboa, a 10 e 11 de Dezembro
POR MÁRIO MARQUES DA SILVA
A Indústria 4.0 é caracterizada pela massiva utilização de robôs, bem como inteligência artificial, Big Data, Internet das Coisas, comunicações e computação quântica. Estas tecnologias potenciam a substituição de humanos por robôs numa grande miríade de diferentes áreas, o que provocará o desaparecimento de alguns empregos e o aparecimento de outros, exigindo uma grande adaptação humana a este novo paradigma.
A condução autónoma é uma realidade que irá alterar a sociedade de forma drástica, facilitando a mobilidade de pessoas vulneráveis e portadoras de deficiência, como invisuais ou amblíopes, diminuindo também o número de acidentes e potenciando a partilha de veículos. O futuro das plataformas eletrónicas de car-sharing passa essencialmente pelos veículos autónomos, pois deixa de ser necessário um condutor permanente e o veículo pode passar a circular mais de 90% do tempo. Desta forma, qualquer proprietário pode partilhar o seu veículo durante os largos períodos que não o utiliza, passando este a circular mais de 90% do tempo, em vez de cerca de 3% ou 5%, i.e., resultando numa melhor otimização do recurso.
A Internet das Coisas e, mais concretamente a quinta-geração de comunicações Celulares (5G), com implementação em 2020, desempenhará um papel importante na quarta-revolução industrial e, nomeadamente na implementação da condução autónoma, dado que permitirá comunicações veículo-a-veículo (V2V) de alto débito e baixa latência, para além das comunicações convencionais através de uma estação de base. O 5G, utilizando ondas milimétricas da ordem dos 60 GHz [1] permitirá, nas comunicações V2V, a rápida partilha de grandes quantidades de informação, como posição, rumo, velocidade, posição de origem e de destino da viagem, tráfego circundante, etc. Uma tecnologia de suporte ao 5G que, conjuntamente com as ondas milimétricas, potencia a troca de grandes débitos binários, é o sistema MIMO (múltiplas antenas de transmissão e de receção), o qual permite um aumento exponencial de ritmos de transmissão, através da exploração de múltiplos fluxos de informação (dezenas, centenas ou mesmo milhares de vezes mais) entre cada antena transmissora e recetora [2] [3]. Para além da condução autónoma, o 5G, através da Internet das Coisas, potenciará a implementação de cidades inteligentes, cirurgias remotas, realidade virtual, logística inteligente, etc.
Algumas analises mais pessimistas apresentam uma visão em que a substituição dos humanos por robôs originará um elevado desemprego, sendo que semelhante receio ocorreu com a terceira revolução industrial (revolução dos media e dos sistemas e tecnologias de informação), mas que não se verificou. Outros acreditam que a quarta-revolução industrial originará o desaparecimento de alguns empregos, mas o aparecimento de outros, enquanto que um maior nível de competências é exigido. Um recente estudo da OCDE indica as seguintes influências da 4ª revolução industrial sobre a empregabilidade [4]:
- O maior risco encontra-se nos empregos mais rotineiros, com baixas qualificações e mal remunerados;
- A automação afeta maioritariamente a indústria e a agricultura, mas o setor dos serviços também está vulnerável à automação;
- Cerca de 14% dos empregos existentes nos países da OCDE são bastante automatizáveis, enquanto que 32% dos empregos podem sofrer uma substancial mudança na forma como são desempenhados;
- O menor risco é aplicável a uma larga gama de empregos relacionados com criação, manutenção e administração de tecnologias, inteligência criativa, manipulação organizacional, bem como inteligência social, como a compreensão social e os cuidados personalizados a pessoas dependentes;
- Os jovens que entram no mercado de trabalho estão mais vulneráveis à automação que os empregos desempenhados por pessoas mais experientes;
- Nem todos os empregos tecnicamente automatizáveis desaparecerão. Além disso, outros empregos serão criados, esperando-se que a empregabilidade continue a aumentar.
A forma como interagimos está a sofrer profundas e rápidas mudanças, com impactos no ambiente familiar, de amigos e nas mais diversas relações, com uma comunicação mais facilitada. No entanto, tende a verificar-se uma progressiva perda da liberdade, com uma maior exposição social. Dependendo da forma como as pessoas, as organizações e os Países gerem as tecnologias a serem disponibilizadas pela quarta revolução industrial, podem ocorrer diversos impactos [5]:
- Aumento da esperança de vida e da qualidade de vida e bem-estar;
- Melhor autonomia e qualidade para pessoas portadoras de deficiência e de doenças crónicas, bem como de pessoas idosas;
- Melhoria da empregabilidade, com menos horas de trabalho semanais e potenciando o teletrabalho;
- Melhoria da Comunicação e mobilidade, diminuindo distâncias e contribuindo para a “Aldeia Global”;
- Democratização dos recursos, informação e conhecimentos, e uma educação mais personalizada às necessidades individuais;
- Maior participação dos indivíduos nas atividades sociais.
A robotização tende a facilitar as atividades domésticas e rotineiras de todos, utilizando dispositivos como aspiradores inteligentes ou robôs de cozinha. A disponibilização de novas tecnologias potenciará a criação de novos dispositivos que continuará a funcionar como facilitador para o humano comum, mas também para os mais vulneráveis, como os portadores de deficiência ou os idosos.
Uma das limitações dos idosos com dificuldades de locomoção passa pela dificuldade de aquisição dos alimentos. Um frigorifico inteligente, dispondo de Internet das Coisas, que efetua compras automáticas pela Internet quando o stock de alimentos baixa de determinado limiar, será um grande facilitador. Esta funcionalidade tenderá a estender-se à cozinha inteligente, em vez do mero frigorífico inteligente.
Existem óculos para pessoas invisuais ou amblíopes que, utilizando inteligência artificial com reconhecimento de padrões, conseguem identificar as pessoas à sua volta, bem como ler documentos (exemplo OrCam MyEye 2). Os veículos autónomos serão também um grande apoio à locomoção destes grupos mais vulneráveis. Por outro lado, as novas tecnologias tenderão a integrar pessoas deficientes no mercado de trabalho e na sociedade, através da mitigação das suas limitações com novas tecnologias.
Conclusões
Com a quarta revolução industrial, perspetivam-se modificações no mercado de trabalho, com o desaparecimento de alguns empregos mais rotineiros e manuais (principalmente na indústria e agricultura, mas também na área dos serviços), especialmente nos postos que requerem mais baixos graus de qualificação, enquanto que outros empregos serão criados, nomeadamente associados à criação, manutenção e administração das novas tecnologias, bem como aos empregos relacionados com inteligência criativa, manipulação organizacional, ou inteligência social. A melhor forma da sociedade estar preparada para o novo paradigma será estar consciente que grandes mudanças estão a ocorrer e estar atento e direcionar os esforços nas áreas que apresentam um menor risco.
A disponibilização das tecnologias, utilizando inteligência artificial, Internet das Coisas, Big Data e robôs, continuará a potenciar a criação de novos produtos que facilitarão a vida dos mais vulneráveis, como idosos ou pessoas portadoras de deficiência física ou mental. Por outro lado, as novas tecnologias tenderão a integrar pessoas deficientes no mercado de trabalho e na sociedade, através da mitigação das suas limitações com novas tecnologias.
Enquanto a eficiência humana, social e organizacional tende a melhorar com a quarta revolução industrial, a liberdade humana necessita ser mantida, com especial atenção sobre as novas questões éticas que se levantam. Para isso, a regulação e regulamentação desempenham um papel fundamental, bem como uma correta utilização individual e organizacional da tecnologia, por forma que esta funcione como facilitadora das vidas humanas e das organizações, em vez de as tornar escravas dessas tecnologias.
Referências
[1] Rappaport, T.S.; Shu Sun; Mayzus, R.; Hang Zhao; Azar, Y.; Wang, K.; Wong, G.N.; Schulz, J.K.; Samimi, M.; Gutierrez, F., ”Millimeter Wave Mobile Communications for 5G Cellular: It Will Work!,” Access, IEEE , vol.1, no., pp.335,349, 2013.
[2] Marques da Silva, M.; Monteiro, F., “MIMO Processing for 4G and Beyond: Fundamentals and Evolution”, CRC Press Auerbach Publications: ISBN: 9781466598072, FL, USA, June 2014
[3] Marques da Silva, M.; Dinis, R., “A Simplified Massive MIMO Implemented with Pre or Post-Processing”, Physical Communications, Elsevier, Physical Communication-Elsevier Vol. 1, Nº 1, pp. 1-12, September, 2017, http://dx.doi.org/10.1016/j.phycom.2017.06.002
[4] OECD “Putting faces to the risk of automation”, Policy Brief on the Future Work, OECD Publishing, Paris, 2018, disponível em https://www.oecd.org/employment/Automation-policy-brief-2018.pdf
[5] Marques da Silva, M.; Guerreiro, J.; Taveira Pires, M.; “On the Contribution of 5G Communications to Industry 4.0”, Proceedings of Eighth International Conference on Business Sustainability 2018, Póvoa de Varzim, Portugal, 7-9 November 2018
Diretor do Departamento de Ciências e Tecnologias
Diretor do Centro de Investigação em Tecnologias – Autónoma TechLab